Palavras Domesticadas

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quarta-feira, 7 de abril de 2021

Arnaldo Antunes (Revista Roll - 1987)


 Em 1987 Arnaldo Antunes ainda era membro dos Titãs, e já realizava trabalhos paralelos, como o de poesia. Na época, a revista Roll, que falava de rock, nacional e estrangeiro, tinha uma seção chamada Primeira Pessoa, em que determinada personalidade ligada à música dava opinião e se expressava sobre diferentes assuntos. Em sua edição nº 44 a revista convidou Arnaldo, que falou sobre seu primeiro livro de poesias, Psia, seus hábitos de leitura, música e religião. Leia abaixo:

"Psia: É uma compressão da palavra poesia, um hiato a menos. Mas também é o feminino de psiu, que serve tanto para chamar como para pedir silêncio. Pode ser também uma coisa entre a piscina e a pia (risos). É uma coisa que sugere tudo isso, uma palavra inventada.

O concretismo que as pessoas querem ver no livro, principalmente no Rio de Janeiro, apenas pela questão dos tipos, da preocupação gráfica é uma coisa meio tola. Rotular uma coisa de concreta hoje em dia fica meio sem sentido. Mesmo a obra de Augusto de Campos não é concretista hoje em dia, já aponta pra vários caminhos. Querer saber se uma coisa fecha como concretismo ou não, vem muito dessa cruzada que esses idiotas estão fazendo, tipo Ferreira Gullar, Afonso Romano de Sant'Anna, que são caras de uma poesia fraquíssima, condescendente ao gosto médio, contra o concretismo. Meu livro tem uma influência do concretismo como tem influência de outras coisas, mas rotular como poesia concreta é um absurdo. Assim como a canção tem a coisa do texto associado à melodia, à sonoridade, a poesia impressa no papel tem a coisa associada ao aspecto gráfico que não pode ser desprezado.

Leitura: A nível de poesia, desde os clássicos, A Divina Comédia, de Dante, até a coisa mais moderna, o último livro de Paulo Leminski ou do José Paulo Paes. Geralmente eu procuro a poesia onde a forma tem um significado, me oriente eliminando um pouco essa coisa que eu não gosto que é essa poesia mais retórica, mais verborrágica, e procurando sempre um dado de síntese, de preocupação formal construtiva, de estranheza. Claro que existem os romances, as obras de teoria literária, de linguística...

Performance: Eu trabalhei com performance em São Paulo, isso há cinco anos, agora tem essa onda de performance no Rio que é uma babaquice, uma coisa totalmente diluída, que chegou atrasada. Um cara lê poesia alto no palco e outro toca guitarra e as pessoas acham que isso é performance... Performance tem uma coisa definida como estética, é uma ocorrência no tempo, é uma obra que tem uma estranheza com o ato que você está criando.

África: A África sempre esteve no rock'n roll, é o berço da música negra, do rock, do blues, dos spirituals americanos. Agora, isso da onda da música africana, a gente não compactua; nem com essa onda nem com nenhuma outra, porque esse tipo de leitura é uma coisa muito pobre. Não existe o caminho, existem os caminhos. Esse papo de 'agora é a África' é uma bobagem, a gente nunca teve isso.

Rock Tupi: Eu acho que está legal porque está começando a saber tirar som no Brasil. A sonoridade de rock nos primeiros LPs tinha uma qualidade muito ruim. Além disso, tem muita banda lançando seu terceiro ou quarto LP, já não existe mais aquela dúvida 'Ah, será que o rock é efêmero?', isso já se desfez. Algumas bandas sumiram, porque era pra sumir mesmo, e outras estão dando continuidade a seu trabalho. Há uma diversidade muito grande, o que os Titãs estão fazendo não tem nada a ver com que os Paralamas estão fazendo, com o que a Legião está fazendo, como que o Camisa está fazendo, cada um está apontando prum lado. Apesar de diferentes, acho o trabalho dessas bandas de muita qualidade. Não acredito no rock nacional como uma linha estética.

Religião: Eu não tenho uma coisa de religião como instituição, eu tenho uma religiosidade. Acho que está muito deturpada pro ocidental a noção de religião. Ela não está presente no dia-a-dia do cara, perdeu todo o sentido de intensidade que o sentimento religioso deve ter. Essa compartimentação que o ocidental criou, a hora do culto,  a hora do lazer, a hora do trabalho, é uma coisa muito degenerativa; a espécie humana estagnou nesse tipo de procedimento, o que é muito pouco produtivo. Meu compromisso é com uma religiosidade, com a maneira de me portar aqui no planeta o tempo todo. É assim que eu vejo. Eu posso ler um salmo de Davi e aquilo me arrebatar até às lágrimas."



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