Em 2010 completaram-se 30 anos de morte de John Lennon, uma das personalidades mais marcantes do rock, e do próprio século XX. Músico e compositor, contestador e e defensor intransigente dos direitos civis, Lennon, além de tudo foi uma personalidade política. Naquele ano, a revista Bravo lançou uma edição especial falando de Lennon, e suas múltiplas atividades. Dentre os vários textos, além de biografia, discografia e análises de sua obra, há esse, assinado por Sergio Martins, intitulado "O Pai de Todos":
" John Lennon não foi apenas o mais importante dos Beatles. Os Beatles foram uma criação de John Lennon.
A frase acima é polêmica? Vamos aos fatos. Foi Lennon quem formou o The Quarrymen, uma banda de skiffle - mistura de jazz, folk e música folclórica britânica - que, tempos depois, se transformaria nos Beatles. Ele também chamou o guitarrista Paul McCartney para juntar-se a eles e atendeu aos pedidos de Paul para colocar o imberbe George Harrison na outra guitarra. Além disso, operou a transformação do grupo de skiflle numa banda de rock'n roll e despertou a atenção do empresário Brian Epstein em uma apresentação da banda no Cavern Club. Por fim, pelo menos até 1966, quando o excesso de maconha e LSD parecem ter afetado, pelo menos temporariamente, o seu raciocínio e a sua disciplina dentro dos estúdios de gravação, Lennon foi o porta-voz dos Beatles e era quem tomava as principais decisões relativas à banda.
Em 1956, junto com o companheiro de escola Peter Horton, John Lennon, então com 16 anos, criou o The Quarrymen. Enquanto tocava guitarra e fazia os vocais, Horton cuidava da percussão - na verdade, uma tábua de lavar roupa, 'instrumento' que era normalmente usado pelos grupos de skiffle. No mesmo ano, após ter feito um show numa quermesse da igreja do bairro onde morava, Lennon conheceu o cantor e guitarrista Paul McCartney. Com certeza, esse se tornou um dos momentos cruciais da história do rock mundial. Não só por ter sido o primeiro encontro de uma das maiores parcerias da música pop, mas por ter marcado o início de uma relação calcada pelo clima de competição e admiração mútua que acompanhou os artistas pelo resto da vida.
Depois de convidar Paul para integrar sua banda, Lennon, que sempre foi um tanto gabola - na verdade, um artifício para mascarar sua timidez e seu sentimento de rejeição -, assustou-se quando descobriu que o recém-chegado conhecia muito mais acordes do que ele. Como o novo amigo era um músico superior, o nível de exigência (e de insegurança) de Lennon também aumentou. Tanto que, uma vez, cansado dos erros de Horton na tábua de lavar roupa, ele a destroçou na cabeça do amigo. Apesar disso, pouco depois, Lennon recrutou o amigo Stuart Sutcliffe para ser o baixista do grupo, apesar de seus conhecimentos musicais quase inexistentes. Àquela altura, George Harrison já havia se integrado à trupe e, reduzido a três guitarristas, o Quarrymen se transformara em Beatles. Foi nessa época também que vários bateristas tentaram a sorte nos Beatles, até que eles optaram por um garoto chamado Pete Best. A escolha teve inspirações mais práticas do que musicais: a mãe de Best, Mona, era dona do Casbah, uma casa de rock onde costumavam se apresentar.
A história dos Beatles começa mesmo em 1960, quando iniciaram um período de shows pelas boates da cidade alemã de Hamburgo. Foi ali que o grupo burilou seu repertório, tocando a princípio covers de Elvis Presley, Chuck Berry e Little Richard, entre outros ícones do rock dos anos 1950, e onde os músicos desenvolveram suas personas no palco. Lennon seria sempre o gênio rebelde, McCartney, o menino bem comportado e Harrison, o garoto discreto. Entre os Beatles, as atitudes de Lennon sempre foram as que mais se aproximavam do espírito do rock'n roll. Uma vez, em Hamburgo, ele cumprimentou a plateia com a famigerada saudação nazista. Tempos depois, no auge do sucesso, John imitava deficientes mentais ou soltava frases que deixavam o público apoplético, como a impagável 'as pessoas dos assentos mais baratos batam palmas. O resto pode chacoalhar as joias'.
Lennon chegou a estudar na Escola de Artes de Liverpool, tinha talento para o desenho e o Beatle que tinha mais facilidade para a composição de músicas, o que fazia de maneira destrambelhada. Em seu livro de memórias, Here, There & Everywhere, o engenheiro de som Geof Emerick, que trabalhou nos principais discos dos Beatles, traça uma comparação curiosa entre o método de criação de McCartney e de Lennon. O primeiro era organizado e possuía uma ideia clara do que queria. 'Coloque um pouco de percussão aqui, aumente o baixo ali', diz Paul. Já Lennon trabalhava de modo caótico. As letras eram amontoados de garranchos largados em pedaços de papel. Quando sugeria alguma coisa, pedia ao técnico que fizesse soar 'como James Dean montado na motocicleta' ou 'como Dalai Lama falando do alto de uma montanha'. Graças à engenhosidade dos técnicos de som, ele conseguia ser atendido em boa parte dos casos. Mesmo com a maneira confusa de criar, porém, Lennon era tão respeitado pelos colegas, que se tornou o único Beatle que podia dizer a Paul McCartney se determinada canção valia a pena ser gravada.
Líder e porta-voz do quarteto, Lennon dava boa parte das entrevistas à imprensa e passava adiante as opiniões e desejos dos integrantes da banda quando havia questões profissionais em jogo. Foi ele, por exemplo, quem avisou ao produtor George Martin que os Beatles não queriam cantar How Do You Do It, música do compositor profissional Mitch Murray, mas sim uma canção composta por ele e McCartney. O grupo venceu a queda de braço e gravou em seu primeiro disco não apenas Love Me Do como Please Please Me, que se tornaram imensos sucessos e impulsionar a beatlemania.
O modo direto com que sempre expressou seus pensamentos e desejos fez com que Lennon também fosse escolhido para dar os recados mais malcriados da banda. Em 1968, quando os Beatles descobriram que o guru hindu Maharishi Manesh era um picareta, foi Lennon quem avisou ao mestre que o grupo estava partindo. 'Se você fosse realmente cósmico saberia por quê', disparou ele, que, apesar da superfície áspera, tinha um bom coração. Tanto que evitou anunciar, no início da carreira dos Beatles, que eles haviam decidido despedir o baterista Pete Best, considerado ruim pelos produtores da gravadora. Lennon pediu que Brian Epstein desse o recado, mas depois se arrependeu. 'Fomos uns cretinos', declarou mais tarde.
Lennon e Eric Clapton |
John era extremamente crítico, inclusive consigo mesmo. Ele não escondia de ninguém, por exemplo, que não gostava de como sua voz soava nos discos, achava-a 'anasalada' demais. Foi exatamente esse 'defeito', no entanto, que deu charme às baladas que cantou com os Beatles e tornou seus rocks mais vigorosos. Contrastando momentos de (auto) crítica e mau humor com pitadas de sarcasmo, Lennon provocava situações que constrangiam não só os colegas de banda, mas quem mais estivesse por perto. Em 1967, o guitarrista do grupo americano The Turtles, cujos integrantes se diziam discípulos dos Beatles, encontrou John em um clube noturno e foi cumprimentá-lo pelo disco Sgt. Pepper's. Sem ter qualquer motivo, já que o The Turtles nem era tão ruim assim, Lennon foi tão cruel com o músico que o fez pensar em abandonar a carreira artística.
A influência de John Lennon na trajetória dos Beatles também foi enorme. ele não dizia explicitamente que rumo a banda devia tomar, mas fazia com que os outros assimilassem as mudanças musicais que considerava importantes. Em 1964, por exemplo, depois de uma conversa com Bob Dylan, na qual ele aconselhou os Beatles a dar mais valor à qualidade de suas letras, Lennon se esforçou para criar as melhores composições de Help!. Nas canções do disco seguinte do grupo, Rubber Soul, ficou muito claro que o resto da banda também havia assimilado o conselho de Dylan.
Lennon perdeu o interesse pelos Beatles em 1966, quando, primeiro, passou a usar maconha e LSD além da conta. Quando foi reprimido por McCartney, respondeu com I'm Only Sleeping. No final desse ano, Lennon conheceu Yoko Ono. O fato, junto com a morte de Brian Epstein em 1967 e a ascensão de McCartney como 'pensador' da banda - uma atitude justa, visto que ele foi o mentor de Sgt. Pepper's tinha uma curiosidade artística maior do que a do parceiro - fez com que Lennon, aos poucos, se afastasse dos Beatles. "
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