Palavras Domesticadas

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quarta-feira, 29 de abril de 2015

Depoimento de Roberto Menescal À Revista Zero - 2ª Parte

Jorge Ben e Tim Maia:
"O Jorge Ben veio bem depois. Nesse meio tempo outro fato que rolou foram os encontros dos músicos. Até então estamos falando de gente compondo. Paralelo a isso, os músicos começaram a sentir que aquele tipo de música que a gente compunha era legal pra se tocar. E eram músicos mesmo, não tinham nome, e começaram a se reunir num lugar chamado Beco das Garrafas, em Copacabana. Esses músicos tocavam em bares próximos ao local e depois se reuniam no Beco. Esse lugar passou a ser um ponto de encontro pra quem queria ouvir música legal. Elis Regina chegou ao Rio de Porto Alegre e foi pra lá. Todo mundo que gostava de coisas mais modernas ia pra lá. E Jorge Ben começou a aparecer nesses bares e a dar suas canjas, aquele filão ainda rudimentar.
Ele trouxe uma coisa vigorosa ao que fazia. Quem me falou do Jorge - eu já conhecia, mas não me liguei muito, porque focava mais na harmonia. Eu seguia uma linha mais no lado jazz-cool, e o Jorge era o contrário disso - foi o Tom. Ele falou: 'Você já ouviu Jorge Ben?'. E mostrou umas coisas. Foi então que comecei a perceber um pouco da importância do Jorge. Confesso que não fui eu que efetivamente descobri a importância dele.
Tim Maia também só fui conhecer anos depois, quando eu já era produtor da Polygram, lá pra 1970, 71... Nessa época Tim Maia já havia voltado de uma temporada em que morou fora (nos Estados Unidos). Mostraram-me o som dele, e ele até gravou uma música minha."
Chico Buarque:
"A bossa nova foi para São Paulo. Quando digo isso quero dizer que ela se profissionalizou - porque o Rio cria e São Paulo profissionaliza. Então, aconteciam muitos festivais de bossa nova nas faculdades, e em um desses festivais apresentaram um garoto 'menino de faculdade, que faz música'. O Chico entrou e a gente pensou: 'Que bacana, nossa música já está influenciando outra geração'.
A Nara se ligou muito no Chico, e me mostrava as coisas dele. Depois fui trabalhar como produtor de Construção (disco de 1971), e passei a fazer contato mais direto com ele. Depois fizemos (a trilha do filme) Bye Bye Brasil.
Ele foi um cara que revolucionou a letra, a crônica, bastante influenciado por Noel Rosa. E foi influenciado por várias coisas, pela bossa nova também, em harmonias. Mas acho que o Chico é mais aberto do que só bossa nova."
Ditadura:
"Quando a ditadura chegou, começaram imediatamente os movimentos contrários, de luta na música. Naturalmente as letras começaram a mudar bastante. Não as nossas, porque nós éramos muito alienados com o que acontecia no Brasil. Mas em relação a quem participava ativamente, Geraldo Vandré, Carlos Lyra (que nasceu bem bossa nova e depois se desvencilhou). Enquanto nós falávamos do samba de verão, os caras falavam de Nordeste. Aquilo me deixou perplexo. Eu pensava; 'Então acabou tudo isso que a gente está fazendo?'. Isso me assustou no começo, mas depois a gente começou a descobrir a beleza de certas coisas.
É claro que houve um exagero. Você deixava de fazer sua música pra compor sobre o Nordeste, como se só existisse aquilo. Isso acho que interrompeu um pouco o crescimento musical - no sentido harmônico - pra uma priorização da letra. Esta começou a ter uma relação muito forte na função música-letra, e depois isso fez com que as pessoas desenvolvessem macetes pra driblar a censura e conseguir falar certas coisas. Aí a poesia cresceu. Mas pra mim deu uma bagunçada, porque o estilo musical ficou tão baseado nas letras que a música ficou em segundo plano. Como em 'Subdesenvolvido', que não é uma música qualquer, mas no final a letra é que importava. Depois tudo foi se acertando, a coisa fluiu.
Menescal, nos anos 60
Vou contar uma coisa que aconteceu comigo. Eu era tão por fora de tudo, minha vida era outra, trabalho, trabalho, trabalho, que nem sabia direito o que estava acontecendo. Até que um dia eu ganhei o prêmio de 'melhor compositor do ano', da Rádio Jornal do Brasil, e a festa era em um prédio velho, bem conservador, com elevadores com portas de ferro, grades e tal. Fui lá receber o prêmio. Logo depois eu estava fazendo música para uma peça de Abraão Medina, que era um cara que movimentava a noite carioca. Aí vieram dois caras me entrevistar. Pedi pra eles entrarem: 'Estou terminando o tema, vou passar pra pianista'. Entraram os dois caras. 'Boa tarde', 'boa tarde'. Esperaram, Acabei o que tinha que fazer e eles falaram: 'A gente pode sair desse lugar? Muito barulho. Tem um lugar aqui do lado. 'Fui conversando com os caras, sentamos numa salinha e eles: 'Podemos começar? Você esteve no Zicartola?'. E eu: 'Estive sim. Fui no lançamento do disco Tom Visita Caymmi.' 'O que aconteceu lá?. 'Lançamento, coquetel'. 'E quem estava lá?' 'Família Caymmi, sei lá, tanta gente'.
Eles começaram a fazer isso com  todo mundo que estava por lá, e eu nem sacando, pensando: 'Achei que fosse entrevista comigo, não com todo mundo'. Daí perguntei: 'Qual a pauta da matéria?'. E eles: 'Que matéria? Aqui você está sendo interrogado, porque no Zicartola acontecem coisas subversivas'. Daí eu falei: 'Mas esse jornal é o quê?'. E eles: 'Não, aqui é do DOPS (Departamento de Ordem Pública e Social)' (risos).
E isso é um retrato da época. Eles devem ter sacado que eu era por fora. Foi ali que eu vi o que estava acontecendo no Brasil. Até então eu não sabia. Eu e talvez mais alguns amigos meus. Os da praia (risos). Aí eu falei: 'Gente, está acontecendo uma coisa grave aqui.'
Mas minha música continuou sendo a mesma, não modifiquei nada, apenas meu comportamento. Fiquei mais atento."

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