Palavras Domesticadas

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quarta-feira, 2 de outubro de 2013

Chico Buarque na Bronca - Revista Careta - 1981 (1ª Parte)

Em 1981 Chico Buarque trocou de gravadora. Depois de anos na Polygram, assinou com o selo Ariola, que acabara de se estabelecer no Brasil. Mas essa transição não foi tranquila, pois por questões legais e contratuais Chico ficou impedido de lançar o disco que estava planejando. Essa questão acabou estremecendo sua relação com o produtor Roberto Menescal, diretor de sua antiga gravadora, que inclusive havia sido recentemente seu parceiro em "Bye Bye Brasil", tema do filme de Cacá Diegues. Essa situação acabou inspirando Chico a compor "A Voz do Dono e o Dono da Voz", onde ele ironiza a situação, que ele gravou em "Almanaque",seu primeiro e adiado disco na nova gravadora.
Em sua edição de julho de 1981 a revista Careta descreve a situação em uma matéria assinada por Helena Salém, intitulada "O Lobo Silencia Chico". Segue abaixo a primeira parte:
"Chico Buarque anda tenso, nervoso, acabrunhado. A essa altura, já devia estar gravando seu novo LP, produzindo, cantando. Mas não pode. É que ele se viu enredado na armadilha do lobo. Uma armadilha bem pensada, preparada, de quem não brinca em serviço. Explico: sem a malícia necessária, Chico tratou o lobo (leia-se : a Polygram, gravadora holandesa multinacional) como se fose gente, numa boa. Relaxou, deu, recebeu como só se faz entre as pessoas. Enquanto ele disse sim, tudo bem, a fera também riu, parecendo mesmo gente. Até que o cantor resolveu dizer não, deixar aquele domínio ferino. Então aí ela esbravejou, com  as garras e os dentes em riste: 'Alto lá, rapazinho, sou lobo, não sou gente, se você se esqueceu, azar o seu.'
Azar o do Chico, e da música popular brasileira. Eles que se danem, não o lobo multinacional. Afinal, foi para isso que ele sempre armou suas armadilhas, mesmo quando não pareciam importantes. Mas elas estavam lá, rapidamente acionáveis, se fosse o caso. E foi. Depois de gravar durante 11 anos com a Polygram, renovando sucessivamente seus contratos, Chico Buarque decidiu fazer as malas e ir para outra gravadora, a Ariola (multinacional alemã), que lhe ofereceu condições bem melhores de trabalho e remuneração. O último contrato de Chico com a Polygram, de três anos, vencia a 8 de janeiro último, e por isso mesmo o cantor, um ano antes, assinou com a Ariola um outro contrato (de dois anos), para vigorar a partir do dia 9 de janeiro.
Negociação para lá, negociação para cá, ainda com o aspecto de gente, a Polygram fez o que pôde para conservar o seu cantor, um produto que vende, e muito. Não conseguiu. A proposta da concorrente era materialmente muito melhor, por que Chico não a aceitaria? Multinacional por multinacional, ora, há de se escolher a mais generosa (?). Crente que era passarinho, dono de seu destino, Chico foi em frente. E logo, esbarrou com o lobo, que lhe arreganhou um sorriso todo poderoso.
'Tá pensando que vai partir assim, como quer, qual, qual!' - disse-´lhe então o lobo, enfurecido. 'Vai não senhor, porque não pode não.' E, com aquelas patas horríveis, unhas imensas e venenosas, empunhou vitorioso sua armadilha: o contrato. O contrato, com 17 cláusulas, muito bem pensadinhas, que Chico assinara em março de 1977, como sempre fizera no passado, sem dar muita importância aos seus meandros e particularidades, numa boa, relaxado. Por exemplo: ele nem dera atenção à cláusula nº 11, que afirmava: 'Fica incorporado nesta data o contrato anterior de interpretação, assinado em 7 de janeiro de 1974.' Detalhe: pelo 'contrato anterior', Chico deveria gravar 60 obras (faixas) em quatro anos, equivalentes a cinco LPs. E pelo contrato de 1977, 48 obras em três anos. Sendo que, segundo a regulamentação vigente (favorável às gravadoras, evidentemente), não são computadas como 'obras' as faixas de um LP não interpretadas pelo cantor (como a maioria de 'A ópera do malandro'), assim como cantam somente apenas como 'meia-obra' aquelas interpretadas em parceria com outro cantor (como 'Que Será', com Milton Nascimento).
'Eu assinava aqueles contratos', explica Chico, irritado, ' nunca pensando em cumprir, e não cumpria mesmo. Impossível para mim fazer mais de um LP por ano, ainda mais que eu sou compositor. Não dá. Mas tudo era feito num clima de cordialidade, não me passava pela cabeça que poderia vir a ter problemas'. Bobeou com o lobo, machucou-se. É a lei da selva. Nos 11 anos, Chico produziu discos (como 'Saltimbancos'), fez e aconteceu, tanto que ele se sente em crédito com a Polygram. "Se eu não tivesse dado mais, não teriam me oferecido luvas para renovar o contrato no ano passado.'
Lei da selva é lei da selva., não é refresco. 'Quem tem que ler o contrato é quem assina', professa trqnquilamente, com jeito de bom moço, Roberto Menescal, ex-parceiro de Chico, compositor, ou melhor, quer dizer, diretor artístico da Polygram. Um executivo de calça Lee, sim senhor. E pelo contrato, segundo a Polygram, Chico não é absolutamentye credor, mas um grande devedor da gravadora. Deve, nada mais, nada menos que 47 obras - o equivalente a 4 LPs! E tem que pagar, tem que pagar! No ano passado, antes de gravar 'Vida', Chico tentou chegar a um acordo. Muitas reuniões, muitas discussões, e tensão. Propostas e contrapropostas. A última que, para o cantor, parecia definitiva, era a que ele fosse mesmo para a Ariola mas fizesse ainda pela Polygram dois projetos musicais. Tudo acertado, só faltava o acordo da matriz em Amsterdã. 'Vida' foi para a rua, em cima do Natal. O cantor esperou até a última hora uma resposta a fim de autorizar a publicação do disco para não prejudicar seu próprio trabalho A resposta da matriz nunca chegou, e de lá para cá, diálogo interrompido."
(continua)

2 comentários:

  1. Onde se acha mais textos como este, senhor? Muito prazer, é minha primeira vez por aqui, chegada para ficar. Com sua licença.

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  2. Seja bem vinda. tiro as postagens de revistas antigas que guardo

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