John Lee Hooker foi um grande bluesman, e reverenciado por vários nomes de peso do rock e do blues. Essa admiração ficou registrada em um álbum que o mestre lançou em 1991, chamado Mr. Lucky, em que um time estelar de convidados de peso fazem significativas participações. A coluna Rio Fanzine de O Globo em sua edição de 10/11/91 traz uma matéria assinada por Carlos Albuquerque sobre o lançamento:
"Sujeito de sorte, o John Lee Hooker. Poderia estar numa casa de repouso, em um asilo de luxo ou mesmo encostado numa cama por causa de uma enfermidade qualquer, cantando o blues para enfermeiras e médicos. Vários artistas do gênero acabaram nestas situações: alguns em outras ainda piores. Mas não ele. É que, além de talento, Hooker tem bons amigos. E tem sorte. Quem duvidar disso que ouça seu novo trabalho, com participações especiais de Albert Collins, Robert Cray, Ry Cooder, Van Morrison, Keith Richards, Carlos Santana e Johnny Winter, entre outros. O nome do disco, claro, não poderia ser outro: 'Mr. Luchy'.
Lançado recentemente no exterior pela Silvertone e breve no Brasil via EMI-Odeon, 'Mr. Lucky' é um digno sucessor de 'The Healer', disco que deu a Hooker um Grammy e que contava também com um time de craques: Bonnie Raitt, George Thorogood, Los Lobos e o 'repetente' Carlos Santana. Empurrado por essa turma - todos fãs de caderninho do seu trabalho -, Hooker mostrou o quanto é jovem aos 73 anos e rejuvenesceu o para lá de ancestral som do Delta Mississipi.
E o que era intenção em 'The Healer' - analisar as várias possibilidades do blues, e seus desdobramentos -, é fato em 'Mr. Lucky'. Sem histerias, sem muito alarde. John Lee Hooker faz quase brincando o que meio mundo tenta fazer sofrendo: mostrar que o blues é o fio condutor de várias correntes musicais e que pode, ainda hoje, soar moderno e atual. Chocante isso, mas apenas para quem acha que blues é 'sempre a mesma coisa'.
'I Want To Hug', que abre os trabalhos, simboliza bem isso, colocando a voz gutural de Hooker à frente de um furioso boogie-woogie, cortesia do piano do convidado Johnnie Johnson. 'Mr. Lucky', faixa-título, pula etapas e traz ao disco o som sofisticado e elegante de Robert Cray e toda sua banda, num discurso rhythm and blues de dar gosto. No final, o agradecimento do mestre: 'Thank you, Robert'.
Produzido por Roy Rogers (que esteve tocando no Brasil recentemente) e dedicado à memória de Stevie Ray Vaughan, 'Mr. Lucky' tem a felicidade de extrair o melhor de cada convidado, sem nunca comprometer o conjunto. Para quem andava com saudades dele, o albino Johnyy Winter reaparece solando furiosamente em 'Susie'. Albert Collins é outro que aparece no disco em plena forma, nervosíssimo com sua Fender Telecaster no blues 'Backstabbers'. Carlos Santana e banda surgem em 'Stripped Me Naked' e dão toques latinos e jazzísticos ao disco, repetindo a performance do disco anterior, no qual interpretavam a faixa-título.
Ry Cooder, o herói da trilha sonora de 'Paris Texas', traz de presente para Hooker não apenas sua magistral guitarra mas também seu inseparável trio vocal (Willie Greene, Bobby King e Terry Evans), o que faz de 'This Is Rip' uma evocativa viagem às esquinas de Nova Orleans. Com John Hammond (outro que tocou este ano no Brasil), Hooker faz um duelo assombroso em 'Highway 13'; algo quase tão sombrio quanto o de um outro embate, com o voodoo-man Keith Richards e o superbaixista Larry Taylor, na faixa 'Crawlin'Kingsnake'.
E há por fim o solene encontro de Hooker com o supremo Van Morrison, 'I Cover The Waterfront' é uma dessas obras-primas que só uma conjunção especial dos astros pode tornar possível. A Caledônia unindo-se ao Mississipi, a Irlanda passeando pelo sul dos Estados Unidos, numa canção celestial, um diálogo de vozes sublime, valorizado pelo órgão de ninguém menos do que Booker T. Jones. Seis minutos e trinta e oito segundos de pura emoção. 'Mr. Lucky' é assim: um por todos e todos por john Lee Hooker. Que Sortudo!"
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