Palavras Domesticadas

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quarta-feira, 20 de março de 2019

Ivan Lins Lança "Somos Todos Iguais Nessa Noite" (Jornal de Música - 1977)

Em 1977 a parceria de Ivan Lins e Vítor Martins já estava consolidada, e naquele ano Ivan lançaria o disco Somos Todos Iguais Nessa Noite, que teve uma boa resposta da crítica e de público. A faixa-título, Dinorah, Dinorah e Quadras de Roda tiveram boa execução nas rádios, impulsionando a vendagem do álbum. Com uma ótima capa, assinada por Mello Menezes, capa dupla e um poster encartado, o álbum recebeu uma boa atenção da gravadora. Em sua edição nº 34, de setembro de 77, o Jornal de Música trazia uma matéria sobre o lançamento do disco, intitulada "Ivan Lins chega, afinal ao fim da noite'. O texto é assinado por Luiz Augusto Xavier:
"A crítica caiu de quatro. O que havia mudado tanto em Ivan Lins, a ponto dele gravar um disco seríssimo como Somos Todos Iguais Nessa Noite? Logo ele, que após o deslumbre festivalesco inundou o mercado com sofridas e comerciais descobertas, destruindo um promissor início de carreira. A mudança de parceiro foi a razão principal para um trabalho tão consciente? A mudança de gravadora e um disco gravado com plena liberdade de escolha? Mudou Ivan ou mudou no Natal?
- O que mudou foi a proposta literária. Antes eu era um compositor por conveniência. Era um músico sem uma proposta. O que mais me interessava era fazer som. Eu queria curtir com todos que tocavam comigo. Eu queria mesmo era fazer o que todo moleque deslumbrado faz com um instrumento na mão: curtir som. O trabalho de agora já não é mais vazio, murcho. Existe o lado literário, que passou a ter capital importância.
Como se não bastasse a feliz guinada em seu modo de sentir e compor, nos dias de hoje, Ivan Lins também mudou a forma de mostrar coisas antigas. Abre o show com 'Madalena', despida dos 'má e ma-dás' e mais fechada em um lento andamento, 'de um modo como sempre senti a maneira de cantar Madalena'. Essa compreensão de um trabalho que nascia errado pegaria Ivan no meio da carreira, ídolo consagrado por 'Agora', ' Amor É o Me País' e já por 'Madalena' - que ganhou até gravação de Ella Fitzgerald. Foi em 1973, e ele quase explodiu.
- Foi um ano terrível. Passei o ano todo sem querer fazer nada, fugindo de tudo. Tinha pavor de tudo e evitava procurar as pessoas para conversar. Eu tinha de repente sentido o que estava fazendo. Foi quando eu descobri que não tinha experiência nenhuma, pois todo o início de minha carreira aconteceu em 24 horas. Eu não tive que ficar esperando cobrões em corredores de gravadoras como quase todos os outros. Os cobrões é que vinham atrás de mim, tentando levar músicas àquele garoto que tem feito algumas coisas diferentes. Por não ter brigado pra entrar no barco, não tinha consciência da  importância que era estar nele. Era um robô comandado por resultados comercias daquilo que gravava. De repente eu acordei e descobri que alguma coisa não estava funcionando bem. Eu não estava funcionando bem.
Posto em retiro, Ivan Lins começou na fazer um balanço do que de bom havia feito e do que havia feito no todo. Angustiado pela verdade, compreendeu que estava sendo dominado pela máquina. Sentiu que estava se entregando ao 'monstro' que ele mesmo havia criado e para se livrar fez um mês de reflexologia, o que contribuiu muito para sua mudança.
- Comecei a descobrir uma série de coisas que falavam a meu respeito e que somente eu não havia percebido. Como tudo aconteceu muito rápido, eu era um profissional na teoria, pois continuava sendo um amador que pouco me importava com o resultado desta ou daquela música que fazia. Senti a barra e resolvi assumir a música de amador. Tinha o diploma de químico industrial e já tinha até um contrato oferecido por uma fábrica de cimento, onde eu começaria de baixo, como qualquer outro. Já não seria como foi na música, que no início era uma espécie de 'hobby', algo para as horas vagas mas que acabou me engolindo por fala de luta de minha parte. Batalhar por quê? De repente eu era um ídolo. Sem qualquer esforço. Eu estava despreparado para assumir uma posição que chegou fácil demais. Por isso a rasteira foi muito grande.
Os primeiros sinais de mudança surgiram em 1974, quando Ivan Lins voltou ao disco, lançando o álbum Modo Livre, pela RCA Victor. Embora ainda levemente preso à repetitiva criatividade do seu - até então - quase único parceiro, Ronaldo Monteiro, já ensaiava tentativas de se completar com outros letristas, Paulo César Pinheiro - 'Rei do Carnaval' - e Vítor Martins - 'Abre Alas' - sem saber que nasceria ali uma nova grande dupla na música nacional, que neste ano se firmou definitivamente. Esta parceria tornar-se-ia forte no LP Chama Acesa (1975), ainda pela RCA, em músicas como 'Lenda do Carmo', 'Joana dos Barcos', 'Ventos de Junho', 'Demônio de Guarda' e 'Corpos'. e definitiva em nove das onze faixas de Somos Todos Iguais Nessa Noite, lançado recentemente pela Odeon.
- O mais importante do disco Somos Todos Iguais Nessa Noite é que ele representa o somatório de minha carreira. É o resultado real de toda a minha vivência. Este disco, em princípio, devo a mim. E depois às pessoas que estão ao meu lado. Vítor Martins, o grupo Modo Livre e à Odeon. Algumas dessas músicas novas o público pode cantar comigo e canta mesmo. Durante os shows eu procuro mexer com eles, desafiando-os para que se soltem, desinibam e entrem na minha. É uma forma de libertar o público que não mais está acostumado a se manifestar em teatros, por culpa da televisão. No tempo do Fino da Bossa nós tínhamos um trio - piano, baixo e bateria - amador que lotava todas as apresentações. E o público participava. Naquela época, todas as meninas que cantavam imitavam Nara Leão ou Elis Regina; o pessoal do violão era chegado no Baden Powell e 'Astronauta' tinha execução indispensável; os trios, como o nosso, imitavam o Zimbo, Sambalanço e outros. E o público delirava e a televisão mostrava. A própria plateia imitava o que via na TV. Mesmo assistindo em casa, o pessoal participava. Tudo aquilo estava acontecendo realmente, espontâneo. Hoje a TV é fria e o público passou a ter um comportamento frio. O público está tão bem comportado quanto a turma do claque, que só aplaude ou grita no momento em que for programado para isso.
Músicas de Ivan Lins e Vitor Martins já estão na boca do povo, cantadas por ele - 'Somos Todos Iguais Nessa Noite', 'Quadras de Roda', 'Um Fado' - por Elis Regina - 'Cartomante' - ou por Nana Caymmi' - 'Mãos de Afeto' (uma obra-prima) - no retorno definitivo de quem teve que cair para sentir a barra. E Ivan Lins voltou forte, lançando desafios cheios de vitalidade, como diz em 'Qualquer Dia' (Ivan Lins & Vítor Martins), de seu último LP: 'Logo quem me julgava morto/ me esquecendo a qualquer custo/ vai morrer de medo e susto/ quando abrir a porta'. "

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