O King Crimson sempre foi pra mim uma referência de música experimental. Tendo à frente o guitarrista Robert Fripp, membro fundador e presente em todas as várias formações da banda, o King Crimson sempre primou pelas experimentações e desprezo ao comercialismo, por isso mesmo a banda sempre se manteve íntegra em sua proposta de buscar uma sonoridade marcada por uma linguagem musical nem sempre assimilada pelo grande público. Mas isso não significa que o King Crimson não tenha conquistado ao longo de sua carreira um público fiel. Porém, ao contrário da maioria das bandas que se propõem a desenvolver um trabalho com pouco apelo comercial, e que normalmente têm uma vida efêmera, o King Crimson tem uma extensa discografia, muito em virtude da persistência de seu líder e mentor Robert Fripp.
Em 1991, quando do início da popularização do formato CD, quando várias discografias e boxes de artistas e bandas eram lançados, saiu nos Estados Unidos uma caixa com quatro CDs da banda, e a seção Rio Fanzine, do jornal O Globo, de 17/11/91, noticiava o lançamento em texto de José Emílio Rondeau, intitulado "Um homem com um objetivo":
"Jimmy Page em pessoa remasterizou digitalmente as faixas incluídas no caixote do Led Zeppelin. David Bowie escolheu a dedo as canções inéditas para compor o pioneiro box-set 'Sound + Vision'. Mas o que Robert Fripp preparou para o novo 'The Essential King Crimson- Frame By Frame' (sem previsão de lançamento no Brasil) vai muitíssimo além do chamado de dever, seja profissional, artístico ou filosófico: não contente em garimpar raridades históricas (um dos primeiros shows da banda, em 1969, para abrir os trabalhos), em remasterizar todo o material do caixote utilizando pela primeira vez uma interessantíssima combinação de tecnologias análoga e digital que minimaliza os defeitos de cada uma e realça as qualidades de ambas, o guitarrista Fripp - fundador e arquiteto da banda - teve a pachorra de organizar uma espécie de diário ressaltando os altos e baixos da carreira de 22 anos da banda onde detalha escalações, datas e circunstâncias de gravações de cada faixa do caixote, e constrói todo um arrazoado para explicar a vida, os objetivos e a contribuição do King Crimson a esse monstro chamado rock.
Não é um caixote comum, vê-se logo de saída (o libreto de 64 páginas inclui uma árvore genealógica traçando as origens do que viriam a ser as diferentes agrupações do KC de 1962 até os dias de hoje). É tão eclético, denso e idiossincrático quanto a banda que apresenta. E o libreto acaba funcionando como um guia: ajuda a compreender os 'comos' e 'porques' do King Crimson, apresenta a relação do som da banda com seu tempo e seus contemporâneos, e destrincha a visão pessoal de Fripp.
Robert Fripp |
'Frame By Frame' é subdividido em quatro CDs, cobrindo todas as múltiplas formações e toda a discografia original da banda: o primeiro explora os primórdios do King Crimson, de 1969 a 1971, com faixas extraídas dos álbuns 'In The Court Of The Crimson King', 'In The Wake Of Poseidon', 'Islands' e 'Lizard'. O segundo vai de 1972 ('Lark's Tongue In Aspic', tecnicamente de 1973) a 1974 ('Red'). O terceiro mostra a derradeira fase do KC, de 1981 ('Discipline') a 1984 (a inédita 'The King Crimson barber shop', um bem-humoradíssimo 'coral dos bigodudos' liderado pelo baixista careca Tony Levin). E o último se concentra nos shows, de 1969 (com Greg Lake, pré-Emerson, Lake & Palmer, no baixo e cantando, num show realizado no Filmore West junto com o The Nice, de onde sairia Keith Emerson) a 1984 (literalmente o último show 'dessa encarnação do King Crimson', alerta Bob, cioso de não enterrar de vez sua brilhante criatura).
O engenheiro de som Tony Arnold deu às gravações clássicas um lustro, um calor e uma definição de contorno como nunca se ouviu antes em um disco do King Crimson. Misturando o sinal do master análogo - manipulado em equipamento de época - com as possibilidades de limpeza e precisão do som digital, Arnold praticamente recriou as músicas antigas, principalmente as mais velhas. Não se esqueça de que certos trechos valem mais pelo registro histórico (um show no Festival de Plumpton, na Inglaterra, em 1968, parece transmitido de um radinho de pilha). Mas deleite-se, por outro lado, com a nova vitalidade que receberam '21st Century Schizoid Man' e 'Easy Money'.
Uma outra vantagem do libreto - voltando a ele - é acompanhar as diferentes reações da imprensa musical ao King Crimson, do espanto inicial ao escárnio final. Fripp sempre cheio de opinião, exprime seu ponto de vista a respeito: 'A crueldade absoluta dos comediantes (críticos) ingleses, em particular, é surpreendente, de uma ignorância estarrecedora, de um ensimesmamento assustador. Isso, adicionado a uma hostilidade e a uma grosseria arraigadas, contribuíram para relegação do comentário inglês de música, de uma posição de respeito internacional, em 1969, a uma situação de repúdio aberto bem antes de 1991'. Troco dado.
Tem de tudo para todos. E muito. Embora o material inédito seja mínimo - sete faixas - , revisitar os alicerces da experimentação rock através da observação da carreira de um de seus principais artífices é especialmente revigorante numa época em que o gênero quase nunca escapa à premeditação. Com certa constância, o King Crimson pode ter estruturado muito de sua música dentro de padrões ultra-rígidos, matemáticos - e a fase final , sumarizada pela palavra 'disciplina', é o melhor exemplo dessa faceta. Mas a disposição com que Fripp - sempre o capitão, o artista que dá a visão ao conjunto de contribuições - estimulou a miscigenação musical, às raias da estranheza, encontra pouquíssimos paralelos no universo pop. Resumindo nas mesmas três palavras usadas por Robert na última página do libreto para definir a banda, o King Crimson (cujo nome, para quem não sabia, é sinônimo de Belzebu, por sua vez um anglicismo do termo árabe 'Bil Sahab, que significa o homem como um objetivo'... Obrigado, Bob) é 'energia, intensidade e ecletismo'. "
A matéria trazia ainda um texto do jornalista Carlos Albuquerque intitulado "Fotografar Fripp é uma tarefa difícil":
"É mais fácil fotografar o Monstro de Loch Ness do que clicar Robert Fripp. Gélido, introspectivo, um sujeito daqueles que se convencionou chamar 'denso', o líder supremo do King Crimson foge das câmeras como gato de banho frio. Quem sentiu isso na pele foi o abominável homem das lentes, Maurício Valladares, ao tirar esse precioso close que ilustra o Rio Fanzine dessa semana. Foi um ato de bravura tão grande que sua história não poderia passar em brancas nuvens.
Era uma noite fria em Londres no distante ano de 1981, quando nosso herói, munido de sua inseparável xeretinha, adentrou ao gramado do Dingwalls, um simpático 'pubinho' (isso mesmo, ó chapas, na Capital inglesa não existem clubinhos) pra encontrar Fripp e a League of Gentleman (com a fantástica Sarah Lee, ex-Gang of Four, no baixo). O aviso na entrada, em letras garrafais - É PROIBIDO TIRAR FOTOS' - repetido pelo próprio Fripp antes do show, não intimidou Maurício que malocou seu instrumento de trabalho e aguardou o momento certo de usá-lo.
- Eu peguei a máquina, me aproximei dele, e durante um solo, comecei a fotografá-lo. Ele notou, olhou pra mim e balançou a cabeça em sinal de desaprovação - relembra Maurício.
Foi o suficiente para que nosso fotojornalista sentisse o clima pesado e guardasse a máquina. Mas teimoso, como todo bom fotógrafo tem que ser, Maurício não desistiu e, durante o bis, voltou à carga. Dessa vez, contudo, despertando definitivamente a ira de Fripp.
- Ele me viu fotografando de novo, botou a guitarra num canto e simplesmente parou de tocar, saindo imediatamente do palco. E não voltou mais - diz Maurício. "
O engenheiro de som Tony Arnold deu às gravações clássicas um lustro, um calor e uma definição de contorno como nunca se ouviu antes em um disco do King Crimson. Misturando o sinal do master análogo - manipulado em equipamento de época - com as possibilidades de limpeza e precisão do som digital, Arnold praticamente recriou as músicas antigas, principalmente as mais velhas. Não se esqueça de que certos trechos valem mais pelo registro histórico (um show no Festival de Plumpton, na Inglaterra, em 1968, parece transmitido de um radinho de pilha). Mas deleite-se, por outro lado, com a nova vitalidade que receberam '21st Century Schizoid Man' e 'Easy Money'.
Uma outra vantagem do libreto - voltando a ele - é acompanhar as diferentes reações da imprensa musical ao King Crimson, do espanto inicial ao escárnio final. Fripp sempre cheio de opinião, exprime seu ponto de vista a respeito: 'A crueldade absoluta dos comediantes (críticos) ingleses, em particular, é surpreendente, de uma ignorância estarrecedora, de um ensimesmamento assustador. Isso, adicionado a uma hostilidade e a uma grosseria arraigadas, contribuíram para relegação do comentário inglês de música, de uma posição de respeito internacional, em 1969, a uma situação de repúdio aberto bem antes de 1991'. Troco dado.
Tem de tudo para todos. E muito. Embora o material inédito seja mínimo - sete faixas - , revisitar os alicerces da experimentação rock através da observação da carreira de um de seus principais artífices é especialmente revigorante numa época em que o gênero quase nunca escapa à premeditação. Com certa constância, o King Crimson pode ter estruturado muito de sua música dentro de padrões ultra-rígidos, matemáticos - e a fase final , sumarizada pela palavra 'disciplina', é o melhor exemplo dessa faceta. Mas a disposição com que Fripp - sempre o capitão, o artista que dá a visão ao conjunto de contribuições - estimulou a miscigenação musical, às raias da estranheza, encontra pouquíssimos paralelos no universo pop. Resumindo nas mesmas três palavras usadas por Robert na última página do libreto para definir a banda, o King Crimson (cujo nome, para quem não sabia, é sinônimo de Belzebu, por sua vez um anglicismo do termo árabe 'Bil Sahab, que significa o homem como um objetivo'... Obrigado, Bob) é 'energia, intensidade e ecletismo'. "
A matéria trazia ainda um texto do jornalista Carlos Albuquerque intitulado "Fotografar Fripp é uma tarefa difícil":
"É mais fácil fotografar o Monstro de Loch Ness do que clicar Robert Fripp. Gélido, introspectivo, um sujeito daqueles que se convencionou chamar 'denso', o líder supremo do King Crimson foge das câmeras como gato de banho frio. Quem sentiu isso na pele foi o abominável homem das lentes, Maurício Valladares, ao tirar esse precioso close que ilustra o Rio Fanzine dessa semana. Foi um ato de bravura tão grande que sua história não poderia passar em brancas nuvens.
Fripp, fotografado por Maurício Valladares |
- Eu peguei a máquina, me aproximei dele, e durante um solo, comecei a fotografá-lo. Ele notou, olhou pra mim e balançou a cabeça em sinal de desaprovação - relembra Maurício.
Foi o suficiente para que nosso fotojornalista sentisse o clima pesado e guardasse a máquina. Mas teimoso, como todo bom fotógrafo tem que ser, Maurício não desistiu e, durante o bis, voltou à carga. Dessa vez, contudo, despertando definitivamente a ira de Fripp.
- Ele me viu fotografando de novo, botou a guitarra num canto e simplesmente parou de tocar, saindo imediatamente do palco. E não voltou mais - diz Maurício. "
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