Palavras Domesticadas

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sexta-feira, 19 de abril de 2013

Nem 68, Nem 69 - Fernando Gabeira (1988)

A revista HV nº 10 (1988) trazia um interessante texto de Fernando Gabeira sobre os ideais, os sonhos, as revoluções utópicas da geração 68 vinte anos depois. Bom pra se ler e refletir:
"É preciso se desembaraçar de 68? Esta pergunta não é feita apenas pelos quarentões que participaram do período e têm medo de ficar mais velhos do que são, como se tivessem de desfilar numa parada do Dia da Independência na coluna dos ex-combatentes da Segunda Guerra Mundial. Ela é feita também por muita gente mais nova que, com olhos dos anos 80, acham até engraçado que as pessoas tenham se deixado capturar num rótulo tão vasto como este de 'a geração de 68'.
Às vezes a irritação é despertada quando se olha para trás com muita parcialidade e se vê a década de 60 como o único momento interessante do fluxo do tempo. A revista francesa Globe dedicou um número inteiro a 68, com a clara intenção de falar disso pela última vez, enterrando a época. Não me convenceu completamente, mas pelo menos trouxe grandes argumentos para a cena.
'A religião do Maio de 68 com sua respeitabilidade nova tornou-se insuportável. O que resta além de um romantismo ridículo e seu insustentável maniqueísmo?'
O autor da frase, Georges-Marc Benamou, alinha seus principais motivos para enterrar 68:
'Para muitos, 68 foi o início de uma nova era. No fundo pode ter sido apenas a morte do século 19 que se recusa a ir embora, seu último sobressalto.'
'Os que participaram do movimento de 68 se dispersaram, decretando a morte de sua revolução e dizendo que não havia mais futuro, que o sonho acabou. Eles se resignaram e querem que a terra inteira também se resigne.'
Uma a uma, as promessas e frustrações de 68 foram analisadas. O capítulo do amor livre confrontado com a epidemia de Aids no planeta é conduzido à simples conclusão de que as pessoas, mesmo se quiserem ser livres, vão encontrar limitações. Uma grande carga de crítica vai para os hábitos da época que dividiam rigidamente o mundo, criando os burgueses e os quadrados e propagando uma visão que nivela as culturas e afirma que 'tudo é arte'.
Até certo ponto, muitas dessas concepções são válidas para o Brasil, onde, junto com a experiência radical na política, surgiram radicais enfoques do teatro e da pedagogia. Alguns se tornaram objeto de estudo em muitos lugares do mundo, sobretudo os trabalhos de Augusto Boal e Paulo Freire.
Em 68 falava-se muito em revolução. Hoje ninguém mais fala disso. A revolução era a única solução de tudo. No entanto, na realidade, a ideia de revolução deixou um imenso vazio. Em muitos lugares do mundo, as pessoas a substituíram, colocando em seu lugar uma luta por uma cresecente democracia, que deve se aprofundar cada vez mais.
Evidentemente que essa mudança do eixo dificilmente vai permitir que se forme algo assim como a geração de 68. Num processo de luta pela democracia crescente é muito difícil que apareçam milhares de pessoas cortando o cabelo do mesmo jeito, usando a mesma barba, as mesmas saias coloridas e as calças patas de elefante. Os movimentos de hoje têm características próprias e neles as pessoas entram com sua individualidade ou até mesmo para defender parte de sua individualidade, como é o caso dos homossexuais, dos negros, dos índios.
Quem talvez tenha captado isto no número especial da Globe é Alexandre Jardin, um autor que nasceu em 1965 e tem diante da geração de 68 o distanciamento que poderia ter uma criança de 3 anos naquela época:
'É um erro opor os estudantes dos anos 60 aos estudantes dos anos 80. Graças a Deus, os costumes mudaram, mas há uma permanência subterrânea de valores. Os que veem um movimento reacionário no retorno da família podem estar se enganando, pois o desejo de uma estabilidade amorosa hoje, na maioria dois casos, é livre de todo o priori social.
Os anos 60 nos legaram uma noção que ainda tem validade hoje, mas que é muito duvidosa, pois permite aos políticos enfeixar numa só palavra uma diversidade de situações: a juventude.'"

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