Bob Dylan é uma das figuras mais importantes e influentes do rock, sem dúvida. Há quem não goste de sua voz e de seu jeito de cantar. Há quem não se encante com suas músicas e o considere chato para os padrões normais do gosto pessoal de quem curte rock. Mas a verdade é que esse grande poeta e músico americano revolucionou e influenciou dezenas e dezenas de artistas que vieram depois dele.
Em 2007 a revista Rolling Stone Brasil publicou uma edição especial só com matérias publicadas sobre Dylan em 40 anos de sua matriz americana. São várias matérias, entrevistas e resenhas sobre a carreira desse excepcional artista. Dentre elas, essa matéria publicada originalmente na edição americana de dezembro de 1985, quando Dylan estava lançando o disco Empire Burlesque. A matéria é assinada por Davis Fricke, e intitulada "O Dilema do Artista":
" 'Já fiz toda a diferença que podia', declara Bob Dylan. 'Meu posto está seguro, qualquer que seja ele. Não preciso me preocupar em fazer algo diferente ou me manter moderno. Vendi milhões de discos. Fiz todos os shows grandes possíveis. Fui aclamado algumas vezes. Não tenho mais a motivação de provar que sou o melhor.'
Dylan faz essa declaração sem o mesmo floreio - um lento trago no cigarro, um rápido gole de Heineken. É uma conversa estranha para um homem em meio a uma rara sequência de entrevistas, primariamente para divulgar o novo álbum Empire Burlesque. Mas enquanto Dylan é cordial, franco até, nas respostas, há uma ponta de indignação e esgotamento na voz dele, como se estivesse cansado de carregar o peso da própria lenda. Aos 44 anos, Dylan não se preocupa mais em criar sucessos - ou fazer história. 'Não sinto que ainda tenho alguma coisa pra provar', ele diz, sentando-se na beira da piscina do hotel em Los Angeles com uma jaqueta de couro preta pendurada sobre os ombros. 'Tenho todo o direito de fazer o que quero. Vendendo discos ou não, não sei.
O novo rumo de Dylan surge depois de anos de insegurança aparente, tentando lidar com as mudanças radicais do rock mainstream. Ele dá uma olhada de desdém por cima do ombro mirando o sistema de som do hotel, que toca 'Hungry Like The Wolf', do Duran Duran. Ele admite, sem ressentimentos, que não faz parte da trilha sonora de muitos adolescentes oitentistas. 'Eles não precisam me acompanhar', diz. 'Eles têm sua própria gente para seguir'. De fato, os álbuns recentes de Dylan venderam modestamente comparados aos discos de platina alcançados por aqueles considerados herdeiros espirituais dele, como Bruce Springsteen e Mark Knopfler, do Dire Straits. Quando questionado se tinha identificado alguma influência dele em Nebraska, de Springsteen, ele retruca: 'Sim, mas e daí? Estou velho demais para recomeçar e jovem demais para ficar reclamando de quem me copia'.
Ainda assim, Empire Burlesque - com destaque para a galopante 'When The Night Comes Falling From The Sky' - representa uma aposta significante da parte de Dylan. Contrário a se render às pressões do sucesso, ele sem dúvida é esperto o bastante para usar a nova ciência do pop a favor da carreira. 'Não sei fazer essa coisa de usar o estúdio como se fosse outro instrumento', ele se rende. 'Muitos garotos sabem. Mas para mim já é tarde demais.'
Por isso, ele recrutou o produtor Arthur Blaker, que deu a Empire Burlesque uma mixagem high-tech e animada. Dylan gravou em períodos isolados de criatividade no decorrer de 18 meses, na maior parte com um elenco de apoio eclético que inclui Sly Dunbar e Robbie Shakespeare, alguns dos Heatbreakers de Tom Petty, e Mick Taylor, ex-Rolling Stones. 'Minha dificuldade em gravar discos', prossegue, 'é que, quando gravo em estúdio, nunca soa nem um pouco parecido quando eu coloco a fita para tocar. Qualquer que seja o tipo de som ao vivo em que eu estiver trabalhando, sempre se perde em meio às máquinas. Há alguns anos, eu entrava, tocava e isso passava para a fita. Hoje, o som é tão limpo que nada que você faça errado é registrado no final. E meu material é basicamente composto de erros.'
Mas o outro lançamento de Dylan, a retrospectiva em cinco discos chamada Biograph, resume o impacto cataclísmico do cantor em uma nova geração de compositores. Uma coletânea exaustiva dos melhores trabalhos de Dylan entre 1962 e 1981, Biograph é significativa tanto como coleção essencial, 53 faixas no total, quanto por seu resgate de gemas como 'Percy's Song', uma versão ao vivo de 'Visions of Johanna' e uma elétrica 'I Don't Believe You', de um show feito em 1966, acompanhado dos futuros membros do The Band.
Dylan também teve o capricho de escrever textos no encarte em que explica pela primeira vez, faixa a faixa, as pessoas, lugares e motivos por trás das músicas mais conhecidas da carreira dele. 'Não tenho qualquer relutância em falar como faço minhas composições, mas ninguém nunca fez as perguntas certas', Dylan diz sorrindo. 'Só tentei ser breve, lembrar como as coisas aconteceram. Não sou muito fã de nostalgia. Toda vez que alguém vê meu nome, é sempre 'os anos 60 isso, os anos 60 aquilo'. É só mais um jeito de me categorizarem.' O único segredo que Dylan não compartilha é como compõe. 'Ainda é difícil falar sobre como toco, sobre como componho. É como um cara cavando um fosso. É difícil explicar como é sentir a enxada entrando na terra.' "
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