" Em 67, acima das discussões de música popular x jovem guarda, Gilberto Gil e Caetano Veloso assimilam antropofagicamente as inovações do som pop, as surpreendentes harmonizações dos Beatles e lançam um sonho: o som universal. A música integração, o tropicalismo. A descoberta de Oswald de Andrade, a Semana de Arte Moderna de 1922, o concretismo dos irmãos Augusto e Haroldo de Campos e a oficializada união a Gal Costa (cantora), Tom Zé (compositor), Torquato Neto e Capinam (letristas) e Rogério Duprat (maestro), sob a capacidade empresarial de Guilherme Araújo.
'O tropicalismo é uma tentativa ao mesmo tempo, de unificação e diversificação. Unificação de todas as possíveis combinações de elementos. Som universal porque o tropicalismo reunia as conquistas mais recentes no plano internacional. Era a música dos jovens, dos Beatles, de Jimi Hendrix, da segunda geração do rock, a geração da música pop. A gente incluiu muito isso, mas também recomentou todo o passado da música, do choro, de Noel, de música caipira. Surgiram os Mutantes, que vieram a ter um papel muito importante nessa visão de ecletismo, de sincretismo musical. A união de gêneros, de coisas díspares, tentar e conseguir colocar certas coisas no mesmo barco possibilitou essa abertura e deu margem a que surgissem mil coisas. Destruiu a visão retilínea, aquela visão de linearidade. Criou esse processo de intersecção de gêneros e condutas musicais e, por isso mesmo, criou uma abertura até hoje a tônica da música brasileira. De lá pra cá, mil coisas contraditórias surgiram, buscando e conseguindo ocupar espaços relativamente importantes no contexto todo, de música.'
As inovações, entretanto, tão bem aceitas no princípio, começam mais tarde, em 68, a apresentar sinais contrários. Novas músicas (Bat Macumba, Cérebro Eletrônico), o programa 'Divino Maravilhoso' na TV Tupi de São Paulo e 'Geléia Geral' no Festival do Tuca (Teatro da Universidade Católica - SP) terminam por criar um clima opressor, de incompreensão e desagrado. A situação torna-se insustentável. Em 69, Londres é a solução.
Desta vez, profundas transformações alteram sua vida, e consequentemente seu trabalho. A música e Londres estão no estágio máximo de ebulição e experimentação sonoras. Os Beatles, os últimos concertos de Jimi Hendrix e Bob Dylan, após quatro anos ausente, compõem o sedutor quadro do mundo pop.
Mas, um inexperiente anonimato permite uma introspecção maior, um necessário e envolvente contato músico/instrumento/voz. 'É nessa época que minha forma de tocar se desenvolve, que eu pego a guitarra e me volto, em termos de horas e de trabalho, sobre o instrumento. Eu me torno melhor instrumentista, melhor criador de música moderna. Eu me identifico mais com o rock, com o jazz progressivo, tomo contato com as invenções recentes de Miles Davis. E volto em 72 com uma música inteiramente diferente, uma visão, uma postura muito diferente. Volto com uma performance individual, com uma banda própria, com uma personalidade, como band-leader. Volto como um intérprete, um showman. Com uma coisa do cara que sobe no palco, lidera uma banda e, ao mesmo tempo, traz composições novas.'
Uma segurança, até certo ponto explicável por uma bem sucedida excursão europeia (Amsterdã, Munich, Viena) ao lado de Sérgio Mendes (mas se apresentando sozinho), durante a qual mostra composições antigas e recentes e um disco relativamente bem aceito na Alemanha e Holanda, onde já é reconhecido nas ruas.
Em 71, porém, tenta os EUA com um show de 15 dias na off-Broadway e um especial para a NBC. Apesar da forte competição no mercado norte-americano, busca a colocação do disco feito na Inglaterra. Consegue uma elogiosa crítica no New York Times e um circuito por cinco universidades de Nova York.
A partir daí, os empresários sentem-se mais seguros, mas 'surgiu a possibilidade de eu voltar para o Brasil. E era o que eu mais queria, pois já estava há três anos fora. A minha situação de estar fora era muito instável, do ponto de vista psíquico. Eu saí sem ideia de quando voltar, com uma possibilidade de nunca voltar. Então não vacilei. Preferi voltar para casa e recomeçar aqui.'
Uma banda própria - Tutti Moreno (bateria), Bruce (baixista), Perna Fróes (pianista) e o próprio Gil (guitarra) - o primeiro circuito universitário e um som mais pop sintetizam a ansiosa volta.
'Expresso 2222' é gravado em São Paulo, após uma temporada no TUCA, 'já tem forró, rock, minha música, já é mutação mesmo. É 'Back in Bahia', 'O Sonho Acabou', 'Chiclete com Banana', 'Oriente'.
A reação do seu fiel e novo público, garotos de 15 anos, formado pelos jornais, revistas e discos, é muito efusiva, pois 'foram anos que proporcionaram o assentamento do consumo do trabalho tropicalista. A parte mais nova do nosso trabalho foi descoberta e consumida quando não estávamos aqui. Era a volta de ilustres desconhecidos, conhecidos desconhecidos.'
Na realidade, as concorridas apresentações e o sucesso do disco, somados a um novo circuito universitário, não são suficientes para a sede de Brasil. Acontece, então, a necessária volta a Bahia, às raízes. A descoberta da praia, do lazer, e principalmente dos sentimentos, o encontro com os pais, a vida familiar. Basicamente, o repertório de 'Refazenda', o som brasileiro, interiorano, nova mutação.
'O Expresso 2222 é uma explicitação da vivência pop, da música progressiva, da música experimental, de todo o tropicalismo ligado a Londres, Europa e Estados Unidos. 'Refazenda' já é o pop rural retomando as raízes nordestinas, o Luiz Gonzaga da infância, experiência nova com vivência antiga. É sertão, é Brasil, é tudo de novo depois do rock, logo é rock também.'
Um trabalho, portanto, inegavelmente marcado pelo hibridismo, integração e conciliação de ciclos e posicionamentos que se interagem e no qual 'Caetano Veloso influencia Ney Matogrosso, e por sua vez é reinfluenciado.'
A mesma linha do início da carreira, quando uma tríade de emoções marca indelevelmente o seu trabalho: a constante necessidade, abertura às informações, a absoluta naturalidade e o risco, as inovações. Uma complexa gama de experiências, que permitem seguras opiniões e observações sobre toda a estrutura musical brasileira, até mesmo o polêmico rock e o country tupiniquins. "
(continua)
'Expresso 2222' é gravado em São Paulo, após uma temporada no TUCA, 'já tem forró, rock, minha música, já é mutação mesmo. É 'Back in Bahia', 'O Sonho Acabou', 'Chiclete com Banana', 'Oriente'.
A reação do seu fiel e novo público, garotos de 15 anos, formado pelos jornais, revistas e discos, é muito efusiva, pois 'foram anos que proporcionaram o assentamento do consumo do trabalho tropicalista. A parte mais nova do nosso trabalho foi descoberta e consumida quando não estávamos aqui. Era a volta de ilustres desconhecidos, conhecidos desconhecidos.'
Na realidade, as concorridas apresentações e o sucesso do disco, somados a um novo circuito universitário, não são suficientes para a sede de Brasil. Acontece, então, a necessária volta a Bahia, às raízes. A descoberta da praia, do lazer, e principalmente dos sentimentos, o encontro com os pais, a vida familiar. Basicamente, o repertório de 'Refazenda', o som brasileiro, interiorano, nova mutação.
'O Expresso 2222 é uma explicitação da vivência pop, da música progressiva, da música experimental, de todo o tropicalismo ligado a Londres, Europa e Estados Unidos. 'Refazenda' já é o pop rural retomando as raízes nordestinas, o Luiz Gonzaga da infância, experiência nova com vivência antiga. É sertão, é Brasil, é tudo de novo depois do rock, logo é rock também.'
Um trabalho, portanto, inegavelmente marcado pelo hibridismo, integração e conciliação de ciclos e posicionamentos que se interagem e no qual 'Caetano Veloso influencia Ney Matogrosso, e por sua vez é reinfluenciado.'
A mesma linha do início da carreira, quando uma tríade de emoções marca indelevelmente o seu trabalho: a constante necessidade, abertura às informações, a absoluta naturalidade e o risco, as inovações. Uma complexa gama de experiências, que permitem seguras opiniões e observações sobre toda a estrutura musical brasileira, até mesmo o polêmico rock e o country tupiniquins. "
(continua)
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