Palavras Domesticadas

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terça-feira, 15 de novembro de 2016

Erasmo Carlos - Entrevista Revista Casseta Popular (1992) - 1ª Parte

Em 1985 surgiu no Rio de Janeiro um jornal de humor que fez muito sucesso, chamado O Planeta Diário. Algum tempo depois uma revista nos mesmos moldes também era lançada: Casseta Popular. Ambas publicações eram escritas por grupos de humoristas, que mais tarde se uniram para criarem para a Globo o programa Casseta e Planeta, unindo os nomes das duas publicações. O Planeta Diário continuaria sendo publicado até o início dos anos 90, e a revista duraria mais algum tempo. Em uma fase da Casseta Popular, eram feitas entrevistas com várias personalidades de várias áreas Em seu nº 53 o entrevistado foi Erasmo Carlos. Por se tratar de uma revista de humor, a entrevista é muito bem humorada, e Erasmo fala de diversas passagens de sua vida e carreira. Na apresentação da entrevista a revista diz:
"Ele é o melhor amigo do Rei. Está com 51 anos e continua em forma., mas durante a juventude comeu metade do Rio de Janeiro. (A metade, que o Rei não comeu...). Quando eles explodiram na época da Jovem Guarda, todas as meninas queriam saber o tamanho do Tremendão. A Casseta invadiu a mansão do Tremendão na Barra  da Tijuca e penetrou nos intestinos dos tempos do Iê-Iê-Iê, no bom sentido, é claro...".
Abaixo, a transcrição da entrevista:
Casseta - O que que sobrou do sexo, drogas e rock and roll?
Erasmo - O rock and roll sempre muda. As drogas também. Vão aparecendo drogas novas. E o sexo mudou também porque agora não se pode mais fazer, com medo de Aids, então ninguém faz mais...
Casseta - Só não mudou o 'e'. Mudou o sexo, drogas e o rock'n roll. Só o 'e' continua igual. Vem cá, você se considera um roqueiro?
Erasmo - Não, eu tenho esse rótulo, bicho, porque como eu surgi na geração do rock, do rock and roll, negócio de Elvis Presley, e as primeiras músicas que eu gravei foram foram rocks e tudo o mais sempre vai haver rocks na minha vida - então eu fiquei rotulado por uma parte de pessoas como roqueiro, mas eu sempre gravei samba nos meus discos, sempre gravei valsa, tango, sabe bicho, já gravei de tudo.
Casseta - Mas também não tinha um rótulo para comparar com o Roberto? O Roberto ficou como um romântico e o Erasmo, o roqueiro...
Erasmo - Pois é, bicho. Teve uma época na  minha vida, por exemplo, que eu sofri com isso. Eu falei, 'porra, eu nunca consegui fazer sucesso no samba' - e desde o primeiro disco eu gravo samba, samba, samba, nunca consegui fazer sucesso. Então um dia eu estourei com 'Coqueiro Verde', que é uma música que eu falo na Leila Diniz, no Pasquim e tudo, falo em Narinha, que eu estava namorando. Então aí quando eu fiz sucesso, eu fiquei maravilhado. 'Pô, eu sabia, eu sabia. (Risos) que eu ia fazer sucesso.' Depois veio 'Cachaça Mecânica' que foi outro sucesso, outro samba de sucesso.
Casseta - Como é que você conheceu o Roberto?
Erasmo - Conheci o Roberto, bicho, a gente estudava datilografia na Praça da Bandeira, lá no Colégio Ultra, mas era assim: 'Oi'. A gente não tinha assim intimidade, né? E ele já aparecia na televisão, num programa que tinha na TV Tupi, do Carlos Imperial. Era o programa assim toda terça-feira, era 15 minutos. Começava 15 para 1 da tarde e terminava 1 hora. Mas às  vezes atrasava lá porque tinha várias sessões, tinha música de ginástica - era um programa de variedades, entrevistas, engolidor de fogo, um monte de coisas. E às vezes o tempo ia... a gente, nos bastidores é que era sofrimento, né? Porque 15 minutos... aquilo era uma coisa maravilhosa. Mas às vezes ia 14, 13, 12 e a outra variedade ia tomando o espaço. Então às vezes tinha dias que chegava assim, 'e agora com vocês o Clube do Rock, e não sei o quê', e o cara entrava cantando, trá-lá-lá, tchiump (risos) cortava. E então ele já apareceu na televisão. E eu era vidrado em rock'n roll, então eu já sabia da existência desse programa e eu ouvia. Então um dia, eu morava na Tijuca, na Professor Gabizo, então um dia chegou lá em casa um amigo comum de nós dois, aí me apresentou a ele. 'Pô, você conhece o Roberto Carlos?' ´Pô, conheço você de um programa lá, às terças-feiras e tudo'. Ele disse 'pois é, eu estou precisando de uma letra, o Bill Halley vem ao Brasil e eu tô precisando de uma lera e me disseram que você tem tudo quanto é letra'. Eu disse 'porra!' Peguei meu caderno, fotos de Elvis, James Dean, Marlon Brando e tudo - e eu tinha um monte de letra. Então ele queria uma que o Elvis Presley cantava. Ele queria essa letra pra cantar no pré-show do Bill Halley no Maracanãzinho. Aí, então, eu cedi a letra pra ele e ele chegou e falou, 'olha, pô aí, legal, você curte rock e tal, aparece lá na televisão, você chega lá e não tem problema'. Então aí começou o meu drama. Porque aí eu comecei a frequentar mesmo a televisão, a TV Tupi lá na Urca. Eu comecei aquele negócio de conhecer o porteiro, é melhor que você conhecer o diretor, né, porque o porteiro deixa você entrar. Então aí eu comecei a fazer amizade lá, daqui a pouco tava lá dentro da televisão. Aí o produtor falou 'tô com fome, não tem ninguém pra comprar um sanduíche?' e aí eu, 'vamo lá'. Já ia lá. E então fui ficando amigo. Daqui a pouco eu comecei a namorar uma dançarina, que o show de rock naquela época era dividido em dança, o conjunto musical, as atrações, os cantores e os mimiqueiros, que faziam mímicas. Então eu comecei a namorar uma bailarina e então eu comecei a frequentar a intimidade deles. A gente saía de lá, 'hoje vamos numa festinha na casa de fulano', 'vamos agora para...' - tinha um barzinho que a gente frequentava em Copacabana chamado Snack Bar - eu não sei se tem até hoje, bicho. Lá no Posto 6. Então eu comecei a participar da intimidade.
Casseta - Mas o Roberto já tinha estourado com o 'Calhambeque' e essas coisas?
Erasmo - Não. Aí era um embrião ainda.
Casseta - O Tim Maia era dessa turma também?
Erasmo - O Tim, bicho, o Tim foi para os Estados Unidos porque o Tim foi criado comigo.
Casseta - Ele era magro?
Erasmo - Não.
Casseta - Careta?... Ele sempre foi músico?
Erasmo - O Tim, o pai dele, seu Altivo, ele tinha uma pensão. Dona Maria e seu Altivo. Então na minha casa a gente comia da pensão do seu Altivo. Acontece o seguinte, que aí o meu padrinho, que era o dono da casa - quer dizer, não é nem meu padrinho, o padrinho, o padrinho da minha mãe, e a madrinha dela, então eram os donos da casa. A gente morava lá. Então ele, coitado, ele era um senhor que carregava... Ele vendia botão, amostras de botão, e carregava uma mala pesada, desse tamanho, coitado, ele era muito tradicional, pessoa toda conservadora, né? Então usava um terno... aqueles ternos quentes, bicho, como o dia que tá hoje aí. Porra, ele com aquele terno quente, coitado, com aquela mala pela rua. Então ele chegava, ele tinha uma hora de almoço. Então ele tinha que comer correndo para sair naquele calor. Então eu ficava... eu tinha uma pena dele. Então eu comecei a ficar puto da vida porque a comida não chegava na hora. Então, menino, eu comecei a descobrir porque o Tim chegava, e ele vinha... era um negócio assim, um cabo de madeira lá cheio de argolas e as marmitas todas penduradas ali. Então ele ia nas casas todas distribuindo, ele é que entregava pro pai dele. E aí nada... O padrinho da minha mãe lá, coitado, 'pô, eu tenho que sair e a comida não chega'. E aí ele chegava, nego tava jogando bola, arriava as marmitas, ia jogar bola. Daqui a pouco dava fome, ele comia um pastelzinho (risos). E um comia o pastelzinho da outra. Então eu comecei, bicho, a descobrir isso. Aí um dia ele tava... eu fui lá no lugar que ele parava sempre pra jogar futebol, aí dei-lhe um esporro. Dei um esporro, o bicho tirou um ferro desse tamanho (gargalhadas), com tudo e saiu atrás de mim.
 Casseta - Ele sempre foi doido, ele nunca foi careta
Erasmo - Dei no pé e ele correndo atrás de mim. E aí eu cheguei em casa, tranquei o portão gritando 'ele quer me matar' (gargalhadas). 'O Tião quer me matar! O Tião quer me matar!' Aí, poxa, aí correu todo mundo. Aí minha família já ligou pro seu Altivo pra fazer queixa. 'Olha, o seu filho não tem consciência, olha o que ele fez. Quis matar o meu...' Isso a gente era pequeno, tinha seis, sete, oito, nove anos, dez, por aí.
Casseta - Décadas e décadas. Você encontra o Tim até hoje?
Erasmo - Pô, na madrugada é brabo. Quando ele liga na madrugada, bota um. Porque aí é duas horas no telefone, daqui a pouco desliga. Daqui a pouco liga de novo. 'Vai ouvir agora, o que é som, som é isso aí, rapaz!' (risos). Aí bota 'vêm sete mares, a vontade... Ouviu, ouviu, seu puto?' É assim, bicho. Aí eu tiro o telefone do gancho. 
Casseta - Vem cá, e naquela época. Tinha a Jovem Guarda e tinha os baianos que estouraram na mesma época, a Tropicália.
Erasmo - É, pouco depois.
Casseta - Pouco depois. Vocês se davam bem com os baianos?
Erasmo - Sempre.
Casseta - Sempre? Quando foi o negócio que...
Erasmo - Nunca teve problema nenhum com baiano. Tinha problema com a gente e com a MPB. A dita MPB na época, aquele pessoal, Elis Regina, Geraldo Vandré.
Casseta - Pessoal mais engajado.
Erasmo - Porque eles não gostavam da gente.
Casseta - Que eles achavam alienação.
Erasmo - É, mas a Jovem Guarda foi sempre um programa muito aberto, na Jovem Guarda ia Elizeth Cardoso, Angela Maria, Cauby Peixoto, Elis Regina, Paulinho da Viola, Chico Buarque, Caetano Veloso, Gilberto Gil. Sabe,bicho, todo mundo, nunca o auditório vaiou ninguém, sabe, era tudo uma alegria muito grande. Era uma festa.
Casseta - E quem comia mais gente naquela época? A Jovem Guarda ou a Tropicália?
Erasmo - Bicho, pela Tropicália eu não sei (risos). A Tropicália eu não sei. Eu sei que a Jovem Guarda comeu bastante gente.
Casseta - Muita gente.
Erasmo - Bastante gente "

(continua)

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