Palavras Domesticadas

Palavras Domesticadas

quinta-feira, 15 de dezembro de 2016

Jards Macalé - O Globo (1988)

Jards Macalé é um nome dos mais cultuados e respeitados dentro da música brasileira. Seu trabalho original e criativo faz com que ele atravesse gerações, e tenha um público heterogêneo, que abrange diferentes faixas etárias, bastando que se busque algo de qualidade e fora dos padrões comerciais. Macalé é uma prova viva que a qualidade musical sobrevive a esquemas comerciais, e que um trabalho sem concessões, às vezes às margens da mídia, na contramão do mercado que as gravadoras perseguem, pode tornar-se longevo e reconhecido ao longo dos anos. Assim é Macalé, cujo público não lota grandes arenas, nunca liderou paradas de sucesso, nunca foi atração constante em programas populares de TV, e é considerado por isso tudo um dos 'malditos' da MPB, mas nunca caiu no ostracismo e no esquecimento como tantos artistas que caíram na armadilha do comercialismo e do sucesso fácil, e hoje vivem o anonimato de quem se rendeu a modismos.
Em sua edição de 13 de março de 1988, o jornal O Globo, em sua seção dominical "Rio Fanzine", trazia uma breve entrevista com Macalé, falando da redescoberta do artista pelas novas gerações, um fenômeno que vem se repetindo até hoje. A matéria é intitulada "A volta do coringa Jards":
"Desde os tempos da Tropicália ele é tachado de maldito. Agora, descoberto pela nova geração, Jards Macalé está dando a volta nesse rótulo, embora sua obra continue pouco divulgada e seus discos levem muito tempo para serem lançados. Num encontro casual, Tom Leão conheceu o tranquilo e calmo Macalé, que falando pausadamente nos contou sobre seus novos projetos e planos.
Tom -  Após dez anos sem lançar um disco, como aconteceu de gravar dois de uma vez só?
Macalé - Neste intervalo eu não gravei nenhum disco meu, mas gravei um independente com Naná Vasconcelos e o falecido Roberto Guima, chamado 'Encontro', que só existe em fita(*), e algumas faixas no disco de Geraldo Pereira em homenagem a Ismael Silva, editado pela Funarte. Esses dois projetos surgiram quando Wilson Souto Jr, um dos fundadores do Lira Paulistana (teatro e selo musical dedicado à MPB), assumiu a direção artística da Continental e me convidou para o novo cast que estava criando, que inclui o Melodia, Tim Maia, os novos grupos da Bahia, etc. Eu gravei primeiro o mix 'Rio sem tom', uma coisa imediata, falando do caos em que se encontra a cidade, da sujeira das praias... Como eu estava muito tempo fora dos estúdios, gravei na casa do Lincoln Olivetti pra ir me ambientando. Depois eu propus o '4 Batutas e 1 Coringa', onde eu, como Coringa, homenageio Paulinho da Viola, Lupicínio Rodrigues, Geraldo Pereira e Nelson Cavaquinho, já em estúdio.
Macalé e Naná Vasconcelos no estúdio
Tom - O que te levou a esse projeto/disco homenageando esses nomes?
Macalé - A reaproximação com essas pessoas que sempre estiveram em meu repertório. Queria um disco radical de MPB, oposto de tudo o que está pintando. Convidei o Júlio Medaglia, o maestro da Tropicália para orquestrar os arranjos de Nelson Cavaquinho e Lupicínio, e eu fiz as orquestrações das músicas de Paulinho da Viola e Geraldo Pereira. Os arranjos sairam bem minimalistas.
Tom - Você ainda se considera um maldito, as pessoas ainda te vêm assim?
Macalé - Fomos amaldiçoados! Essa coisa de maldito foi inventada. Mais um rótulo para vender, para colocar no mercado. Eu, Raul Seixas, Luiz Melodia, Sérgio Sampaio, somos o quarteto da maldição. Só falta o Cristhopher Lee. Zé do Caixão também era maldito. O Glauber, Zé Celso, Hélio Oiticica. Isso não me incomoda. Afinal, formamos um time de primeira linha.
Tom - Tem algum esquema de shows planejado para esses discos?
Macalé - Continuo fazendo shows regularmente. Estarei na última semana de março no People, e estou preparando um grande show de lançamento de meu próximo disco, 'Macaos' - como os amigos me chamam - que acontecerá no João Caetano. O disco terá convidados especiais como Lobão, Leny Andrade,, Titãs, Tim Maia, Melodia, Jorge Ben, Itamar Assumpção, mais o Paulo Moura e o maestro Severino Araújo nos arranjos. Depois, vou me retirar num sítio só com violão e descansar em companhia dos pássaros, borboletas, cachorros..."

(*) O disco só seria lançado em 1994, pela gravadora nidependente Rock Company, com o título de "Let's Play That"

Nenhum comentário:

Postar um comentário