Palavras Domesticadas

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sexta-feira, 24 de abril de 2015

Egberto Gismonti - Música do Astral Para Fazer Dançar a Cabeça - 4ª Parte

"E essas pessoas que estão no Jornal Caipira são seu alimento maior. Delas recebe não só os atos criativos como indicações do que deve ou não ser lido ou visto. Egberto depende profundamente dos amigos. Como da carta astral que recebe mensalmente e dos encontros, que se repetem mês após mês com seu pai-de-santo. 'Vou lá mensalmente, conversamos muito, ele joga meus búzios e chegamos a acordos ótimos.'
Como artista sensível e brasileiro, ele tem ideias definidas sobre o país. E não negaceia: 'Eu vejo o Brasil muito de fora. Mais de fora do que de dentro. No plano das artes, vejo um momento de muito mais coragem do que antes. Tem muita gente que resolveu se produzir. Outro dia, seis caras me pediram para vender seus livros na entrada de um show que fiz em Cuiabá, livros independentes. E eles me falaram de artistas plásticos que já trabalham com xerox e que também queriam expor. Olha bem, trabalhando com xerox em Cuiabá. Eu acho que o momento é de coragem por causa disso, mas não de esperança. As pessoas ou dão ou descem. Está tudo dificultado, apesar da aparência de facilidade.'
Esse momento de coragem, porém, tem merecido uma certa reserva por parte de Gismonti. Apesar de não caber uma comparação do mercado fonográfico nacional e do norte-americano, a confrontação é inevitável: 'Eu acho isso muito positivo, mas não sei onde vai dar. Isso ocorreu nos Estados Unidos há 30 anos, e caso se repita aqui, vai ser horrível. O que começou com os Irmãos Espelunca acabou virando CBS e Warner Brothers e acabaram contratando o Pelé por 100 milhões de dólares. A gente vai ter as grandes companhias brasileiras e é irreversível, não tem jeito não. É como a mata que acaba, o índio que acaba, a avó que morre. Cresceu, cai nisso aí. E eu não tenho a menor ideia de como se sai disso.'
Viajando em turnês, dando espetáculos por todo o país, Gismonti tem uma visão ampla do Brasil e do momento atual. 'Acho que tenho muito pouco a acrescentar no tocante a economia, sociedade. Concordo com o que a minoria está achando. Concordo que está impraticável, que está inseguro, que está indefinido, que apesar da gente ter eleições no ano que vem isso não está dizendo nada, concordo que esta suposta democracia que está aparecendo não alivia em nada a barra dessa geração de 30 e poucos anos.'
Nós já pagamos os 15 primeiros anos e vamos pagar com mais 10 de fome. Coisa da nossa geração, estamos levando porrada. Quer dizer, o cara fez 15 anos, debutou, virou tudo em 64. Aí disseram não, falaram em desafogar, mas com certeza até os 40 e poucos anos essa porrada vai continuar firme. Isso para essa minoria etária, da casa dos 30 anos. E quem concorda com isso é uma minoria, não é maioria não. Quer dizer, quando se fala em Brasil, as grandes maiorias são minorias.' "

(continua)

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