Palavras Domesticadas

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sábado, 20 de abril de 2013

Roberto Carlos é o Rei do Iê-Iê-Iê (1ª Parte)

Embora hoje em dia esteja mais associado à música romântica, Roberto Carlos é um dos mais importantes personagens da história do rock brasileiro. Embora seu parceiro Erasmo Carlos seja mais fiel ao rock, Roberto, que ontem completou 72 anos, não pode ser desassociado ao gênero musical que ajudou a se desenvolver no Brasil.
Em 1976 Roberto ganhou uma matéria na revista Rock, A História e a Glória nº 16, assinada por Joaquim Ferreira dos Santos, numa coluna chamada "Rock e Eu":
"Fora de quadro, Erasmo Carlos, Wanderléia, George Friedman, Bobby de Carlo, Martinha e The Jet Blacks juntavam suas vozes num backing vocal balançante: 'O calhambeque bi-bi, o broto quis andar no calhambeque'. Em grande close, o dedo polegar direito cruzava o rosto, contorcido por vezes em exasperantes 'bye', que desapareciam sob o tonitroante 'vorrrrrrrrrrrrooomm', onomatopaico talvez da aceleração do Jaguar em Interlagos, a 260 por hora. Podia ser o sinal de que estava tudo OK ou uma oportunidade para mostrar anéis e pulseiras. Alguns viam muito mais que isso: da testa, o polegar começava a persignação inconsciente, um 'pelo-sinal da Santa Cruz' abafado por Fenders. Para os que creem - e o auditório da TV Record estava sempre cheio de senhoras com o cabelo ainda moldado pelo véu da missa matutina dos domingos -, o quadro final do programa 'Jovem Guarda' era o aviso claro de que Deus existia fora do medalhão que a câmera às vezes flagrava sobre o peito do cantor Roberto Carlos. Deus, bondade, perseverança, probidade, fé, humildade, amor ao próximo e toda aquela gama infatigável de valores previstas entre o Verbo e o Apocalipse. Louvados do 'Clube do Rock' ao Canecão.
Uma abordagem mística chega a ser tentadora. Afinal, como relacionar fatos tão chocantes: o acidente com o trem da E.F. Vitória-Minas na infância, na pobre Cachoeiro de Itapemirim, e o fausto da mansão no Morumbi, atulhada de empregados e carros importados? Os 800 mil discos vendidos por ano e o começo difícil, rejeitado por quase todas as gravadoras do Rio de Janeiro? A doença congênita de seu filho Segundinho miraculosamente extirpada pelos poderes sobrenaturais do médium Chico Xavier? O iê-iê-iê sabotado pela música brasileira mais consciente, passa de repente a ter seus elementos mais gratos servindo de fonte para um processo de renovação estética? Aos que lhe perguntam sobre a principal imagem que lhe ficou na cabeça de todos os anos de existência da Jovem Guarda, Roberto não desaponta: 'As campanhas dos agasalhos para as pessoas pobres, no frio de São Paulo.
A educação religiosa em Cachoeiro, quando recebeu de uma freira o medalhão que o acompanha até hoje, talvez explique um pouco suas posições conservadoras. Foi uma origem humilde, sustentada pelos poucos rendimentos de seus pais, uma costureira e um relojoeiro. Mas sua história musical pode ser descrita a partir do desolado cenário de ruas esburacadas e casas com a inscrição 'Lar de Maria', que povoam o subúrbio carioca de Lins de Vasconcelos, onde a família veio tentar melhores ventos. Havia aprendido a tocar violão e tentava superar as dificuldades que a voz sem grande extensão impunha aos pretendentes à carreira de cantor - seu caminho já decidido a partir de uma irrefutável aptidão e também pelas poucas opções que a falta de estudos lhe impunha (fez o artigo 91 e parou no 1º científico). Alguém assim como Nelson Gonçalves lutando contra a tartamudez. Cantor que, por sinal, ao lado de Anísio Silva, Tito Madi e Dolores Duran compõe a galeria de ídolos do jovem Roberto, aos 15 anos.
Em 1956, os jornais anunciavam que o cinema Roxi, em Copacabana, tiunha sido quebrado pela euforia dos jovens vendo 'Rock Around the Clock', com Bill Halley e seus Cometas'. 'Isso me causou uma curiosidade incrível e eu fui ver no cinema do meu bairro. Bati palma como todo mundo, mas não chegou a ter quebra-quebra', conta Roberto relembrando seu primeiro contato com o rock. Logo em seguida viria Elvis Presley com 'Love me Tender' e as sensações se cristalizavam: 'Eu sentia uma alegria, vontade de dançar e principalmente de cantar. Não de quebrar qualquer coisa, violência. As guitarras coloridas também me impressionavam muito'.
A confusão é só aparente. Os que sabem sabem que nos seus momentos mais agitados, o pega rapaz dessarumado da testa de Bill Haley se enrosca no bigodinho fino de Anisio Silva. E que 'one two three o'clock rock' soa como excelente introdução para 'quero beijar tuas mãos minha querida/és o maior enlevo da minha vida/és o reflorir do meu amor'. Pelo menos foi  o que as músicas da Jovem Guarda, dez anos depois, deixaram bem claro."
(continua)

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