Nessa segunda parte, são transcritos o depoimento do jornalista Moysés Fucks, e uma resenha do disco, que não traz assinatura. Abaixo o texto do jornalista:
" Quando ouvi 'Eu Sambo Mesmo', a primeira faixa do novo disco de João Gilberto, pensei em trocar 'sambo' por 'canto'. A letra da música de Janet de Almeida ficaria assim: 'Há quem cante muito bem/ Há quem cante por gostar/ Há quem cante/ Por ver os outros cantar/ Mas eu não canto/ Para copiar ninguém/ Eu canto mesmo com vontade de cantar/ Por que no canto eu sinto o corpo remexer/ E é só no canto/ Que eu sinto prazer'.
Ficou perfeito. Ficou 'João Gilberto', que se deu até ao luxo de gravar composições pouco familiares a muitos ouvidos das mais variadas idades. Na realidade, esperava que João regravasse alguns clássicos da bossa nova com uma outra roupagem (bossa?) porque a bossa nova é João Gilberto e João Gilberto é bossa nova. E no entanto não encontro em 'João' nenhum dos hits que marcaram a bossa nova há 30 e poucos anos. Mas o mito pode se dar ao luxo de não gravar nada daquilo que se espera. Uns vão odiar, outros vão amar, mas é difícil alguém ouvir João Gilberto e dizer simplesmente 'é, gostei'. Nada de mais ou menos. Ou você ama ou você odeia.
Se você mostrar esse disco para quem nunca ouviu falar de João Gilberto - garotos de 15, 16 anos, a 'turma' do rock, do funk - certamente eles vão dizer: 'o que é isso, que ritmo é esse, quem é esse cantor?' Quer dizer, João Gilberto causa ainda a mesma sensação de estranheza que ele provocou há mais de 30 anos. As pessoas se mobilizam. É por isso que eu digo; 'João', o disco, é uma constatação. Ele é gênio, ele é diferente. Mas gostaria de ouvir agora aquilo que foi gravado em 78 rotações, como 'Chega de Saudade', do Tom Jobim e do Vinícius de Moraes, e 'Bim Bom'? Simples curiosidade de alguém que participou de certa forma do lançamento da bossa nova.
João continua intimista. E acima do bem e do mal. Ouvindo o disco, a gente se sente como se - dando um verdadeiro drible no tempo - estivesse na casa da Nara Leão (saudades, musa) sentadinho no chão, tomando cuba libre, ouvidos e olhos atentos. Ou, para ser mais atual, é como se você estivesse em Caracala, onde houve o encontro de Luciano Pavarotti, Placido Domingo e José Carrera. Você ouve a respiração, a batida do coração do João, tal a intensidade, a sinceridade artística que só os gênios conseguem transmitir. E como todo gênio é excêntrico, esse também é um disco excêntrico - no repertório. O trabalho homenageia alguns nomes da velha guarda da música popular brasileira, ao mesmo tempo em que inclui 'Sampa', de Caetano Veloso, um compositor cada vez mais atual. É um disco de homenagens, em que João Gilberto vai agradecendo não só às pessoas como às situações e aos lugares que fizeram dele um artista único. São Paulo é um deles. Embora a bossa nova tenha nascido na Zona Sul do Rio de Janeiro, João Gilberto estourou em São Paulo.
João consegue transformar canções tipo kitsh, como 'Que rest-t-il de nous amours', de Charles Trenet e Leon Chauliac, numa peça importante a até contemporânea. Ele puxa a música - gravada apenas na versão em CD - para a atualidade, através do talento, aliado à voz, ao ritmo e aos arranjos. Talento aí é sentimento. Todo mundo é um pouco kitsh e um pouco contemporâneo. Essa combinação se nota principalmente nas músicas estrangeiras, como a do Charles Trenet. Pena também que não tenha sido incluído no LP 'Sorriu pra Mim', de Garoto e Luiz Cláudio. A bossa nova deve muito à batida do violão de Garoto.
Fiquei com gosto de quero mais. E isso é bom. Com o disco em casa, João Gilberto pode ficar resfriado, afônico, indisposto, dizer que não vai cantar. Tudo bem. Com este 'João', o show está garantido."
Abaixo, a resenha do disco:
"Demorou quase um ano mas saiu. Parecia obra de igreja, cujos trabalhos se arrastam cuidadosa e lentamente. Sem a pressa que incomoda os mortais e com a inspiração dos gênios, o novo disco de João Gilberto, intitulado apenas 'João', está finalmente pronto.
A aventura começou em maio do ano passado. Entre os dias 16 e 18, sempre à noite, João Gilberto cantou 12 músicas acompanhado apenas do violão Di Giorgio, no estúdio da PolyGram, na Barra da Tijuca. Em alguns casos, ele gravou a mesma canção em várias versões, takes diferentes, para escolher. Comenta-se nos bastidores que o samba 'Rosinha', de Jonas Silva, recebeu nada menos que sete registros; e 'Eu Sambo Mesmo', de Janet de Almeida, ganhou seis. Houve quem jurasse, como o Diretor Artístico Mayrton Bahia, que todos eles estavam perfeitos.
Mas João é obsessivamente perfeccionista. Acha defeito onde os outros não veem. Ele chamou o mesmo maestro americano Claire Fisher para fazer os arranjos, depois da recusa de Johnny Mandel e Claus Ogermann. Apesar do lançamento ter sido marcado para agosto passado, o disco só foi mixado no mês seguinte, em São Francisco, Califórnia (EUA). Depois de tanto folclore sobre a excentricidade do artista e os sucessivos adiamentos, 'João' vai estar ao alcance de todos a partir do dia 3 de abril, contendo dez canções em formato LP e cassete, e 12 em CD. "
João Gilberto com o compositor Denis Brean |
João consegue transformar canções tipo kitsh, como 'Que rest-t-il de nous amours', de Charles Trenet e Leon Chauliac, numa peça importante a até contemporânea. Ele puxa a música - gravada apenas na versão em CD - para a atualidade, através do talento, aliado à voz, ao ritmo e aos arranjos. Talento aí é sentimento. Todo mundo é um pouco kitsh e um pouco contemporâneo. Essa combinação se nota principalmente nas músicas estrangeiras, como a do Charles Trenet. Pena também que não tenha sido incluído no LP 'Sorriu pra Mim', de Garoto e Luiz Cláudio. A bossa nova deve muito à batida do violão de Garoto.
Fiquei com gosto de quero mais. E isso é bom. Com o disco em casa, João Gilberto pode ficar resfriado, afônico, indisposto, dizer que não vai cantar. Tudo bem. Com este 'João', o show está garantido."
Abaixo, a resenha do disco:
"Demorou quase um ano mas saiu. Parecia obra de igreja, cujos trabalhos se arrastam cuidadosa e lentamente. Sem a pressa que incomoda os mortais e com a inspiração dos gênios, o novo disco de João Gilberto, intitulado apenas 'João', está finalmente pronto.
A aventura começou em maio do ano passado. Entre os dias 16 e 18, sempre à noite, João Gilberto cantou 12 músicas acompanhado apenas do violão Di Giorgio, no estúdio da PolyGram, na Barra da Tijuca. Em alguns casos, ele gravou a mesma canção em várias versões, takes diferentes, para escolher. Comenta-se nos bastidores que o samba 'Rosinha', de Jonas Silva, recebeu nada menos que sete registros; e 'Eu Sambo Mesmo', de Janet de Almeida, ganhou seis. Houve quem jurasse, como o Diretor Artístico Mayrton Bahia, que todos eles estavam perfeitos.
Mas João é obsessivamente perfeccionista. Acha defeito onde os outros não veem. Ele chamou o mesmo maestro americano Claire Fisher para fazer os arranjos, depois da recusa de Johnny Mandel e Claus Ogermann. Apesar do lançamento ter sido marcado para agosto passado, o disco só foi mixado no mês seguinte, em São Francisco, Califórnia (EUA). Depois de tanto folclore sobre a excentricidade do artista e os sucessivos adiamentos, 'João' vai estar ao alcance de todos a partir do dia 3 de abril, contendo dez canções em formato LP e cassete, e 12 em CD. "
O CD já é um produto vintage,imagine o LP e até o cassete?
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