Palavras Domesticadas

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quinta-feira, 3 de outubro de 2013

Chico Buarque na Bronca - Revista Careta - 1981 (2ª Parte)

"Como um lobo sabido e atento, a Polygram enviou, em janeiro, no dia seguinte à expiração (por decurso de prazo) do contrato de Chico, um protesto judicial à Ariola, advertindo para que esta não colocasse em funcionamento o contrato com o cantor, pois ele continuava preso a sua antiga grvadora, através de respeitável dívida. Passarinho sim, Chico, mas na gaiola do lobo.
E agora? O departamento jurídico da Ariola afirma que agiu muito criteriosamente, como manda o figuriino. Ou seja: antes de firmar o contrato com Chico vasculhou todos os cartórios, e só encontrou registrado o último contrato (assinado a 30 de março de 1977, e registrado a 5 de maio daquele ano), pelo qual o cantor deve à Polygram apenas duas obras. 'E sobre elas, que representam um compacto - afirma a gravadora alemã -, estamos totalmente dispostos a entrar em acordo. Mas não sobre  4 LPs!' E, mais ainda, para demonstrar que a Polygram não está jogando limpo, o advogado da Ariola, Danilo Rocha, exibe a última página do 'contrato anterior', de 1974, onde aparece o registro em cartório feito a 16 de janeiro de 1981! 'Como podemos aceitar como válido um contrato registrado seis anos depois! Assinamos o nosso com o Chico a 31 de dezembro de 1979, e naquela época esse de 1974 não estava registrado, portanto não existia para terceiros.'
Tranquilo, Jorge Costa, o advogado do lobo, responde que o contrato, mesmo não registrado na ocasião, vale sim, se vale, na medida em que o de 1977 menciona a sua existência e o incorpora, o mesmo ocorrendo com todos os contratos anteriores, desde 1971, redigidos de maneira semelhante. Muito cioso o advogado explica ainda que a Polygram (sem dúvida preocupada com os destinos da música popular brasileira) não se coloca contra o Chico, mas contra a  Ariola, que assinou o contrato assim dessa forma, quando não podia fazê-lo. 'Estamos com o Chico, não contra ele', insiste o Dr. José. Ouvindo frase tão calorosa e desprendida, não consigo deixar de pensar que são amigos como esse que lascam a nossa vida. Tão bom se eles não existissem, ou tivessem a dignidade de se declarar inimigos, sem tergiversar. Selva danada, essa.
Por sua vez, Roberto Menescal, o executivo de calça Lee do lobo, acrescenta, muito solene: 'Questão de interpretação, questão de interpretação do contrato. Cada um olha de um jeito, e por isso também existe o juiz para ser mediador.' Defendendo bem as suas cores, ele fala claramente: 'Não estamos a fim de perder o Chico, nenhuma gravadora estaria, e vamos fazer tudo para não perdê-lo!' Mas Menescal, Menescal, pondero eu, e a música popular brasileira? Esta questão pode se arrastar por dois ou três anos, você, afinal, como compositor, não acha que é um grande prejuízo para nossa música, o Chico, o Chico Buarque de Hollanda, ficar sem gravar tanto tempo?! Nem por isso ele esquenta a cabeça: 'Não será a primeira vez que Chico não gravará durante dois ou três anos, ele já fez isso antes e, depois, você não acha também que 4 LPs do Chico não realizados representam um grande prejuízo para a gravadora?' Sem dúvida, Menescal, questão de perspectiva. Você se preocupa com os prejuízos da Polygram, e outros, como eu, o do Chico e da música popular brasileira.
A conversa prossegue e Roberto Menescal faz questão de destacar que não gosta de tratar dessas coisas não. 'Para resolvê-las existe o departamento jurídico, o advogado. Cada um na sua, ele de terno e eu de calça Lee. 'Lembra depois, convicto, que os contratos do Chico foram feitos 'pelo tio dele', a Polygram limitou-se simplesmente a aceitá-los. (Segundo pude apurar, apenas o primeiro contrato, de 1969, foi feito mesmo pelo tio, pois o cantor se encontrava na Itália, e então recorreu ao irmão de sua mãe. Mas, no de 1971, o tio já estava totalmente fora da jogada, pois Chico retornara ao Brasil).
Finalmente, Menescal aproveita a oportunidade até para tripudiar um pouco, vejam só, 'Sabe - diz-me ele - se der, até faço outra musiquinha com o Chico. Já tenho mesmo uma música para ele botar a letra, só tou meio envergonhado de no meio desse bolo mostrar para ele...' Qual é, Menescal?
Mergulhado até o pescoço em todo esse 'imbroglio' fica Chico tenso, nervoso, acabrunhado, sem ânimo nem cabeça para trabalhar, para criar. O seu próprio processo criativo é o mais atingido. A Ariola diz que vai gravar um disco com  ele até o fim do ano, de qualquer jeito, mesmo correndo o risco de ser processada. Será mesmo? A essa altura, ele já deveria estar no estúdio, e não está. Por outro lado, produzir músicas para outro cantor, ou uma peça, segundo ele, é muito diferente do que produzir para seu próprio disco. A motivação deste último é muito maior. Sem falar que o clima de tensão já se prolonga por mais de um ano. - como criar qualquer coisa assim? É, a Polygram talvez esteja perdendo uma boa nota, porém, Chico e nossa música, certamente, perdem coisas bem mais importantes.
'Incrível, quando termina a censura, a pressão oficial, etc, começa outra coisa. É muita coincidência. Uma coisa substitui a outra. Mas olhe, se eu soubesse que ia ser assim... fazia tudo de novo'. É isso aí, Chico."

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