Palavras Domesticadas

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quinta-feira, 14 de abril de 2016

A Sombra Subversiva de Rogério Duarte - 1ª Parte

Hoje me chega a notícia do falecimento de Rogério Duarte, artista plástico dos mais atuantes de sua geração. Autor de algumas das capas de discos mais emblemáticas da MPB, principalmente do Tropicalismo, cuja estética visual encontrou em Rogério um artista perfeito. Além de discos, Rogério também se notabilizou na arte de cartazes de cinema, sendo a mais icônica a do filme Deus e o Diabo na Terra do Sol, de Glauber Rocha. Para homenagear esse grande artista reproduzo abaixo uma matéria sobre Rogério, publicada na edição de O Globo de 15 de junho de 1997, numa edição especial sobre os 30 anos do Tropicalismo, e os artistas plásticos que participaram do movimento, matéria assinada por Paulo Roberto Pires. Ao longo da postagem destaco algumas das obras desse grande artista plástico que foi Rogério Duarte.
"Quando a manhã tropical se iniciou, ele já estava lá. Os versos de 'Geleia Geral' só oficializavam a revolução estética que Rogério Duarte tramava silenciosamente com estrelas mais luminosas como Glauber Rocha, Hélio Oiticica e Caetano Veloso. Na contramão de seus contemporâneos por decisão pessoal, ele viveu estes 30 anos praticamente na sombra. Mas a 'família tropicalista', como Oiticica gostava de chamar o grupo, sempre teve Rogério Duarte como um de seus pais intelectuais. Foi ele quem apresentou Hélio a Caetano, iniciando uma longa rede de cumplicidade afetiva e artística.
Cartaz de Deus e o Diabo na Terra do Sol
- É difícil ficar identificando quem começou o quê, é preciso muitos ingredientes para uma coisa como esta acontecer. Oiticica e Glauber são farois, mas eu também me vejo como um pioneiro - diz Rogério - Eu era atuante no nível íntimo, no diálogo, gostava de apresentar as pessoas. Era o tipo do intelectual esnobe e fazia a cabeça deles por ser ligado às vanguardas, encomendar livros importados e discutir teorias. Era considerado eclético por ser músico, artista plástico, escrever e ser militante comunista.
Personagem-chave do livro que Caetano lança no segundo semestre pela Companhia das Letras, o designer gráfico, violonista clássico, poeta e romancista sai da toca este ano. Pela mesma editora, ele publica 'Canção do divino mestre', título da tradução do 'Bhaghavad Gita', parte o épico hindu 'Mahabharata'. Das viagens políticas e lisérgicas ao percurso espiritual que o transformou em brâmane, com duas iniciações, Rogério Duarte diz que chega aos 58 anos depurado por situações-limite na arte e na vida. Uma separação que, aliás, nunca fez muito sentido para ele e sua geração.
- Não éramos funcionários, o que pensávamos era o que vestíamos e fazíamos - avalia ele, - Nossa vanguarda colocava num mesmo plano o político, o estético, o existencial e o sexual. Era uma pré-holística mas também uma 'crioulística', um samba do crioulo doido.
Para o baiano de Ubaíra, este enredo começou em Salvador em plena efervescência artística da Escola de Teatro da Universidade da Bahia. Com a cabeça cheia das experimentações de vanguarda de gente como Martim Gonçalves e  o maestro Hans Joachim Kolireuter, ele chegou ao Rio em 1960, antes portanto de seu amigo de infância Glauber Rocha e da invasão tropicalista. Com uma bolsa concedida por Anísio Teixeira, aprendeu design gráfico com o revolucionário Aloísio Magalhães e, no meio dos artistas plásticos, conheceu Hélio Oiticica.
Primeiro disco de Caetano - 1968
- Todo mundo fala que São Paulo foi fundamental pra o tropicalismo, mas esta importância foi em lançar o movimento na cultura de massa. Foi no Rio que as coisas realmente aconteceram - diz Rogério, que em 1966 era professor de estética no MAM. - Aqui a sofisticação artística se aclimatou à coisa carioca do samba através do Hélio, encontrando ainda a síntese do samba de roda e da vanguarda baiana. A gente quebrava com um Rio de Janeiro jazzístico e meio branco, gostávamos de bolero, incorporávamos o mau gosto. Uma cidade de gente como Sérgio Porto e Paulo Francis via os baianos como grossos.
Quando a Tropicália caiu na vida, Rogério Duarte foi junto. Chegava a ser citado por Chacrinha em meio a cenários de bananeiras. Mas a prisão e a tortura em 68 funcionaram como um corte profundo, na sua carreira. 
- A tortura foi um golpe muito forte para mim, me tornou muito forte para mim, me tornou um introspectivo, fiquei para sempre nos cubículos - conta ele, que depois de deixar os quarteis ainda enfrentou um internamento no Hospital Pinel. - Eu enlouqueci totalmente, mas desde jovem tinha isso de ser independente, resistir aos rótulos. Era uma coisa meio torquatiana (uma referência a Torquato Neto), odiava tudo o que lembrasse beletrismo, só a vida interessava. Era muito autodestrutivo.
Disco tropicalista de Gil - 1968
Antes de se isolar completamente, Rogério  Duarte ainda atuou na imprensa do início dos anos 70. Um texto seu foi publicado no número único da revista 'Navilouca' e ele assinou a programação visual de jornais alternativos como 'Flor do Mal' e 'Kaos'. Seguiu-se um período de retiro (um 'in-xílio', como ele diz) no interior da Bahia e num mosteiro budista em Santa Teresa. Hoje ele vive em Brasília e está sem emprego, esperando o resultado de um processo de notório saber (ele não tem educação formal) para filiá-lo à UNB.
- Me pergunto: por que não morri, por que os amigos me citam? Há um compromisso com a vida e o mundo do qual não posso fugir - diz ele, que pensa em publicar seus escritos. - Tenho que me explicar, dialogar, me assumir socialmente. eu tentava me refugiar num impossível nada."

(continua)

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