Palavras Domesticadas

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segunda-feira, 22 de abril de 2013

Roberto Carlos é o Rei do Iê-Iê-Iê (3ª Parte)

"Na época da boate Plaza, 1959, Roberto havia conseguido gravar um 78 rpm com dois exemplos, sem muita inspiração, do gênero bossa-nova: João e Maria e Fora do Tom. O resultado, se alguém se ocupasse  de levantá-lo exatamente, mostraria a vendagem ridícula de algumas centenas de cópias. De exato ficou a posição da Polydor - Roberto podia procurar outra gravadora.. Pelas mãos de Carlos Imperial, o gordo animador de manifestações musicais juvenis, iniciou uma peregrinação por todas as gravadoras cariocas atrás de uma nova oportunidade. A maioria argumentava que o negócio era bossa-nova - gênero que, pelo disco da Polydor, não era o forte de Roberto - e outras que já tinham cantores semelhantes em seu cast. Na Colúmbia, não se sabe até que ponto a afinidade de gosto jazzístico com Imperial, influiu na decisão do produtor Roberto Corte Real em dar uma oportunidade ao seu protegido.  Um novo compacto de 78 rpm, preenchido de um lado por Brotinho Sem Juízo e do outro por Canção do Amor Nenhum, duas baladas de Imperial, saiu às lojas em agosto de 1960. E desta vez as coisas começaram a seguir um ritmo razoável. As namoradas de Roberto e Imperial gastavam fortunas em telefonemas para as rádios, obrigando Jair de Taumaturgo a fazer uma enquete especial para saber quem era melhor, Sergio Murilo ou Roberto. Sergio havia inclusive participado de um filme em cores 'Matemática Zero, Amor Dez', provavelmente cheio de súditas do 'reinado da brotolândia', mas mesmo assim foi derrotado por uma diferença surpreendente de telefonemas.
Em termos sociais, o rock não significou nada de muito importante na opinião de Roberto Carlos: 'O rock transformou ou já era uma consequência de uma transformação que existia nas pessoas? Eu vejo assim:  como parte da coisa, não como causa'. Bem difetrente do pensamento do seu parceiro mais contante da Rua do Matoso, Erasmo Carlos: 'Foi a coisa mais imporante do século. A juventude começou a se libertar por causa dele'. Aos que reparam no rumo diferente que o trabalho dos dois tomou - Erasmo liderando uma banda amante do mais brabo dos rocks e Roberto compondo baladas insosas -, a resposta vem pronta: 'O importante na vida é a busca do equilíbrio', diz Roberto. 'A minha tendência sempre foi mais romântica. O Erasmo não, mais agressivo, mais som, volume. A troca das nossas ideias, aparentemente chocantes, tem dado bons resultados nas composições que fazemos juntos'.
A partir de 1961, elas foram muitas: Parei na Contramão, Festa de Arromba, É Proibido Fumar, A Garota do Baile e outras. Um sucesso entre o reduzido público de aficcionados do gênero, o que não impedia Roberto de trabalhar por muito tempo como auxiliar administrativo da Delegacia de Seguros do Ministério da Fazenda. Histórias que, depois de setembro de 1965, passariam a ser lembradas principalmente pelas senhoras que saíam do programa Jovem Guarda, acompanhadas de adolescentes rouquenhas: 'esse rapaz lutou muito para conseguir tudo isso'. Carros, mansões, milhares de discos vendidos, participação nos lucros da empresa montada para a venda de fichários estudantis, calças, camisas, bonés, chaveiros e tudo que se possa imaginar, com a marca Calhambeque. Dos sofrimentos passados apenas o rosto triste. Reinava a felicidade de estar com a maninha Wanderléia, o tremendão Erasmo Carlos, porque tudo era uma brasa e o resto que fosse para o inferno, mora. Em termos musicais, o que foi a Jovem Guarda? 'Na época era considerado um gênero de música importado', afirma seu 'Rei'. 'De qualquer forma, eu penso que não, já estava bastante nacionalizado. As músicas da Jovem Guarda tiveram sua origem nas versões. Nós passamos a produzi-las aqui e colocando pitadas de coisas nossas, como a Candinha.. Mas nunca foi rock - era o iê-iê-iê brasileiro.'
Nem todos pensavam assim. Como, por exemplo, os que se apresentavam no programa 'Fino da Bossa', da mesma TV Record, dedicado aos estertores da bossa-nova. Numa época farta de passeatas, esses defensores das 'raízes brasileiras' organizaram uma para protestar contra as guitarras imperialistas empunhadas pelos alienados da JG. Este é um, dos muitos assuntos sobre os quais Roberto reticencia, acendendo um de seus 60 cachimbos: 'Caetano influenciou muito para que se desse mais atenção à música que fazíamos na Jovem Guarda. Nas declarações se mostrava muito simpático, considerava as coisas boas que fazíamos. O pessoal da Jovem Guarda sempre gostou muito de bossa-nova. A partir de Caetano as pessoas encaravam o iê-iê-iê sem preconceitos. Mas antes Silvinha Teles havia cantado 'Não Quero Ver Você Triste'. Isso causou controvérsias. 'Poxa, cantando música da Jovem Guarda? A Silvinha respondia que o que importava é que ela achava a música bonita'.
A fórmula era finalmente a súplica chorosa de Anísio Silva e a parafernália eletrônica de Bill Haley. O romantismo piegas de letras como 'Eu Te Darei o Céu' sustentadas ritmicamente por guitarras fantásticas. 'A minha primeirta guitarra foi uma Gianini mesmo. Na  Jovem Guarda tive uma Fender que foi do Johnny Halliday, uma Rickembaker, e ainda uma Gibson. Gostava muito da Rickembaker, mas não era por causa do som. Era porque Lennon tinha uma igual. Ou era o Harrison? Não sei, um negócio assim'.
Hoje em dia ele não toca mais guitarra e se apresenta em recintos que condiciona a entrada do cidadão a cerca de 70 cruzeiros por um ingresso. Como no Canecão, onde encerra em abril uma temporada de casas lotadas, iniciada em novembro. Parece que faz lembrar que faz 35 anos neste mês, na escolha de seus atuais ídolos: os inefáveis Bee Gees e Tony Bennet. 'Gosto muito também daquele conjunto de efeitos eletrônicos. Como é o nome? Isso, Pink Floyd'. De rock brasileiro consegue citar, sem maiores explicações, Erasmo, Rita Lee e Zé Rodrix. Perguntado sobre o Made In Brazil parecia ter assumido inesperadas e sensacionais posições: 'Faz a gente se sentir como se estivesse dizendo tudo aquilo. Eles dizem o que a gente gostaria de dizer. Mesmo que seja um negócio que a gente não esteja fazendo'. Roberto Carlos e Cornelius (ex-vocalista do Made) cantando juntos ' 'Eu só quero é chupar o seu sorvete'? Claro que não, conforme o 'Rei ' informaria num encontro seguinte: 'Eu pensei que você tinha me perguntado sobre uma música do Zé Rodrix. Mas  gosto do Made In Brazil. Já ouvi no rádio'. Um outro equívoco, já que os terríveis rapazes de Taubaté nunca tiveram a felicidade de uma execução radiofônica.
Atualmente, Roberto Carlos faz parte de um Conselho Nacional do Direito Autoral, organizado pelo Ministério da Educação, para implantar um sistema de arrecadação honesto no país. Nas raras e medrosas entrevistas que concede, embaralha nervosos 'não sei' quando trata do assunto. Argumenta em favor da censura e diz que acredita no Papa. Sobre suas baladas, a cada ano mais impregnadas de defluxos senis, informa o óbvio: 'Não mudei nada. Houve um amadurecimento normal que influiu no que proponho'.
Roberto estipula a idade do seu público no Canecão acima dos 25 anos. Ali diz piadas recheadas de uma malícia curtível pela classe média, discursa um texto sub-político lamentando a conturbada Latino América e canta seus últimos sucessos. Faz também um 'revival' de músicas da Jovem Guarda, mas é impossível se ver através do terno de cetim o ainda usado medalhão com o Cristo. Ao final de um desses shows, em janeiro, foi visto recebendo os cumprimentos do empresário do mundo imobiliário e hoje prefeito do Rio, Marcos Tamoyo, e do deputado federal pelo partido do governo, Amaral Neto. Naturalmente, agradecidos por tudo."

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