A Revista do CD nº 10 (janeiro de 1992) trazia uma matéria com Gilberto Gil, que estava lançando o disco Parabolicamará. A matéria, logicamente, fala do disco, das músicas, da concepção do trabalho, etc, e também traz um depoimento do maestro e arranjador Rogério Duprat, que trabalhou com Gil e demais tropicalistas. A matéria diz "O maestro Rogério Duprat tornou-se cúmplice das 'loucuras' de Gil desde o início do Tropicalismo". Segue abaixo a transcrição do box que traz o depoimento do maestro e arranjador, e que é assinado por João Carlos Baldan:
"Ao arquitetar o estonteante e premiado arranjo da música Domingo no Parque, de Gilberto Gil - cuja apresentação feita pelo próprio Gil no Festival da TV Record de 1967 praticamente inaugurou o Tropicalismo no país - o maestro Rogério Duprat, 60 anos, tornou-se uma espécie de regente do movimento. É que, indisfarçavelmente, sua participação foi sobretudo um ato de cumplicidade que perdurou até o ano seguinte, quando o peso da repressão exilou Caetano e Gil em Londres. Atualmente Duprat, aposentado, passa a maior parte do tempo no seu sítio em Itapecerica da Serra (Grande São Paulo), dedicado à literatura, a estudos de ciências exatas e à marcenaria. Aqui, ele fala de Gil e do célebre arranjo de Domingo no Parque: 'O convite para fazer o arranjo partiu do maestro Júlio Medaglia, que fazia parte do júri dos festivais da Record, que havia imaginado uma feição cinematográfica para a música. Mas ocorre que Gil é uma arte-final, compõe sempre muito bem-acabado, de modo que o arranjo era só para enfeitar, como, aliás, deve ser. O arranjador é um ornamentador, que deve trabalhar com arte. Pensei, em princípio, em trabalhar com o conceito de simplicidade e inovação; com a originalidade dentro da redundância. Nessa linha tinha que seguir um pouco o caminho de Radamés Gnatalli, como aquele seu jeito na introdução de Aquarela do Brasil. Em todo caso, acrescentei e desvirtuei. Na verdade, foi uma junção de três experiências: e de Gil, músico e bem informado com tempero baiano; os Mutantes, primeiro grupo de rock importante do país; e eu, que posso me autodefinir como um guerrilheiro cultural também. Juntei características da música eletrônica e atonal - estudei com Stockhausen na Alemanha nos anos 60 - com a música popular de Gil; resolvemos enfrentar preconceitos inesperados de colegas ao introduzir instrumentos eletrônicos; as guitarras estavam chegando à MPB. Nomes consagrados como Chico Buarque e Geraldo Vandré contestavam, achavam que se tratava de colonialismo cultural. Como já tinha mais de 30 anos, entrado no PC (Partido Comunista) aos 18, brigado com muito stalinista na vida, não tinha mais saco para discussões; partia para o trabalho.
Rogério Duprat |
'Mas o fato é que o trabalho estava batizado pelo Tropicalismo como um todo, disparado pela invasão baiana a São Paulo em 1967. Dela Gilberto Passos Gil Moreira era o melhor músico; na trupe do desbunde, o mais versátil. Cantava bem, tocava bem, pensava bem. E também era inovador. Sempre foi e é ligado a tudo. Fala com você e filosofa; percebe a a mosca e quer ver o sentido do voo - tudo ao mesmo compasso. A permanente mudança é seu mérito, até porque nunca sabemos o que ele vai fazer amanhã. Ele passou por mil ondas: do Fino da Bossa (quando Elis Regina gravou músicas tradicionais da MPB) até a vivência tropicalista. Teve depois o exílio de dois anos na Inglaterra; teve sua volta, a readaptação, a redescoberta, a refazenda. Depois Gil fez reggae como Bob Marley, fez rap, fez tudo... Hoje nem dá para imaginar. Mas sair em 68 com bata, cabelão, barba, ele e Caetano - era preciso coragem e a certeza do que se queria fazer. Era iminente a mudança, seja nos costumes, nas roupas, no modo de viver, na música. era preciso saber o que fazer. E Gil sabia, adiantado'. "
Adorava a Revista do CD,comprei alguns números.
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