" Você gosta de ser identificado como um artista de Olinda, nordestino? 'Por um lado eu acho bom porque sou um compositor daqui e não vou negar minhas raízes. Mas, por outro lado, não gosto quando isso se transforma num rótulo para identificar e classificar limitações em meu trabalho. Então, o meu grau de regionalidade é o mesmo, por exemplo, de Tom Jobim. Se eu incorporo elementos de rock, ele incorporou elementos do jazz. Mas ele continua sendo carioca. O fato de eu morar em Olinda acho o maior barato, mas eu não sou compositor olindense no sentido de limitar a esse espaço a minha criação. Aí eu não gosto. Eu respeito muito o folclore mas não gosto de virar folclore.'
Como São Bento, Recife, Olinda estão presentes em tua vida? 'Aqui, vivendo em Olinda ou Recife, eu sou outra pessoa. Então, hoje, veio um problema lá do Rio pelo telefone: se eu estivesse lá, estaria agoniado, nervoso; aqui, eu me seguro. Fico tranquilo. Por exemplo, em São Bento não tenho medo da morte, lá eu sou outra pessoa. Lá eu monto cavalo, corro, faço loucuras, mas aqui em Olinda se montar num cavalo tenho medo de cair. Acho que nós fazemos parte de uma grande corrente. Você, com as pessoas que conhece, com seu povo, faz parte de uma grande corrente. Há uma forma de cumplicidade. Uma coisa muito importante para o ser humano.
Alceu e Jackson do Pandeiro |
Aqui eu converso com as pessoas e sei que sou entendido. Basta um olhar. Um olhar e você estabelece um nível de cumplicidade com as pessoas. Tem a coisa física também. O rio Capibaribe. Quando eu atravessava a cidade para ir ao Cinema São Luís, passando aquelas pontes, pra ver filmes de Godard, então aquele rio tem uma história que me envolve com a cidade. As pontes... eu não escrevo muito sobre o Recife. Mas tenho amor pelo Recife assim como tinha Ascenço Ferreira. Eu me vejo muito como ele olhando aqueles casarões e com uma certa mágoa. Eu penso muito o Recife ali perto do Capibaribe, na Rua da Aurora na outra margem e sinto uma certa mágoa ao ver os edifícios tomando tudo em lugar dos sobrados, dos casarões. Uma agressão que me atinge, me dói muito. Aqui em Olinda há o tombamento que garante o respeito à arquitetura original, aí eu já trafego sem muitas angústias pelas calçadas, ruas e ladeiras. Aqui eu saio sem camisa, sem sapato. Ando sem ser incomodado. Os meninos falam comigo, mas não me enchem o saco. Tenho respeito. Eu aqui em Olinda me sinto como os doidos da minha terra, que são muito respeitados, são amados, são acariciados.'
A popularidade alterou o comportamento do cidadão Alceu Valença? 'De jeito nenhum. Vou nos mesmos bares que sempre fui. Não gostava muito de dar autógrafo. Você tá num canto e de repente é invadido. Se estou conversando com as pessoas amigas, chega um e ignora essas pessoas pra falar comigo. Não gosto disso. Todos merecem atenção. Exijo atenção para as pessoas em minha companhia. Mas não tem jeito, o assédio acontece sempre. Mas não posso deixar de ir para a rua por conta disso. Eu sei que sou uma pessoa pública, sou poeta da rua mesmo.' "
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