Em 1966 Chico Buarque faria seu primeiro show, chamado "Meu Refrão", na boate Arpège, no Rio. Na época Chico vinha de um sucesso retumbante, por conta de "A Banda", e já começava a despontar como uma grande revelação de nossa música. Em sua edição de 17 de abril de 2005, o jornal O Globo trouxe uma matéria sobre o show, por ter sido encontrada uma fita com o áudio do mesmo. A matéria é assinada por Hugo Sukman, e é intitulada "Quem É Chico Buarque de Hollanda?":
" 'Quem é Chico Buarque de Hollanda?', pergunta, que dali a algumas semanas e para todo o sempre soaria completamente despropositada na boca de um brasileiro comum, foi a que o cineasta Antonio Carlos Fontoura fez assim que desembarcou em São Paulo, naquele dia de julho de 1966. É que ele ouvira no rádio, prestes a embarcar no Rio, um samba cantado por Alaíde Costa que lhe impressionara profundamente: 'Carnaval, desengano/Deixei a dor em casa me esperando...'.
O título do samba, o locutor foi claro, era 'Sonho de um Carnaval'. O autor: 'Chico Buarque de Hollanda!' Do Rio esse tal de Chico não era, bem sabia Fontoura, tão enfronhado no meio artístico local. Como a carioca Alaíde já era radicada em São Paulo, Chico deveria ser de lá, por isso Fontoura consultou amigos paulistas.
-É um estudante de arquitetura que faz música, filho do Sérgio Buarque de Hollanda - disse um deles.
Fontoura ligou para a casa do autor de 'Raízes do Brasil' para falar com seu filho Chico.
- Naquele dia mesmo, Chico foi ao meu hotel, sentou à minha frente com o violão e cantou 18 músicas, entre as quais 'Olê Olá', 'Pedro Pedreiro', 'A Rita'. Meu queixo caiu - recorda-se, hoje, Fontoura.
De volta ao Rio, o cineasta está no camarim do Teatro Opinião, onde sua mulher, a atriz e cantora Odete Lara, e seu amigo Hugo Carvana participam da encenação da peça 'Se correr o bicho pega, se ficar o bicho come', insistindo:
-Temos que produzir um show do Chico no Rio... - dizia talvez sem se dar conta da estranheza de um cineasta iniciante propor a dois atores a produção de um show de um compositor desconhecido.
Carvana foi enviado a São Paulo para finalmente acertar a vinda de Chico para o Rio.
-Ele marcou comigo no escritório de seu empresário na época, o Marcos Lázaro, na TV Record. Chegou atrasado, pedindo desculpas, dizendo que estava de ressaca. Mas me levou para conversar no botequim em frente. E bebemos muito conhaque. Pensei: Esse aí é profissa... - recorda-se Carvana o início de uma amizade que dura até hoje. - Ele topou e marcamos um novo encontro, desta vez no Rio, com Fontoura e a Odete. O Chico chegou ao Opinião dias depois, entrou pela porta dos artistas e ficou esperando terminar a peça. Naquela noite mesmo, fomos conversar sobre o projeto do show no velho bar Zeppelin, em Ipanema. Fomos Fontoura e Odete, minha mulher Marta e eu, Chico e a Marieta Severo, que também trabalhava na peça e conheceu Chico naquela noite.
Quando, na semana passada, um pequeno grupo de pessoas reuniu-se na casa do músico carioca Felipe Radicetti, no Humaitá, para ouvir o CD que ele enfim conseguiu fazer da velha fita de rolo que achou em seus guardados, ninguém sabia dessas histórias por trás da gravação. Apenas ouviam, encantados, a íntegra do show 'Meu Refrão', que estreou em setembro de 1966 na boate Arpège, no Leme, com Chico Buarque, Odete Lara e MPB-4.
O show seria marcante por tantos motivos. É o primeiro de Chico (então com apenas 22 anos) que em São Paulo se apresentava, mas em TV e em shows universitários. Marca seu encontro com o MPB-4, grupo que o acompanharia pelos nove anos seguintes. Marca sua mudança para o Rio, sua cidade natal, mas onde quase ninguém o conhecia (só poucos do meio musical e quem ia muito pra São Paulo), e onde se casaria (com Marieta, que Carvana lhe apresentara logo no primeiro dia) e onde ficaria para sempre. Seria, por fim, o último momento em que, antes do estouro de 'A Banda', Chico não seria tratado como um fenômeno, quase um mito.
- Antes de começar a temporada, Chico já dizia que num dia tal não poderia fazer o show, pois teria que ir a São Paulo participar de um festival - lembra-se Carvana - Era 'A Banda', que nós vimos pela TV, torcemos... Depois, em uma, digamos, jogada de marketing (risos), incluímos a música no repertório e mudamos o nome do show para 'A Banda'.
- Mas já era sucesso - lembra Fontoura. Chico conquistou a cidade em uma semana.
A gravação a qual o Globo teve acesso, inédita até semana passada, é dos dias seguintes à volta de Chico vitorioso com 'A Banda'. O público é delirante durante todo o tempo.
Mas o show em si, para além da dimensão histórica, é um impressionante retrato do artista quando jovem. Traz, no repertório, os sambas do primeiro disco de Chico, que seria lançado no fim de 1966, e do segundo, 'Chico Buarque de Hollanda Vol.2', de 1967.
Do segundo disco, o MPB-4 canta a pouco conhecida 'Fica' (já bem no clima da época, dos versos 'Diz que eu sou subversivo/Um elemento ativo/Feroz e nocivo ao bem estar comum'), Odete Lara canta 'Será que Cristina Volta?' (na verdade parodiando para 'Será que Chiquinho volta?', como uma resposta a 'Odete levou meu sorriso...', Chico trocando 'A Rita', por 'Odete') e Chico e Odete lançam o dueto 'Noite dos Mascarados', feito para o show para o lugar 'Tamandaré', samba em que Chico ironizava a nota de cinco cruzeiros, que não valia nada e tinha a efígie do Almirante Tamandaré, patrono da Marinha, fora censurada (o primeiro da longa série de entreveros entre Chico e Censura).
Do primeiro disco, há desde os sucessos óbvios - 'Meu Refrão', 'Olê, Olá' (apelidado na época de 'Samba do padre' pelo verso 'Seu padre toca o sino...'), 'Pedro Pedreiro' - até grandes sambas de Chico inexplicavelmente esquecidos, como 'Você Não Ouviu' e 'Amanhã Ninguém Sabe', ou da canção 'Ela e Sua Janela', intricada melodia que Odete Lara desfia.
Mais obscura ainda é 'Malandro Quando Morre', samba da pré-história de Chico só gravado pelo MPB-4 e que tem nessa velha fita o único registro conhecido feito pelo autor.
- A intenção do show era revelar a obra do compositor - diz Fontoura. - Nós alugamos o Arpège, uma boate decadente que pertencia ao (organista) Waldir Calmon, e reformamos. O artista plástico Antonio Dias, sobre quem eu fiz um filme ('Ver Ouvir'), decorou a boate e fez o cenário. Ganhamos tanto dinheiro que todo dia eu saía do Arpège e ia comer caviar e beber vodka num restaurante russo no Posto 6, o Doubianski.
- Bebi o lucro do show e paguei a bebida para os amigos - confessa Carvana. - Tanto que depois me internei no Sanatório Botafogo para desintoxicar.
Ninguém sabia que o show fora registrado. Alguém gravou-o da cozinha. A fita de rolo, de ótima quaklidade, foi passada a Radicetti (que além de compositor é organista) por um amigo organista que já morreu. Pode, tecnicamente, virar precioso disco. Os arranjos de Magro são ótimos, tem Raul de Barros no trombone, o niteroiense Balu na flauta, Miltinho e Chico nos violões.
Chico ainda não ouviu. O pessoal do MPB-4, já.
- Éramos inexperientes, mas bem ensaiados. O resultado é bonito - atesta Magro.
No mínimo, a gravação pergunta e responde 'quem é Chico Buarque de Hollanda?' "
Do primeiro disco, há desde os sucessos óbvios - 'Meu Refrão', 'Olê, Olá' (apelidado na época de 'Samba do padre' pelo verso 'Seu padre toca o sino...'), 'Pedro Pedreiro' - até grandes sambas de Chico inexplicavelmente esquecidos, como 'Você Não Ouviu' e 'Amanhã Ninguém Sabe', ou da canção 'Ela e Sua Janela', intricada melodia que Odete Lara desfia.
Mais obscura ainda é 'Malandro Quando Morre', samba da pré-história de Chico só gravado pelo MPB-4 e que tem nessa velha fita o único registro conhecido feito pelo autor.
- A intenção do show era revelar a obra do compositor - diz Fontoura. - Nós alugamos o Arpège, uma boate decadente que pertencia ao (organista) Waldir Calmon, e reformamos. O artista plástico Antonio Dias, sobre quem eu fiz um filme ('Ver Ouvir'), decorou a boate e fez o cenário. Ganhamos tanto dinheiro que todo dia eu saía do Arpège e ia comer caviar e beber vodka num restaurante russo no Posto 6, o Doubianski.
- Bebi o lucro do show e paguei a bebida para os amigos - confessa Carvana. - Tanto que depois me internei no Sanatório Botafogo para desintoxicar.
Ninguém sabia que o show fora registrado. Alguém gravou-o da cozinha. A fita de rolo, de ótima quaklidade, foi passada a Radicetti (que além de compositor é organista) por um amigo organista que já morreu. Pode, tecnicamente, virar precioso disco. Os arranjos de Magro são ótimos, tem Raul de Barros no trombone, o niteroiense Balu na flauta, Miltinho e Chico nos violões.
Chico ainda não ouviu. O pessoal do MPB-4, já.
- Éramos inexperientes, mas bem ensaiados. O resultado é bonito - atesta Magro.
No mínimo, a gravação pergunta e responde 'quem é Chico Buarque de Hollanda?' "
O Chico sessentista não só era conhecido como sambista como várias de suas músicas dessa época falava sobre o samba.Nos anos setenta é que surgiu a dicotomia samba e MPB.
ResponderExcluirChico Buarque em seu início de carreira tinha uma ligação muito forte com o samba, de autores como Noel Rosa (com quem era constantemente comparado), Ismael Silva, Wilson Batista, etc. Aos poucos sua música foi ganhando outros contornos e ampliando seu estilo
ResponderExcluirFato.
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