O disco "Estudando o Samba", de 1976, é um marco na carreira de Tom Zé, não somente pela qualidade do trabalho, mas por ter sido responsável, muitos anos depois, pela retomada da carreira do compositor, a partir do momento em que David Byrne, ex-líder da banda Talking Heads numa passagem pelo Brasil, através desse disco descobre a obra de Tom Zé, e impulsiona sua carreira no exterior. O que talvez tenha mais chamado a atenção de Byrne no disco de Tom Zé, sejam as experimentações sonoras, fora dos padrões. Um fator que significou um diferencial para um ouvido atento e aberto às novas formas sonoras que os ex-Talking Heads também gostava de fazer em sua banda. O interessante é que o disco de Tom Zé fugia ao que Byrne procurava. Sabe-se que ele visitou sebos no Rio, procurando discos de samba. Um vendedor, ao separar os discos do gênero, ao ver um disco com a palavra "samba" no título, achou que era mais um disco típicode samba, mas na realidade, pouca coisa do gênero se encontra na obra, não sendo, portanto, um trabalho adequado para quem, como Byrne, queria conhecer mais profundamente o ritmo musical mais tipicamente brasileiro.
Em sua edição de maio de 1976, o jornal Hit Pop, que vinha encartado na revista Pop, trazia uma entrevista com Tom Zé, falando de seu lançamento, cuja matéria ganhou o título de "Tom Zé, o Operário da Linguagem":
"O mercado de discos é o ferro bruto; a inteligência e a criatividade são quentes como uma fornalha; o artista é o martelo, que molda o ferro, que lhe dá novas formas. Com essa imagem, o compositor baiano/paulista Tom Zé deixa clara sua posição de músico sempre disposto a ampliar as fronteiras de sua arte. Como faz em seu novo LP, Estudando o Samba.
Na contracapa de seu novo LP, Estudando o Samba, Tom Zé faz um desabafo típico dos artistas que, por razões alheias à qualidade e novidade de sua música, não encontram a resposta adequada do público comprador de discos: 'Se esse LP não circular, terei de abandonar o lado de pesquisa do meu trabalho'. Na verdade, abandonar a pesquisa musical parece uma decisão tão drástica quanto impossível para Tom Zé, esse baiano fantasiado de paulista, de fala mansa e adjetivos certeiros, que desde o tempo da Tropicália vem realizando uma revolução quase silenciosa dentro da música popular brasileira.
Para explicar sua atuação na MPB, Tom Zé dispensa as definições tradicionais de 'músico', 'cantor', ou 'compositor'. Tom Zé se considera um operário da linguagem, envolvido no trabalho árduo e persistente de lapidar a língua portuguesa através da música. Uma tarefa quase sempre mal recompensada, que luta ainda com o humor mutável e o critério sem lógica dos programadores de rádio.
Pop - Você se diz um operário da linguagem. O que significa exatamente isso?
Tom Zé - O operário da linguagem é aquele que tem como matéria-prima a língua falada e escrita. É interessante notar que a figura do operário da linguagem só foi possível depois do advento da bossa nova. Quando João Gilberto surgiu, muita gente o chamava de bicha por causa da voz, suave, de timbre normal. Antes de João Gilberto, os cantores tinham que ter voz entre o grave e o super-grave. A música e a interpretação eram duras, rígidas. O cantor tinha que transmitir, com a voz, uma imagem de machão. Senão, não dava pé. A bossa nova veio modificar isso, através do uso acentuado de síncopes e outras sutilezas musicais, até então proibidas.
Pop - E dentro desse panorama histórico do cantor brasileiro, como você situaria sua voz?
Tom Zé - Eu nunca me considerei cantor, no verdadeiro sentido da palavra. Mas ultimamente tenho recebido força dos amigos para trabalhar também como intérprete. Acabo de receber um convite da TV Globo, por exemplo, para interpretar duas valsas na trilha sonora de uma novela chamada Xeque-Mate. São duas valsas antigas, Nancy e Dama de Vermelho, que inclusive já foram gravadas por Francisco Alves, o Rei da Voz. Topei a parada, mesmo sabendo a terrível profanação que vai ser.
Pop - Até mesmo no título, Estudando o Samba, seu novo disco sugere um trabalho de pesquisa. Como você desenvolveu esse trabalho? O que ele significa para você?
Tom Zé - O disco é um trabalho integrado de ritmos, cores e funções. Creio que posso compará-lo a uma linha de montagem, que funciona assim: o mercado de discos, o sistema, seria o ferro bruto, duro e rígido; a inteligência e a criação são quentes como a fornalha e o artista é o martelo que reformula os moldes, trabalha e transforma o ferro em novos moldes.
Além disso, nos arranjos, utilizei diversos instrumentos inéditos, como liquidificadores, apitos e máquinas de escrever. Tudo formando um grande móbile, de peças independentes mas indivisíveis.
Pop - Como você faz para viver de música, já que seus discos têm sempre vendagens modestas?
Tom Zé - Trabalho é que não falta. Apenas eu não me prendo a nenhum esquema de empresário ou promotor. Sabe quem é meu empresário? São os estudantes universitários, que me telefonam e pedem que eu vá às escolas, tocar para o pessoal. E eu vou. Agora, tem o meu amigo Corisco, cabeça pensante da Editora Musiclave, que tem feito comigo um trabalho de arregimentação. Ele acredita que pode me encaminhar para o consumo internacional. O Corisco é um inventor de modelos, que já resolveu inclusive o problema de edição das músicas do Jorge Ben. "
Adoro o álbum ''Estudando o Samba''.
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