sexta-feira, 2 de julho de 2021
O Começo dos Paralamas do Sucesso (Revista Roll - 1983)
Em 1983 o rock brasileiro dos anos 80 estava começando a se solidificar. Novas bandas surgiam em várias partes do país, as rádios passavam a tocar a nova corrente que surgia, e chamava a atenção do público jovem, uma faixa sempre considerável de consumidores de música e ouvinte de rádios. O chamado “Brock” ainda não tinha a força que acabou conquistando ao longo da década, o Rock In Rio ainda não era uma realidade, mas rádios como a Fluminense FM, com sede em Niterói/RJ já inovava o panorama da comunicação e conquistava pontos consideráveis no ibope, divulgando novas bandas que enviavam fitas demo para a emissora. Dentre essas bandas que surgiam e buscavam seu espaço na cena musical, uma das mais celebradas era Os Paralamas do Sucesso, que já havia lançado seu primeiro disco, Cena de Cinema. A revista Roll, que surgiu em meio à efervescência dos anos 80, publicava uma matéria com os Paralamas em sua edição nº 2, que trazia o título “Paralamas do Sucesso – Da Fama e da Fortuna”:
“O que é mais importante para um grupo de rock caioca?
a) Fazer shows no Circo Voador
b) Fazer shows no Danceterya, em Nova York
c) Gravar um LP
d) Aparecer na televisão para todo o Brasil
e) Fazer shows em play-back em clubes do subúrbio
Os Paralamas do Sucesso já fizeram tudo isso e talvez pudessem dizer qual é a resposta certa. Mas será que eles podem ser considerados um jovem grupo de rock carioca?
Jovem grupo é. Seus integrantes, Herbert Vianna (guitarra e vocal), Bi Ribeiro (baixo) e João Barone (bateria) têm em média vinte anos de idade. O problema é que eles não estão interessados em rótulos tipo ‘somos um grupo de rock’ o que importa é fazer música pop; música para ser tocada nas rádios e na televisão, música que possa ser cantada pelas pessoas nas ruas.
Herbert: ‘Uma vez George Benson disse: ‘quando morrer não quero ser lembrado como um artista virtuoso. O que quero é que enquanto estiver vivo eu ande pelas ruas e veja os trabalhadores e os executivos assoviando minha música’. Eu acho isso legal e é isso que agente quer também. Nós somos um grupo pop; pra tocar no rádio; pra pessoas cantarem e se identificarem.’
A fórmula pop dos Paralamas vem da fusão da qualidade instrumental que tentam conseguir em sua música com as crônicas do cotidiano que aparecem nas letras. São letras sem nenhuma pretensão poética, feitas a partir de observações sobre o que acontece no dia a dia de jovens que vivem em grandes centros urbanos como o Rio de Janeiro. A avó de Bi, o baixista, teve um dia que segurar a barra de uns policiais que foram a sua casa a pedido dos vizinhos que não aguentavam mais ouvir os Paralamas ensaiando. Daí surgiu a música Vovó Ondina É Gente Fina. Um colega de Herbert, nos tempos em que estudava no Colégio Militar costumava gritar dentro da sala de aula: ‘Volúpia Ha Ha Ha’. Daí surgiu a música Volúpia. Vital, o baterista que tocava com os Paralamas antes de João Barone era afinzão de ter uma moto. Daí surgiu a música Vital e Sua Moto.
Herbert: ‘É só isso, a gente olha o que está acontecendo a nossa volta e a partir daí fazemos as letras. ‘Qual é seu guarda que papo careta’ (trecho da música Patrulha Noturna) é uma frase que todo mundo está acostumado a ouvir. É como ouvir a garotada que anda de moto dizendo esse tipo de coisas para os guardas de trânsito. Desse nosso primeiro LP só duas músicas têm uma letra que foi mais difícil de compor: O Que Eu Não Sei e Cinema Mudo. O Que Eu Não Sei é uma balada que demorou a sair porque fala de amor e fica mais difícil porque aí você tem de se expor mais. Cinema Mudo foi difícil de escrever porque eu já tinha uma ideia do que queria. Minha ideia é de que quando duas pessoas que se gostam ficam juntas olhando uma para a outra, uma sabe o que a outra está pensando sem que seja preciso falar nada. O envolvimento sentimental e os olhares já dizem tudo. Foi aí que eu comecei a jogar com os versos: ‘amor sem palavras/ cinema mudo/ não falo nada/ você sabe tudo’Mas o resto das letras são crônicas: ‘desce daí garoto, se não eu atiro em você’ (Patrulha Noturna). O Bi outro dia estava falando que teve uma festa em Niterói e só porque um cara pulou o muro da casa o guarda foi logo atirando.’
Os Paralamas fazem crônicas do cotidiano em suas letras, o que parece ser uma preocupação não só da grande maioria dos jovens grupos cariocas. Todos se dizem interessados em retratar o modo de vida dessa ou daquela faixa de juventude. Estariam esses grupos fazendo música ou apenas fotografando a realidade? Não. Herbert diz que escrever letras sob forma de crônicas do cotidiano não significa só fazer uma descrição do que está acontecendo: ‘nossas letras são apenas descritivas’, diz ele, ‘são crônicas em que a gente toma uma determinada posição’. É bom que fique claro no entanto, que essa posição não é compatível com radicalismos. O pop não admite radicalismos. Os Paralamas sabem disso e procuram deixar que outros grupos cuidem dessa questão, como os grupos de Brasília, com quem eles têm um relacionamento estreito porque tanto Herbert quanto Bi moraram vários anos em Brasília.
Herbert: ‘A nossa preocupação é muito mais comercial do que a deles. Lá em Brasília eles não têm compromisso com nada, falam absolutamente o que querem nas letras. Não se preocupam com o fato da música ter ou não um ganho para poder ser tocada nas rádios, de ter um refrão definido’.
Apesar disso, neste primeiro LP, Os Paralamas gravaram a música Química, composta por Renato Russo, da Legião Urbana, um dos grupos de Brasília. Com umas letras mais contundentes de todo o disco, os Paralamas sabem que Química tem poucas possibilidades de estourar nas rádios, mas foi incluída no disco porque eles queriam que esse LP fosse uma amostra de tudo o que gostam. E, além de gostarem do pessoal de Brasília, os Paralamas continuam gostando muito do The Police, de quem eles reconhecem ter recebido algumas influências.
Herbert: ‘Neste disco a gente está começando a se definir, começando a mudar para um som mais pessoal. Mas no começo de carreira é difícil para um grupo criar um estilo completamente inconfundível. A gente tem que partir daquilo que gosta’. No campo das predileções pessoais, Tim Maia também está na lista e inclusive a música Volúpia tem um balanço que segundo Herbert é meio chegado ao som de Tim Maia. Para esse trabalho convidaram o Leo Gandelman, que toca na banda que acompanha Lulu Santos e o resultado foi uma balanço timaiano. ‘A gente sempre gostou de Tim Maia’, diz Herbert.
Disco gravado, os Paralamas do Sucesso estão partindo agora para a segunda etapa do processo pop: fazer com que ele seja tocado nas rádios e na televisão para que a partir daí possa ser atingido o ideal de ver as pessoas cantando as músicas pela rua.
Herbert: ‘Para este disco pretendemos fazer muito rádio e televisão. Televisão é importante principalmente em São Paulo, pois lá, ao contrário do que acontece aqui no Rio, existem muitos programas em que aparecem números musicais. São Paulo também é o maior mercado consumidor de discos no Brasil.
E o sucesso? É uma lama?
Herbert: ‘Sucesso faz com que agente seja obrigado a ser mais responsável. O fato de você saber que o seu grupo é falado. Você aparece na televisão, mas não calcula o número de pessoas que estão te ouvindo. Isso exige mais responsabilidade. A responsabilidade profissional que o músico deve ter. Fazer tudo o que tem ser feito em termos de show, promoção e esse tipo de coisas. Às vezes a gente não aguenta mais: Porra, toda a madrugada tem de ir para a gravadora. Mas é o que tem que ser feito.’
E na busca do sucesso, o play-back, ou seja, fazer mímica no palco enquanto o som é reproduzido em uma fita, também tem de ser feito. E tem de ser feito sem nenhum complexo de culpa, apesar de ser uma prática bastante condenada nos próprios meios musicais.
Herbert: ‘As pessoas falam mal de você ir fazer shows em play-back nos subúrbios do Rio, mas acho que faz parte da própria infra-estrutura da música brasileira. Não existe condição de ir para esses lugares ao vivo. Tudo é muito caro e complicado. Então, a coisa não funciona como um show mesmo. Funciona porque dá oportunidade de você ir aos lugares e aparecer. É uma oportunidade das pessoas verem de perto o que elas ouvem no rádio e vêm na televisão. E funciona. O ideal seria que todo mundo fosse tocar ao vivo, com músicos e tal. Mas é uma forma de divulgação do trabalho, como na televisão também é play-back. Tem também o fato do público desses lugares ser diferente. O público vai nesses clubes de subúrbio por causa do baile e a gente funciona como uma espécie de atração a mais’.
Dos subúrbios cariocas para o Greenwich Village. Os Paralamas do Sucesso estiveram recentemente, junto com Lobão e os Ronaldos, fazendo alguns shows no Danceterya, atualmente uma das mais badaladas casas de rock de Nova York.
Herbert: ‘De público foi genial. Veio abaixo. Foi a primeira vez em que a gente tocou para um público que não entendia nada do que nós estávamos cantando. Lá ninguém conhecia nenhuma de nossas músicas, ao contrário daqui, onde o público sempre conhece uma ou duas e por isso nós somos obrigados a colocá-las de maneira estratégica dentro do show. Lá não teve isso, a gente tocava as músicas na ordem em que quisesse. Era gostar de cara ou não. Mas o DJ do Danceterya falou pra gente que já viu grupos tocarem lá e depois de cinco minutos de show o público começava a ir embora porque quem não está a fim de ver os shows pode ir para os outros andares dançar ou ver vídeos. Mas quando fomos nos apresentar lá as pessoas ficaram até o final’.
Em Nova York, os Paralamas mostraram apenas as músicas que tinham uma tendência mais para o reggae ou para o ska, algo mais latino. Não teria cabimento, segundo eles, chegar lá e tocar rockzinhos. Seria o mesmo dos Stray Cats virem pra cá tocar samba. Mas eles garantem que a repercussão foi boa.’ Não deu tempo para ver se saiu alguma coisa na imprensa porque viemos no dia seguinte’, mas segundo Herbert, uma repórter francesa foi vê-los tocar e depois disse ter adorado as músicas.
Herbert: ‘Ela disse que era um negócio diferente e no dia seguinte foi ao nosso hotel para colher mais dados e fazer uma matéria tipo ‘prestem atenção nesse nome’ comparando a gente com o Specials e com o Madness.’
Só que no fundo, os Paralamas não estão a fim de comparações ou rótulos. Têm um bom relacionamento com os punks do Rio, São Paulo e Brasília e concordam coma filosofia do movimento new brega.
Herbert: ‘No fundo, no fundo o espírito do brasileiro é cafona, essa coisa de abajur cor de carne. O que pega mesmo é Fuscão Preto. Mas são coisas que merecem ser recicladas; esse ar de cafonália pode ser muito bem aproveitado e daí sair muita coisa boa. A gente já foi muito mais new brega mas não gostamos de nada pré-determinado. A gente já fez uma música chamada Aninha Sete Calcinhas, que era um estrondo, um strip-tease’ “
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