quinta-feira, 1 de julho de 2021
Sérgio Dias Fala Sobre Os Mutantes - Revista Bizz (2000)
Publico agora a terceira e última postagem da entrevista e matéria com os Mutantes, publicada em novembro de 2000 na revista Bizz. Agora é Sérgio Dias quem fala sobre sua experiência com os Mutantes, e a continuidade que sempre procurou dar ao trabalho da banda, com diferentes formações e mudanças na sonoridade da banda, inclusive a fase progressiva, que dividiu os fãs da banda. Segue a matéria:
“Quando Gilberto Gil mostrou sua insatisfação com o arranjo de ‘Domingo no Parque’, classificada para o II Festival da Música Popular Brasileira, em 1967, o maestro Júlio Medaglia indicou um colega para executar a tarefa. De formação clássica, Rogério Duprat pretendia eliminar as barreiras entre o erudito e o popular, mas achava a MPB reinante muito careta. Até que conheceu os Mutantes. Como sabia da disposição de Gil, sugeriu acompanhá-lo. ‘Nenhum dos outros grupos tinha aquela ingenuidade gostosa, agradável, aquelas encenações que eles faziam’, lembra o maestro. Nascia ali, uma troca de influências que daria o que falar: Mutantes, Duprat e o tropicalismo.
Tão logo terminou sua participação em ‘Domingo no Parque, a banda foi convidada por Manuel Berenbein para gravar um disco. Produtor do pessoal da Jovem Guarda e da Bossa Nova, ele ‘comprou a briga dos tropicalistas com carinho e determinação’, como definiu Caetano Veloso. Arnaldo, Rita e Sérgio já vinham frequentando o Hotel Danúbio, onde encontravam com Gil, Caetano, Gal Costa, Beat Boys, Torquato Neto. E com Duprat. Os três chamavam a atenção pela porra-louquice, pela ausência de regras, exatamente o que os baianos estavam procurando, num tempo em que a simples menção de usar guitarra elétrica ouriçava os tradicionalistas.
- O que você acha da banda ser mais respeitada e reconhecida hoje do que quando estava em atividade?
Sérgio – Não entendo esse negócio de ‘ser reconhecido depois de 30 anos’. Só se for pelos gringos. No Brasil, Mutantes nunca parou de ser vanguarda, desde que surgiu. Nunca deixou de influenciar a música brasileira de todas as formas e maneiras. Acho legal, joia vir esse reconhecimento de fora, mas não faz tanta diferença assim a ponto de eu pensar: ‘Finalmente!’. Como ser mais reconhecido do que já fomos pelo público brasileiro, pela imprensa, durante esses anos e anos e anos em evidência?
- Os Mutantes tinham consciência da profundidade do que estavam fazendo, de seu papel revolucionário?
Sérgio – A gente sabia que era bom e sabia o que estava fazendo. Existia uma busca de excelência, orgulho de tocar bem, ter boas canções, bons vocais, boas letras. Diziam que eu era o melhor guitarrista daqui, por quê? Porque eu ralava 15 horas por dia! E por que eu fazia isso? Porque queria ser bom! Não queria estar abaixo dos meus ídolos: Les Paul, Nokie Edwards (dos Ventures)... Estudava tudo. Ouvia minha mãe tocar clássico e ia tirar na guitarra.
- Como, detestando MPB, deu-se a mistura que, no fim das contas, teve forte presença de sonoridades nacionais?
Sérgio – Para começar, a MPB que a gente odiava – e continuamos odiando – é qualquer música popular brasileira burra. Mas, naquela época, éramos fãs de Demônios da Garoa, de sertanejo... Por exemplo, ‘2001’ (que une sertanejo com rock pesado): não é uma citação, aquilo fazia parte de nossa bagagem musical.
- Qual era o papel de Dinho e Liminha?
Sérgio – Dinho foi um dos bateristas mais criativos e originais que conheci. Por mais simples que pareça, ele nunca fez o óbvio. Era a base, o alicerce. Liminha é um dos melhores baixistas do mundo – e eu já toquei com todos. Mas era normal creditarmos a autoria das canções ao coletivo. É o caso de ‘Ando Meio Desligado’: a música inteira é minha, a letra é de Rita.
- Hoje É O Primeiro Dia do Resto de Sua Vida é o segundo disco-solo de Rita Lee ou o último da banda?
Sérgio – A gente tinha gravado um disco e havia mais material composto. Como lançar dois álbuns no mesmo ano? Para não prejudicar as vendas do outro, gravamos no solo da Rita.
- Por que os Mutantes adotaram o som progressivo?
Sérgio – Criaram uma burrice em torno do nome ‘progresso’, que significa ir para a frente. Virou sinônimo de velho. Ridículo: o progresso é velho. Não foram os Mutantes que resolveram fazer progressivo, o mundo é que estava progressivo na época. Óbvio que havia uma barreira entre os caretas e os não-caretas. Sabe qual é o doidão? É aquele que cria e depois sua criatividade fala por ele. A gente era doidão – com ou sem ácido.
- Como a banda reagiu à saída de Arnaldo?
Sérgio – Foi um puta caos para mim, uma merda. A saída dele foi uma coisa muito complexa, muito... Não quero nem falar a respeito. De repente, o Arnaldo, a Rita e o Liminha não eram mais mutantes. Como vou deixar de ser quem eu sou? Continuei fazendo o que sentia, até perceber que não estava sendo correspondido pelos outros membros da banda.”
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