Palavras Domesticadas

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segunda-feira, 26 de abril de 2021

Paulinho da Viola - Faltam Adjetivos Para o Mestre (Revista Showbizz - 1996)


 Em 1996, a gravadora Emi-Odeon relançou onze discos de Paulinho da Viola em formato CD. Na ocasião o CD representava um bom produto de vendas, e era comum as gravadoras relançarem a obra completa de alguns de seus contratados de maior prestígio. Assim foi feito com a obra primorosa de Paulinho da Viola. A revista Showbizz nº139, de fevereiro daquele ano, dedicou a coluna Replay, que tratava exatamente de relançamentos de discos naquele formato, para falar da discografia relançada de Paulinho, disco por disco, em texto de Pedro Só:

"Unanimidade genial, Paulinho da Viola é herdeiro da estirpe fidalga de Paulo da Portela, carregando na obra a sombra iluminada de monstros maiores como Nelson Cavaquinho, Cartola e Sinhô. Seus 11 primeiros discos, reeditados agora  em CD pela EMI, são um time de sonhos para todo ouvinte que se preze. Afinal, já dizia Dorival Caymmi com mais elegância, quem não gosta de samba tende ao mau-caratismo. E o samba que Paulinho da Viola apresenta nesse pacotaço é quase sempre irretocável, muitíssimo canção, valsinha e modinha, sabendo sacudir tudo como partido alto de vez em quando (ouvide o incendiário e seminal 'No Pagode do Vavá', de 1972, época em que bala perdida no Rio vinha de 'um nego que fez 13 pontos e ficou maluco de tanta alegria').

No primeiro disco, de 68, o samba aparece enfeitado com algumas orquestrações do maestro Gaya que lhe prejudicaram a desenvoltura. Mas Paulinho já exibe a soberba categoria como intérprete de Cartola, Candeia e Nelson Cavaquinho - de si mesmo, claro, nas antológicas 'Sem Ela Eu Não Vou' e 'Coisas do Mundo, Minha Nega'. Foi Um Rio Que Passou Em Minha Vida, de 1970, traz, além do sucesso-título, a clássica 'O Meu Pecado', de Zé Kéti, e, como bônus, a obra-prima 'Sinal Fechado'. A partir dos dois discos que lançou em 1971, ambos sem título, Paulinho alcança sua dimensão de gigante. Músico na poesia (os erres do verso 'a razão por que mando um sorriso e não corro', de 'Para Um Amor No Recife', deslizam contra sua própria natureza) e ourives de harmonias mais do que líricas ('Choro Negro'), ele ainda esbanja bom gosto na escolha de acompanhantes: a flauta de Copinha é magistral e o trio de ritmistas Marçal, Oscar Bigode - seu primo, homem que o  introduziu na Portela - e Elton Medeiros também destrói. Menino de Botafogo e adolescente em Vila Valqueire, Paulinho tem verve de sobra na crônica do subúrbio e profundidade nas reflexões melancólicas. 'Ninguém pode explicar a vida num samba curto', esquiva-se ele no metalinguístico 'Num Samba Curto'. Pura chave de ouro para a ocasião, desmentida várias vezes em LPs monumentais como A Dança da Solidão (de 1972, onde a linda composição regravada por Marisa Monte brilha timidamente à sombra das frondosas 'Meu Mundo É Hoje', de Wilson Batista, 'Acontece', de Cartola, e 'Duas Horas da Manhã, de Nelson Cavaquinho) e Nervos de Aço (de 1973, que rendeu um show histórico e concilia a moderníssima 'Comprimido' com a força tradicional de 'Não Quero Mais Amar a Ninguém', de Cartola, Carlos Cachaça e Zé da Zilda).

Paulinho da Viola, de 1975, segue no nível com as pérolas 'E A Vida Continua' (de um certo Zorba Devagar) e 'Cavaco Emprestado', do injustamente pouco lembrado Padeirinho, além do protesto estético 'Argumento' ('Não me altere o samba tanto assim'). Memórias - Cantando e Memórias - Chorando (dedicado à segunda paixão de Paulinho, o chorinho), de 1976, são celestiais.

O disco de 1978 vale por 'Coração Leviano' e 'Pelos Vinte', toda construída em metáforas sinuquísticas. Zumbido, de 1980, traz o clássico moderno 'Recomeçar' (feito com Elton Medeiros) e 'Chico Brito" - tipo a quem mestre Wilson Batista atribui 'Dizem que fuma uma erva do Norte' - pioneira do repertório hemp que o Planet bem podia regravar.
 



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