Palavras Domesticadas

Palavras Domesticadas

quarta-feira, 23 de janeiro de 2019

10 Anos Sem Raul Seixas - Jornal do Brasil (1999) - 1ª Parte

Nesse ano irão se completar 30 anos de morte de um dos artistas mais influentes de nossa música: Raul Seixas. Nesses trinta anos que irão se completar em agosto, Raul nunca saiu completamente da mídia. Volta e meia seu nome é lembrado, citado, e suas músicas cantadas em rodas de violão, em shows e seu nome sempre aparece no já famoso bordão "Toca Raul!". Em 1999, quando sua morte  completava dez anos, a mística em torno de seu nome já era forte. Em sua edição de 19/08/99, dois dias antes da data de sua morte ser lembrada, o Jornal do Brasil trazia uma matéria com o agitador baiano, e anunciava um show-homenagem, com a presença de vários grupos e artistas. A chamada da matéria anunciava: "Homenagem pelos 10 anos da morte do menestrel da Sociedade Alternativa reúne admiradores como Barão Vermelho, Sérgio Vid, Falcão, Zé Ramalho e colegas de palco como Marcelo Nova, Luís Carlini, Arnaldo Brandão e Gustavo Schroeter". Esse ano, quando se completarão 40 anos de sua morte, com certeza muitas homenagens acontecerão em várias partes do país. Segue abaixo a transcrição da matéria, assinada por Silvio Essinger:
"Nos dez anos de sua morte, que se completam depois de amanhã, uma grande interrogação persiste. Não, não é a clássica 'Quem foi Raul Seixas?'. Mas sim 'Quantas pessoas Raul Seixas foi?'. Muitos e muitos, como se pode perceber conversando com os amigos e admiradores que estarão reunidos hoje para a especialíssima edição do Baú do Raul, a partir das 22h30 no Metropolitan. O roqueiro, o contestador, o místico, o cafona, o alcoólatra, o guru, o debochado, todos eles conviveram no mesmo corpo durante 44 anos, deixando para as gerações seguintes o legado de uma obra única e inimitável. 'Quando ouvi Ouro de Tolo, perguntei: Que cara é esse?! Ele fez a minha cabeça', conta o baterista Gustavo Schroeter, que tocou com Raul em 1974, numa das melhores fases do artista, junto com o baixista Arnaldo Brandão, seu companheiro na banda A Bolha. Os dois, mais o tecladista Johnny Boy (que acompanhou Raul Seixas nos últimos meses de vida, com o ex-Camisa de Vênus Marcelo Nova) e os guitarristas Luís Carlini (do Tutti-Frutti de Rita Lee) e Sérgio Serra (ex-Ultraje a Rigor) formam uma das várias bandas da noite, tocando, entre outras, Rock do Diabo, Al Capone e Rock das Aranhas.
Raul Seixas e Marcelo Nova
O Raul de antes do sucesso nacional, de quando era o Raulzito, vai estar presente com os Panteras, a sua banda de fé, que se desfez na virada dos anos 60 para os 70. Reformada, ela vem pela primeira vez ao Rio. 'Foram os Panteras que me motivaram a participar dessa edição do Baú', diz Marcelo Nova, que dividiu com o cantor o seu último disco, A Panela do Diabo. Ele se explica: 'O que eu fiz com Raul, eu fiz com ele do meu lado.' Marcelo tinha 14 anos em 1965, quando viu Raulzito e seus Panteras em Salvador. Era a maior banda de rock de toda a Bahia, a que acompanhava Roberto Carlos e todos os astros da jovem guarda que passavam por Salvador. 'Enquanto eles comiam todas na cidade, eu voltava pra casa chupando o dedo', lembra. Em 93 foi a vez de o fã tocar com a banda numa das edições do Baú na cidade. 'Foi um dos shows mais emocionantes e gratificantes da minha vida', diz. Hoje, cinquentões, Eládio (guitarra), Mariano (baixo) e Carleba (bateria) passaram mais de duas décadas sem tocar juntos. Começaram a ensaiar seriamente só no ano passado. 'A gente está tendo que reaprender a tocar a gente', diz Eládio.
O fim dos Panteras se deu algum tempo após o lançamento de seu disco Raulzito e os Panteras (68). A banda já estava na onda de Sargent Pepper's e os produtores, na de Jerry Adriani. 'Queríamos gravar com orquestra e vocais distintos, ninguém entendeu nada', conta Mariano. Morando no Rio, eles passaram a acompanhar Jerry para ganhar uns trocados, mas logo resolveram voltar a Salvador para retomar seus respectivos cursos universitários. Assustaram-se, é claro, com o Raul em que depois se transformaria Raulzito: profético, de músicas como Eu Nasci Há Dez Mil Anos Atrás, Gita e Sociedade Alternativa. 'Já esperávamos algo, afinal Raul tinha lido Kafka aos 14 anos de idade. Mas não sabíamos que ia ser tanta loucura', diz Mariano. Algo do velho Raulzito ficou, porém. 'Todo mundo fala que Raul era inteligente, mas ninguém fala de sua incrível alegria, reclama Eládio. Com o reforço de Tadeu Cardoso e Toni Oliveira (guitarra), os Panteras homenageiam Raul Seixas com Você Ainda Pode Sonhar (versão de Raulzito para Lucy in the Sky With Diamonds), Cowboy Fora da Lei e um medley de Little Richard e Chuck Berry. Por fim, acompanham Marcelo em canções como Aluga-se, Carpinteiro do Universo e Let Me Sing, Let Me Sing.
Um dos convidados mais curiosos da festa é o brega Falcão, que vai estar cantando Tu És o MDC da Minha Vida e Sessão das Dez. A acompanhá-lo, um Barão Vermelho desfalcado apenas do percussionista Peninha. 'É ótimo para lembrar aquele lado brega do começo da carreira do Raul. Quando ouço o MDC fico lembrando do auditório do Chacrinha', avaliza Roberto Frejat, líder do Barão. Sua participação com a banda, porém, é mais roqueira, cantando músicas como Pastor João e a Igreja Invisível, Só pra Variar e No Fundo do Quintal da Escola (ambas já gravadas pelo Barão). O guitarrista, que só conheceu Raul perto do fim da vida (quando cedeu horário no estúdio para ele e  Marcelo Nova gravarem as demos do Panela), diz que a imagem do maluco beleza é a que mais forte ficou  na mente dos fãs, dez anos depois. 'Ao mesmo tempo em que era esotérico, iconoclasta, espiritualista, Raul tinha esse lado popular, de Gita e Trem das Sete. Ele conseguiu ser o maluco popular, uma coisa que só se permite no Brasil. Se fosse nos Estados Unidos, internavam ele', diz. "

continua


2 comentários: