Em 1972 Jards Macalé lançava seu primeiro disco, que levava seu nome. Apesar de já atuar na música há um bom tempo, participado de festivais, como o FIC de 69, apresentando Gothan City, ter composições suas gravadas por outros intérpretes e lançado compactos, Macalé só lançaria seu primeiro LP naquele ano. O disco, que virou um clássico, foi muito bem recebido pela crítica menos tradicionalista e careta, como mostra essa resenha escrita por Maurício Kubrusly, no jornal O Estado de São Paulo:
"Este é o primeiro LP de Macalé, um músico excelente que precisou esperar mais de dez anos por esta oportunidade. Para os poucos que acompanharam sua atividade por todo esse tempo, o nível deste disco não representa uma surpresa, ao contrário, só confirma a seriedade do trabalho desenvolvido desde o início até a maturidade de agora.
Já se disse, em relação ao século XIX, que a música de câmara representa o ponto máximo da criação - uma peça para um quarteto de cordas, por exemplo, exigiria do compositor domínio técnico, inventividade e equilíbrio em grau muito superior ao necessário para a elaboração de uma partitura para orquestra, onde os recursos são muito maiores. O disco de Macalé sugere um paralelo com esta observação, pois representa o que poderia ser classificado como 'música popular de câmara'. (para que fique claro o sentido desta comparação é preciso abandonar preconceitos que geram separações como 'erudito-popular').
Esta 'música popular de câmara', que nada tem de hermética ou inacessível, surge a partir do momento em que Macalé deixa de lado toda a magia dos recursos eletrônicos, tão ao gosto da música pop de hoje. O LP foi realizado apenas por três músicos: o próprio Macalé (violão e vocal), Lanny Gordin (violão e guitarra) e Tuti Moreno (bateria). Esse limitação, a priori funciona como um desafio para cada um dos três músicos. E eles respondem com atuações de uma riqueza pouco comum, em todos os momentos do disco. O desempenho desse trio, também responsável pelos arranjos, resulta num LP com tratamento adequado a cada faixa e unidade no conjunto, contenção rigorosa no uso de cada recurso e equilíbrio absoluto até em cada emprego - surpreendente - das pausas.
O trabalho de Macalé como compositor já tinha sido divulgado no trabalho de outros intérpretes, mais recentemente por Gal Costa e Maria Bethania. Aqui estão músicas mais novas, como Revendo Amigos, ao lado de outras já gravadas, como Movimento dos Barcos - todas com a força e originalidade que caracterizam as composições de Macalé e seus parceiros. E estes, apesar da exploração nos efeitos conseguidos com o jogo de palavras com sons semelhantes, também são excelentes. As letras quase todas marcadas por verbos no presente, contém versos muito bonitos, rompendo completamente com as limitações da métrica e da rima.
Como todo intérprete, Macalé nada fica devendo ao compositor. (Todo o disco é marcado pela 'postura' de Jards Macalé, seca e agressiva, identificada já na foto da capa, a mesma pose das apresentações em público). Explora sua voz rouca de maneira minuciosa, adaptando-a ao clima criado para cada interpretação, explorando cada verso, o som de cada sílaba.
É um disco que impõe uma audição atenta, cuidadosa, para a apreensão por toda a beleza que existe atrás da real secura e da aparente simplicidade deste trabalho. Por tudo isto, Jards Macalé é um LP magnífico, para ser colocado no mesmo nível dos melhores já lançados em 1972, um ano fértil para a música popular no Brasil - também porque, de Nelson Cavaquinho a Macalé, muitos estão conseguindo agora 'uma primeira oportunidade'. "
Muito bom o texto.
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