"Além das influências literárias que você já apontou, algum artista te influenciou diretamente? Você seguiu alguma linha musical? 'Eu não sou filho da bossa nova nem do tropicalismo. Sou outra coisa. A minha música, segundo a definição de um amigo, que concordo, é o Nordeste moderno. Claro, tenho raízes reais na região. O meu trabalho é fruto direto da minha vivência. Eu absorvi coisas de maneira muito natural.
Eu não fiz pesquisas nem vivo defendendo raízes com unhas e dentes, não é essa a história. Mas adquiri naturalmente essas coisas. Fui absorvendo as coisas que ouvia no meio da rua, cantadores, violeiros, aboiadores. Sei como me equilibrar em cima de uma burrinha de cavalo-marinho. Aprendi a aboiar. Cantar naturalmente um coco-de-roda. Se treinasse, eu poderia criar alguma coisa para o coco-de-roda. Eu podia ter sido um violeiro se tivesse ficado em São Bento do Una. As coisas foram somando e fui somando informações. E por sorte, ou azar, não sei, eu poderia ter sido uma pessoa feliz se tivesse ficado por lá. Podia ter sido um advogado ou promotor em São Bento. Mas o destino foi me levando. Então, bebi muitas influências, mas as mais fortes foram de São Bento do Una. Lá foi minha infância e eu continuo vivendo minha infância porque eu não quero crescer.'
Como é o processo de carpintaria de tua música? 'Eu tenho uma verdadeira obsessão pelo som que que podemos retirar das palavras. Aí a música vem junto sem ser algo muito elaborado. Som em palavra é isso que me cativa.'
Fiz uma música que tá nesse disco que é uma brincadeira com a palavra. Diz assim: 'Iris, olhando as penas coloridas dos concrises, dos sabiás e dos rouxinóis e das perdizes/lembrei de ti ó linda Iris./Será que somos dois eternos aprendizes?/O amor se planta e ganha força das raízes./Ó Iris, quando vieres caçaremos arco-íris e borboletas só pra tu te distraíres/e só me importa que eu delire e tu delires.' Tá entendendo? Então, quando eu escuto a música sem sonoridade, rimas em ão, que é muito pobre, então isso me dá agonia. Eu gosto muito da sonoridade de Caetano. Chico brinca legal com as palavras. Gil manuseia bem. Um que é bom, é ótimo, é Luiz Melodia. Quando estou botando uma letra numa música, quase sempre elas saem juntas. Num verdadeiro delírio. Quando não, velho, eu fico numa agonia danada procurando a palavra, aquela. E muitas vezes eu não procuro o sentido da palavra, e quando dou conta ela encaixa perfeita. Vou caçando as palavras no ar, figurativamente, claro, mas depois aquilo tudo vai encaixando e brotando energia, força, luz. A música popular brasileira está passando por uma transformação. É o sinal dos tempos. O mundo tá ficando pequeno. Você recebe uma carga de informação muito grande de fora, e de repente, se tenta fazer uma linguagem que seria universal, para abranger o mundo. Mas acho que infelizmente essa essa energia toda vem de um ponto, por exemplo, vem de Nova Iorque. As pessoas, sem que isso posa ser tomado como xenofobismo de minha parte, estão ouvindo mais os sons de fora do que as coisas da terra. Perderam a intimidade com as coisas da terra. Perderam intimidade com a sua cultura. E acho que a própria transmissão de cultura não é feita de uma forma natural. Em casa, hoje, através da família, você já não recebe mais a carga de tradição, de informações, como acontecia antes. Como, por exemplo, aconteceu comigo. A música tá vindo de fora o tempo todo. Eu bato um baião danado, um maracatu que você precisa ouvir. Com quem assimilei isso? Talvez tenha sido meu avô, lá em São Bento do Una.' "
(continua)
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