Arrigo Barnabé é um dos principais nomes de um movimento surgido nos anos 80, denominado "Vanguarda Paulista". Seu disco de estreia, Clara Crocodilo, é um marco na música de vanguarda brasileira, tendo uma continuidade em seu segundo trabalho, Tubarões Voadores. Nos anos 80, Arrigo faria um trabalho menos radical em termos de experimentações, como o seu disco da época, Suspeito, e até chegaria a tocar em rádios, e fazer aparições na TV.
Em sua edição nº 30, de janeiro de 1988, a revista Bizz trazia uma entrevista com Arrigo, feita pelo jornalista Marcel Plasse:
" Bizz- Você tem se apresentado em muitos programas?
Arrigo - Comecei esta semana. Fiz Osmar Santos, Bolinha, Caçulinha, Amaury Jr., e tenho um monte de outros programados...
Bizz - É a primeira vez que você está com uma agenda assim tão cheia, não é?
Arrigo - É.
Bizz - Então você não sente mais o peso do rótulo de maldito?
Arrigo - Não, eu nunca senti isso. Isso é um coisa que a imprensa inventa, como aquela coisa de chamar de 'vanguarda paulista' o que aconteceu no início comigo, Itamar... Eu não me sinto maldito.
Bizz - Mas, de qualquer forma, sua música anteriormente não era veiculada...
Arrigo - Não veiculava. Se bem que, olha, no meu primeiro disco tinha uma música, 'Orgasmo Total', que daria pra tocar no rádio. No segundo disco tinha 'Kid Supérfluo'... E, no terceiro, 'Pô, Amar É importante'. Agora eu tenho muito mais músicas dentro do espírito das rádios. Está muito fácil. E tem ainda, é claro, a gravadora empurrando...
Bizz - O que te levou a fazer um disco mais acessível?
Arrigo - Além de uma preocupação em atingir uma faixa maior de público, tem uma mudança de inspiração mesmo. De repente, eu comecei a querer fazer coisas simples, canções que eu conseguisse cantar. Eu sempre falei que gosto do passado da canção brasileira, da tradição dos cantores: adoro Orlando Silva! Fico em casa escutando bossa nova, também. E era uma coisa que eu não tinha o metier para fazer. Eu passei oito anos me preparando para fazer um trabalho revolucionário na MPB. E fiz! Fiz Clara Crocodilo e Tubarões Voadores. Depois desses dois discos, tudo o que eu tentava fazer soava parecido, igual ao que eu já tinha feito. Comecei a entrar em crise no meu processo de criação. Ao mesmo tempo, eu estava tentando fazer as coisas mais simples. Comecei a fazer bossa nova e a entender a forma da canção, utilizando, é claro, coisas que eu já tinha desenvolvido - a maior parte das músicas do novo disco, Suspeito, apesar de serem bem acessíveis, têm uma ou duas coisas que são a minha marca melódica ou harmonicamente. E há, ainda, o fato de eu ter entrado em contato com o trabalho de outras pessoas, especialmente com a banda Patife, do meu irmão, Paulinho Barnabé. Comecei a ver como é que ele trabalhava com a informação atonal, dodecafônica, dentro da linguagem rock, pop, universal. Cheguei até a compor uma música para a Patife - 'Poema em Linha Reta' - , que eles gravaram no meu LP Cidade Oculta. Aí, conheci a Virginie (ex-vocalista do Metrô), que me apresentou Tears For Fears e Sting. Ao mesmo tempo, em 85, quando eu estava voltando da Europa, comprei aquele disco do Miles Davis, You Are Under Arrest, que tem uma puta sonoridade pop. Comecei a trabalhar com Dino Vicente (produtor do LP), que também é muito enfronhado neste meio e me mostrou uma série de coisas. Quer dizer, eu passei a entrar em outro mundo. Passei a ser menos autista. E agora estou morando com o Hemelino Neder, que também tem um trabalho pop. Fizemos algumas parcerias... E acabou saindo este trabalho que eu adoro! Tenho lido um monte de críticas pejorativas, mas tudo bem, podem falar o que quiser. Nada me tira o prazer que eu sinto ao ouvir esse disco. E vem mais, viu (em tom de irônica ameaça)!
Bizz - O que você está gostando mais na música pop?
Arrigo - Eu gosto muito do aspecto tecnológico e de sua qualidade universalizante, seu jeito moderno de tratar coisas regionais. É genial você poder 'samplar' um berimbau e usar como base.
Bizz - E quem você gosta no pop nacional?
Arrigo - Eu conheço pouco, escuto pouco rádio... (pequena pausa). Eu gosto de Marina, Lobão, Patife... que mais? (longa pausa) Se você puder me lembrar alguém...
Bizz - Os mais populares, RPM.
Arrigo - Já não me atraem tanto assim.
Bizz - Como foi que você se aproximou do funk?
Arrigo - Não fui eu, não. São os músicos que me acompanham! Eu conheço pouco funk. Tem um rap - 'O Dedo de Deus' - no meu disco, criado num concurso de rap que eu vi em Londres no começo do ano. Eu anotei as batidas do bumbo e da caixa - que mais me deixaram babando -, e fiz um baixo dodecafônico em cima. Porque no rap você pode colocar o que quiser que o ritmo segura.
Bizz - Você tem viajado muito?
Arrigo - Mais do que eu esperava (risos). No começo do ano estive em Paris com a Virginie, levando um trabalho que eu tinha feito em francês. Agora fui à Bélgica por causa de um festival de cinema onde Cidade Oculta foi apresentado.
Bizz - Você está planejando ainda outro trabalho em cinema?
Arrigo - Eu e o Chico Botelho estamos planejando ainda outro roteiro (o primeiro foi o de Cidade Oculta). O argumento original é meu. Devemos filmar neste ano mesmo. Ainda não tem nome.
Bizz - E você vai fazer a trilha também?
Arrigo - Eu vou fazer a direção musical porque escrevi o argumento em cima de um disco já existente, de música erudita.
Bizz - Que disco?
Arrigo - Ah, não vou falar! Alguém pode se adiantar.
Bizz - Como você se vê como ator?
Arrigo - Eu acho que sou passável! Não comprometo, não (risos). Quando fui ver Cidade Oculta, achei que eu estava mal, apavorado... Mas estava enxuto, na medida.
Bizz - Você tem alguma mágoa em relação à recepção do seu trabalho?
Arrigo - Bem, a minha geração teve muita dificuldade para se impor. Porque a gente não tinha como fazer a nossa música chegar ao público...
Bizz - O teu novo disco reúne a maioria das pessoas daquela época, da chamada 'vanguarda paulista'. Algumas carreiras dessa geração realmente não estouraram. Ou, pelo menos, ainda não receberam atenção suficiente da mídia...
Arrigo - Não sei. O Itamar, por exemplo, tem público e vai gravar agora por uma grande gravadora (a Continental).
Bizz - Mas pessoas como o próprio Hermelino e a Vânia Bastos ainda estão à margem do showbiz.
Arrigo - Acredito que a Vânia possa estourar, bem como a Eliete Negreiros. E o Hermelino, então, está compondo umas coisas surpreendentes. Ele tinha o mesmo problema que eu, por ter uma banda (a Football Music) e não cantar. Ele teve sucesso através de mim, com a música 'Amar É Importante'. O problema é que ele ainda não está numa gravadora. Mas eu acho que, de qualquer jeito, eu tenho que entrar no mercado, o Itamar tem que entrar no mercado, e abrir espaço mesmo! Uma coisa que a Tetê poderia ter feito. Porque ninguém vai nos ajudar pela nossa capacidade, talento - muito pelo contrário!
Bizz - Isso também influenciou na mudança de estilo do novo LP?
Arrigo - É. Não dá pra definir essa mudança como uma coisa única. Eu também comecei a fazer música para mulher, coisa que nunca tinha feito. De repente, me apaixono, faço uma música... sou fã do filme A Mulher do Lado, do François Truffaut, em que a Fanny Ardant tem um caso extraconjugal com Gerard Depardieu e, no final, como não dá certo, ela entra em crise e vai parar no hospital. Aí, ele vai visitá-la e leva um rádio de presente. Quando volta e pergunta o que ela tem feito, ela diz: 'Tenho ouvido rádio'. Ele: 'Que bom, pelo menos você fica ligada com o mundo'. Ela: 'Não, eu escuto canções banais. Essas canções que todo mundo escuta, que dizem coisas como 'sem você não sei viver', 'quando te vejo a vida é cor-de-rosa'...' Então, são várias coisas..., Quer dizer, eu criei um estilo novo de composição no mundo, que ninguém tinha feito antes! Podem falar de Frank Zappa, mas ele não fez o mesmo. Pega qualquer maestro para escrever o que fiz e o que ele fez. O que eu fiz é completamente diferente de tudo! Depois, eu também consegui fazer valsa muito bem. Não é convencimento, não: fiz bem! Foda-se que não gostar! Tô fazendo bossa nova legal, balada, rap, dixieland, tecnopop, rock... Porra, bicho, eu acho o máximo fazer isso! Sou um compositor - sei compor, e componho bem! Dentro do que eu me propus a fazer está tudo muito bem-feito. Isso é uma necessidade de afirmação minha, mesmo. Eu sentia muito preconceito do tipo; 'Ah, o Arrigo só faz esse tipo de música complicada...'
Bizz - E você, por falar nisso, ainda pretende trabalhar com informação de música erudita, como em Clara Crocodilo?
Arrigo - Eu tenho muitas composições guardadas, sim. Se não acontecer uma crise com as gravadoras no ano que vem, eu tenho vontade de fazer um disco instrumental. Mas eu também acho o maior barato fazer o que eu estou fazendo, que é cantar. "
Arrigo - Eu gosto muito do aspecto tecnológico e de sua qualidade universalizante, seu jeito moderno de tratar coisas regionais. É genial você poder 'samplar' um berimbau e usar como base.
Bizz - E quem você gosta no pop nacional?
Arrigo - Eu conheço pouco, escuto pouco rádio... (pequena pausa). Eu gosto de Marina, Lobão, Patife... que mais? (longa pausa) Se você puder me lembrar alguém...
Bizz - Os mais populares, RPM.
Arrigo - Já não me atraem tanto assim.
Bizz - Como foi que você se aproximou do funk?
Arrigo - Não fui eu, não. São os músicos que me acompanham! Eu conheço pouco funk. Tem um rap - 'O Dedo de Deus' - no meu disco, criado num concurso de rap que eu vi em Londres no começo do ano. Eu anotei as batidas do bumbo e da caixa - que mais me deixaram babando -, e fiz um baixo dodecafônico em cima. Porque no rap você pode colocar o que quiser que o ritmo segura.
Bizz - Você tem viajado muito?
Arrigo - Mais do que eu esperava (risos). No começo do ano estive em Paris com a Virginie, levando um trabalho que eu tinha feito em francês. Agora fui à Bélgica por causa de um festival de cinema onde Cidade Oculta foi apresentado.
Bizz - Você está planejando ainda outro trabalho em cinema?
Arrigo - Eu e o Chico Botelho estamos planejando ainda outro roteiro (o primeiro foi o de Cidade Oculta). O argumento original é meu. Devemos filmar neste ano mesmo. Ainda não tem nome.
Bizz - E você vai fazer a trilha também?
Arrigo - Eu vou fazer a direção musical porque escrevi o argumento em cima de um disco já existente, de música erudita.
Bizz - Que disco?
Arrigo - Ah, não vou falar! Alguém pode se adiantar.
Bizz - Como você se vê como ator?
Arrigo - Eu acho que sou passável! Não comprometo, não (risos). Quando fui ver Cidade Oculta, achei que eu estava mal, apavorado... Mas estava enxuto, na medida.
Bizz - Você tem alguma mágoa em relação à recepção do seu trabalho?
Arrigo - Bem, a minha geração teve muita dificuldade para se impor. Porque a gente não tinha como fazer a nossa música chegar ao público...
Bizz - O teu novo disco reúne a maioria das pessoas daquela época, da chamada 'vanguarda paulista'. Algumas carreiras dessa geração realmente não estouraram. Ou, pelo menos, ainda não receberam atenção suficiente da mídia...
Arrigo - Não sei. O Itamar, por exemplo, tem público e vai gravar agora por uma grande gravadora (a Continental).
Bizz - Mas pessoas como o próprio Hermelino e a Vânia Bastos ainda estão à margem do showbiz.
Arrigo - Acredito que a Vânia possa estourar, bem como a Eliete Negreiros. E o Hermelino, então, está compondo umas coisas surpreendentes. Ele tinha o mesmo problema que eu, por ter uma banda (a Football Music) e não cantar. Ele teve sucesso através de mim, com a música 'Amar É Importante'. O problema é que ele ainda não está numa gravadora. Mas eu acho que, de qualquer jeito, eu tenho que entrar no mercado, o Itamar tem que entrar no mercado, e abrir espaço mesmo! Uma coisa que a Tetê poderia ter feito. Porque ninguém vai nos ajudar pela nossa capacidade, talento - muito pelo contrário!
Bizz - Isso também influenciou na mudança de estilo do novo LP?
Arrigo - É. Não dá pra definir essa mudança como uma coisa única. Eu também comecei a fazer música para mulher, coisa que nunca tinha feito. De repente, me apaixono, faço uma música... sou fã do filme A Mulher do Lado, do François Truffaut, em que a Fanny Ardant tem um caso extraconjugal com Gerard Depardieu e, no final, como não dá certo, ela entra em crise e vai parar no hospital. Aí, ele vai visitá-la e leva um rádio de presente. Quando volta e pergunta o que ela tem feito, ela diz: 'Tenho ouvido rádio'. Ele: 'Que bom, pelo menos você fica ligada com o mundo'. Ela: 'Não, eu escuto canções banais. Essas canções que todo mundo escuta, que dizem coisas como 'sem você não sei viver', 'quando te vejo a vida é cor-de-rosa'...' Então, são várias coisas..., Quer dizer, eu criei um estilo novo de composição no mundo, que ninguém tinha feito antes! Podem falar de Frank Zappa, mas ele não fez o mesmo. Pega qualquer maestro para escrever o que fiz e o que ele fez. O que eu fiz é completamente diferente de tudo! Depois, eu também consegui fazer valsa muito bem. Não é convencimento, não: fiz bem! Foda-se que não gostar! Tô fazendo bossa nova legal, balada, rap, dixieland, tecnopop, rock... Porra, bicho, eu acho o máximo fazer isso! Sou um compositor - sei compor, e componho bem! Dentro do que eu me propus a fazer está tudo muito bem-feito. Isso é uma necessidade de afirmação minha, mesmo. Eu sentia muito preconceito do tipo; 'Ah, o Arrigo só faz esse tipo de música complicada...'
Bizz - E você, por falar nisso, ainda pretende trabalhar com informação de música erudita, como em Clara Crocodilo?
Arrigo - Eu tenho muitas composições guardadas, sim. Se não acontecer uma crise com as gravadoras no ano que vem, eu tenho vontade de fazer um disco instrumental. Mas eu também acho o maior barato fazer o que eu estou fazendo, que é cantar. "
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