Em 1991, cercado de grande expectativa, João Gilberto lançaria mais um álbum, intitulado simplesmente "João". Às vésperas do dia marcado para o lançamento o jornal O Globo fez uma matéria sobre o disco, colhendo depoimentos de Tom Jobim e do jornalista Moysés Fucks. A matéria, que tem por título "Uma bossa sempre nova", começa com o seguinte texto:
" 'João', o novo disco de João Gilberto, chega às lojas no dia 3 de abril. O cantor gravou 12 músicas (o LP tem apenas dez), entre elas 'Palpite Infeliz', de Noel Rosa, 'Ave Maria do Morro', de Herivelto Martins e 'Sampa', de Caetano Veloso. O Globo pediu ao compositor Tom Jobim e ao jornalista Moysés Fucks, editor dos suplementos Turismo, Família e revista da TV, do Globo, que comentassem o novo trabalho de João. Uma mesma frase aparece nos dois depoimentos; 'João é um gênio'. Em 1958, Fucks era diretor artístico do Grupo Universitário Hebraico do Brasil. Foi ele que organizou o primeiro show que reuniu o pessoal da bossa nova. João Gilberto e Tom Jobim não participaram, mas o espetáculo contou com Silvinha Telles, Carlinhos Lyra, Nara Leão, Roberto Menescal e Luizinho Eça e foi apresentado por Ronaldo Boscoli. Como Ruy Castro conta no livro 'Chega de Saudade - a história e as histórias da bossa nova', Fucks redigiu o programa do show, anunciando o evento como 'uma noite bossa nova'. Essa foi uma das primeiras vezes que aquele tipo de música foi associada ao termo 'bossa nova'. "
Abaixo, o depoimento de Tom Jobim:
Tom Jobim, João Gilberto e Stan Getz |
"Antes de mais nada, João Gilberto é um craque. Tenho todos os discos dele, desde o primeiro, 'Chega de Saudade', gravado pela Odeon em 1959, em 78 rotações. Considero João um patrimônio nacional. Ele é um grande sambista, é baiano, conhece todos os ritmos. Puxou ao pai, Seu Juveniano de Oliveira, que era músico em Juazeiro, onde João nasceu. Não gosto de tecer considerações sobre o trabalho de ninguém, mas João é formidável. Ele é bom para o Brasil. Não posso dizer que João continua o mesmo. Uma pessoa hoje não é igual no dia seguinte, mas ninguém deve ficar se preocupando se João mudou ou não, se ele está melhor ou pior. O importante é que João Gilberto é um gênio. O nome dele já está inscrito na História do Brasil.
Ouvi o disco novo pela primeira vez na quarta-feira à noite, dia 20. Era uma ocasião muito especial porque minha filha estava fazendo 4 anos. A casa estava muito barulhenta - era uma festa de criança - e a agulha do meu toca-discos não estava muito boa. Mas prestei atenção em algumas faixas, como 'Eu e o Meu Coração', de Inaldo Vilarinho e Antonio Botelho, e 'Palpite Infeliz', do Noel Rosa. Em 'João', João Gilberto gravou as músicas de que ele gosta, que estão dentro do seu coração. Algumas são clássicas, como 'Eu Sambo Mesmo', de Janet de Almeida, que abre o disco, e 'Eu e Meu Coração'. Eu mesmo gravei 'Eu e Meu Coração' pela Continental, com a Dóris Monteiro, há milhões de anos. Esse samba está muito bonito no disco, foi bem gravado pelo João.
Ele também canta bem em inglês o clássico do Cole Porter, 'You do Something To Me'. Pensado bem, tudo é clássico em 'João', como 'Ave Maria do Morro', do Herivelto Martins, que João ouvia em Juazeiro, e 'Sampa' do Caetano Veloso. E a gravação de 'Palpite Infeliz' é maravilhosa.
Esse repertório é uma curtição do João Gilberto. Nós não podemos ficar simplesmente repetindo os sucessos da época da bossa nova. João tem uma vida monástica. É um homem recluso, não gosta de badalação, não liga para bebida nem cigarro. É uma pessoa dedicada à arte e à música, que não está preocupado em ver seu disco na lista dos mais vendidos nem suas músicas na parada de sucessos das rádios. Ele simplesmente dá o melhor que pode para todos nós. Não sou crítico musical e detesto essa história de fazer crítica do trabalho dos outros. Os artistas são ótimos. Eles sabem das coisas muito antes das outras pessoas. O João deveria gravar sempre, cada vez mais. Mas eu sei que há outras coisas para fazer. Eu também não gravo com mais frequência porque tenho que trocar o pneu do carro, afinar o piano, mandar cortar a árvore que está caindo no jardim.
Conheço João Gilberto há muito tempo, poderia contar milhares de histórias, mas a memória não ajuda muito, são mais de 30 anos. Me lembro de uma história que o Ruy Castro conta no livro 'Chega de Saudade - a história e as histórias da bossa nova'. O episódio aconteceu durante as gravações do 'Getz/Gilberto', em Nova York, em 18 e 19 de março de 1963. Eram duas estrelas e eu participava das gravações do disco tocando piano. Como João não falava inglês, eu me sentia como Antonio, o intérprete. Naquela confusão de estúdio, o João se irritou com o Stan Getz e começou a xingá-lo, em português. O Getz queria saber o que o João estava dizendo e eu traduzia como 'ah, ele tem um enorme prazer em gravar com você'. Claro que o Getz desconfiou: 'com esse tom de voz, não parece que ele está muito satisfeito', disse. Mas o disco 'Getz/Gilberto' ficou muito bom. Mas o trabalho do João que eu mais gosto é o 'Amoroso', gravado na América em 1977. Como esse disco é bonito! O mundo inteiro respeita João Gilberto porque ele é um grande músico, um intérprete formidável. O João é uma pessoa muito criativa. E ninguém canta como ele. "
(continua)
Ele também canta bem em inglês o clássico do Cole Porter, 'You do Something To Me'. Pensado bem, tudo é clássico em 'João', como 'Ave Maria do Morro', do Herivelto Martins, que João ouvia em Juazeiro, e 'Sampa' do Caetano Veloso. E a gravação de 'Palpite Infeliz' é maravilhosa.
Esse repertório é uma curtição do João Gilberto. Nós não podemos ficar simplesmente repetindo os sucessos da época da bossa nova. João tem uma vida monástica. É um homem recluso, não gosta de badalação, não liga para bebida nem cigarro. É uma pessoa dedicada à arte e à música, que não está preocupado em ver seu disco na lista dos mais vendidos nem suas músicas na parada de sucessos das rádios. Ele simplesmente dá o melhor que pode para todos nós. Não sou crítico musical e detesto essa história de fazer crítica do trabalho dos outros. Os artistas são ótimos. Eles sabem das coisas muito antes das outras pessoas. O João deveria gravar sempre, cada vez mais. Mas eu sei que há outras coisas para fazer. Eu também não gravo com mais frequência porque tenho que trocar o pneu do carro, afinar o piano, mandar cortar a árvore que está caindo no jardim.
Conheço João Gilberto há muito tempo, poderia contar milhares de histórias, mas a memória não ajuda muito, são mais de 30 anos. Me lembro de uma história que o Ruy Castro conta no livro 'Chega de Saudade - a história e as histórias da bossa nova'. O episódio aconteceu durante as gravações do 'Getz/Gilberto', em Nova York, em 18 e 19 de março de 1963. Eram duas estrelas e eu participava das gravações do disco tocando piano. Como João não falava inglês, eu me sentia como Antonio, o intérprete. Naquela confusão de estúdio, o João se irritou com o Stan Getz e começou a xingá-lo, em português. O Getz queria saber o que o João estava dizendo e eu traduzia como 'ah, ele tem um enorme prazer em gravar com você'. Claro que o Getz desconfiou: 'com esse tom de voz, não parece que ele está muito satisfeito', disse. Mas o disco 'Getz/Gilberto' ficou muito bom. Mas o trabalho do João que eu mais gosto é o 'Amoroso', gravado na América em 1977. Como esse disco é bonito! O mundo inteiro respeita João Gilberto porque ele é um grande músico, um intérprete formidável. O João é uma pessoa muito criativa. E ninguém canta como ele. "
(continua)
Eu,você,João girando na vitrola sem parar...
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