sexta-feira, 9 de julho de 2021
João Ricardo - Ex-Secos & Molhados - Lança Seu Segundo Disco (1976)
Após o grande estouro e o sucesso estrondoso dos Secos & Molhados, e sua dissolução, após o lançamento de seu segundo disco, o grande desafio de seu fundador, João Ricardo, foi o lançamento de sua carreira-solo. Já em 75, João lançaria o seu primeiro disco, cercado de grande expectativa e um grande investimento da gravadora Phonogram, o disco não obteve o resultado esperado em termos de venda. No ano seguinte, João Ricardo, ainda respaldado pelo sucesso dos Secos & Molhados, pela mesma gravadora lançaria seu segundo álbum, Da Boca Pra Fora, Mora. Na ocasião, em sua edição nº 22, de setembro de 1976, o Jornal de Música traria uma matéria sobre o lançamento, com uma entrevista com João, assinada por Zé Antônio, e intitulada “Para Fugir do Passado um Simples Disco de Rock”:
“Ele carrega com indisfarçável orgulho, certa mágoa e algum cansaço, a fama de ter sido o fundador dos históricos Secos & Molhados. Tem também a experiência de um disco-solo (após a dissolução do conjunto) não muito bem recebido por público e crítica (‘acho que vendeu umas 30 mil cópias; o negócio da briga ainda estava muito quente e prejudicou as vendas’) e chegou até a tentar ser mais um ‘rei do rock brasileiro’. Mas em seu novo disco-solo, Da Boca Pra Fora,Mora, que vai ser lançado ainda este mês, João Ricardo mostra que tudo isso não tem nada a ver. ‘Olha, eu atualmente já não tenho compromisso com nada. Fiz este disco me divertindo, tocando com músicos novos, de conjunto de baile, e reaprendendo com eles a simplicidade.’ E no fim , o disco é isso mesmo – um disco de rock, dançável e eficiente, entremeando com algumas baladas, e com letras de fácil assimilação.
Nas paredes de sua cobertura, numa rua menos barulhenta do centro de São Paulo, muitos posters dos Beatles e dos Secos & Molhados, além de uma grande foto de seu rosto pintado. Apesar de pedir para que o assunto S & M seja evitado, o próprio João Ricardo, invariavelmente, volta a falar nisso. ‘Esse disco é outra coisa, acho que agora já terminou uma época posterior ao fim do conjunto em que ainda havia muita influência daquele trabalho. Esses dias eu até estava comentando com o Ney Matogrosso: quando cada um de nós começou a fazer seu próprio trabalho fomos muito prejudicados por uma comparação que todo mundo fazia com o trabalho do grupo. Agora o tempo passou e parece que tudo isso desapareceu. Ainda bem.’
Sim ou não, a verdade é que ele está muito confiante no resultado de seu atual trabalho. Conta que o instrumental todo do Da Boca Pra Fora, Mora ficou por conta de Vanderlei (nas guitarras), Juba (bateria) e João Ascensão (baixo). ‘É uma moçada da Pompeia, aqui de São Paulo, com muita estrada de conjuntos de bailes e domingueiras, mas que nunca tinham transado gravação ou mesmo tocado com artistas mais famosos. E para mim está sendo uma ótima: não tenho interesse em ser starlet, e estou aprendendo. Acho que é o seguinte: estou chegando ao fim de um processo, assim, de despojamento. Estou me sentindo de novo um garoto, como antes de Secos & Molhados acontecerem.’
Lembrando de nova história e a glória do conjunto, João Ricardo cita os Beatles. ‘A mesma coisa acontece com os ex-beatles. Nenhum deles consegue dar uma entrevista sem terminar falando nos tempos em que tocavam juntos – as pessoas forçam. Comigo, com o Ney, acontece a mesma coisa. Bom... eu fundei a banda, já com o nome de Secos & Molhados em 1970, com uma garotada que não tinha nada a ver. E, sei lá, um dia ouvi o Ney cantando na casa de uma amiga, no Rio, e gostei muito da voz dele. Mas eu estava procurando um cantor para um conjunto de rock – que no fundo Secos & Molhados foi mesmo um conjunto de rock, não é? – e ele só cantava umas músicas antigas, de fossa, umas coisas assim que eu achava muito chatas. Mas convidei, ele veio para São Paulo comigo, e começamos a trabalhar. Até para que o grupo se firmasse foi importante ele ter vindo, ele estava jogando tudo nisso, e me influenciou para levar mais a sério a banda, deixar de lado outras coisas, como o trabalho – eu era jornalista na época – e assumir esta barra mesmo.’
E Gérson Conrad, onde entre na história?
'Olha, eu e Ney começamos a trabalhar, e tal, mas vimos que dupla não dava pé, precisávamos de pelo menos mais um cara, um baixista. Eu já conhecia o Gérson desde pequeno, ele tinha sido meu vizinho e era meu amigo. Então convidamos ele e ficou bem. Mas ele sempre ficou meio dividido, mais do que eu, com outras transas. Nunca assumiu totalmente a coisa de Secos & Molhados - tinha estudo, trabalho e tal. Quando a banda se separou ele chegou a fazer um trabalho-solo, mas não sei... Acho que atualmente Gérson está parado. Também no conjunto, ele só fez uma música - Rosa de Hiroshima, muito linda -, mas foi só. E não existe compositor de uma música só, não é?'
O próprio João Ricardo conta que ficou quase dois anos bem afastado da cena musical, sem procurar serviço. 'Pois é, agora quero voltar com tudo, fazer TV, fazer turnê pelo Brasil todo.' Ele pretende chegar 'com simplicidade' ao grande público - com os próprios Secos & Molhados, apesar de não gostar da comparação. Mas, mesmo sem caras pintadas, acha que o caminho é esse. 'O rock só não existe bem mais no Brasil porque os roqueiros ainda se fecham muito, são curtidos sempre por uma minoria, por uma pequena parcela do público. Tem que chegar na massa. Você vê a Rita Lee, por exemplo: este último disco dela aconteceu, fez todo ese sucesso, porque tinha algumas músicas - como Ovelha Negra - bem simples, fáceis de ser cantadas e assimiladas. O artista tem que conceder um pouco, dentro de seus valores, para chegar ao fim. Que é o público, e a gente não pode esquecer disso.'
Exatamente por isso, no seu Da Boca Pra Fora, Mora (também nome de uma das músicas do LP), ele inseriu pelo menos uma canção 'extremamente acessível' ('dá até pra trilha de novela', conforme Ezequiel Neves) que é Mal Amada. Sobre outra das características de seu trabalho - a infalível presença de citações à América Latina (vide Sangue Latino, do primeiro disco dos Secos & Molhados) - João Ricardo diz que isso foi uma coisa sempre muito natural pra ele. 'Sei lá... apesar de ser português, moro há muitos anos no Brasil. Sangue Latino nasceu de um estouro: um dia estava lendo uns poemas de um amigo e li aquilo. Puxa, na mesma hora peguei a viola e pintou a música. Nasceu assim. E esta coisa latina sempre pinta nos meus discos - agora mesmo neste que vai ser lançado tem um bolerinho. Mas a verdade é que latino-americanismo entrou na moda agora. Todo mundo partiu pra explorar esse tema, não sei até que ponto as pessoas acreditam nisso, até que ponto estão se identificando com isso. Sei lá, acho que o Belchior, por exemplo, cantando 'Sou apenas um rapaz latino-americano' não tem nada a ver. A gente já fez isso com os Secos, anos atrás. Agora é só moda.'
Foi muito bom, ter sido um sucesso aos 23 anos, conta João Ricardo. 'Consegui alcançar o que queria, o que qualquer roqueiro, o que qualquer músico quer: o sucesso. Além disso, foi ótimo também isso já ter acontecido, porque fiquei vacinado contra a barra toda que este negócio de ser estrela traz. Quero é tranquilidade agora, não fico mais sonhando com as luzes. Até a bad que foi a separação do conjunto, as brigas e tal, estão aí servindo como experiência e aviso pra que os mesmos erros não sejam repetidos.'
E a imagem famosa, um dos motivos do grupo ter acontecido, numa determinada época, de certo modo chocando as pessoas? E a tal androginia? 'Olha, uma vez Millôr Fernandes me perguntou isso e eu respondi pra ele que é isso mesmo, cara. Cada um sabe de sua vida, é uma questão particular. Androginia é só um nome, não é? Antigamente chamavam de bicha, fresco, sei lá. Androginia mascara mais a situação. Mas no fundo é a mesma coisa, e eu, honestamente, só posso dizer que a gente, nos Secos & Molhados, jamais tivemos a intenção de faturar em cima disso, de chamar a atenção por causa disso. Se esta imagem pintou é porque é real'. "
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