Palavras Domesticadas

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terça-feira, 30 de janeiro de 2018

Fluminense FM, a Maldita

Em 1982 entrava no ar a Fluminense FM, uma rádio que mudou o panorama da rádio convencional. A Fluminense foi responsável pela divulgação de várias bandas que estavam surgindo naquele início dos anos 80, e ajudou a trazer o rock para a mídia convencional, e transformar aquele período num dos mais férteis para o surgimento de novas bandas. A Flu FM trouxe uma série de inovações, como divulgação de fitas demo de bandas principiantes e um novo tipo de locução, feito somente por locutoras, uma novidade na época. Uma revista especial sobre aquele período, chamada Guia Rock Nacional Anos 80, trazia uma matéria sobre a rádio:
"A rádio Fluminense FM, 94,9 MHz, já existia desde 1972, transmitindo a partir de Niterói. No início, sua programação era voltada ao hipismo, com a transmissão das corridas de cavalo no Hipódromo da Gávea. Entre uma corrida e outra, tocava música.
A transformação radical que se deu em 1982 se deve a dois jornalistas: Luiz Antonio Mello, repórter da Rádio JB, e Samuel Wainer Filho, repórter do Jornal do Brasil. Eles criaram o projeto de um programa, o Rock Alive, e levaram até a direção da Fluminense, mas Ephrem Amora, um dos diretores, descartou a ideia, isso num primeiro momento, porque poucos dias depois da primeira reunião com Mello e Wainer, Ephrem os chamou com uma proposta mais ousada: em vez de duas horas de programação roqueira, a Fluminense FM se dispunha a radicalizar a virar a primeira rádio brasileira dedicada 24 horas ao rock.
Para Luiz Antonio Mello, um jovem de apenas 26 anos, a proposta era tentadora. Já para seu companheiro Samuca, o Samuel Wainer, o projeto não servia. Ele queria uma rádio que também contemplasse o jornalismo. Sozinho, Mello assume a responsabilidade e, com carta branca da direção, parte para formar uma equipe. Sergio Vasconcellos e Amaury Santos pedem ao operador para gravar uma última vinheta. Com o microfone aberto, gritaram: Fluminense FM, a Maldita!. Estava criado o slogan que a rádio carregaria para sua história.
Além de ser uma rádio voltada para o rock, outra novidade trazida pela Fluminense FM era a locução feminina, algo quer não se ouvia, ou melhor, se ouvia muito pouco, nas rádios brasileiras. Selma Boiron foi quem iniciou a programação às 6 horas da manhã naquele 1º de março. O time feminino ainda tinha Selma Vieira, Monika Venerabile, Liliane Yusim, Edna Mayo e Cristina Carvalho. Com linguagem descontraída, mas sem cair para a galhofa, a Fluminense FM começou a cair no gosto não só da molecada, mas também de gente mais velha, que lá podia ouvir desde os grandes clássicos do rock mundial, até bandas novas que estavam surgindo no Brasil.
Na grade de programação havia espaço para tudo: Rock Alive, o programa criado por Luiz Antonio Mello e Samuel Wainer, era apresentado por Maurício Valadares (que além de radialista era fotógrafo) e Liliane Yusim. Apesar do nome, era um dos mais variados da emissora. Tocava de tudo, de rock a samba. Foi no Rock Alive que muitas bandas que se iniciavam nos anos 80 tiveram sua primeira execução, caso do Paralamas do Sucesso, que teve sua fita demo, com a canção Vital e Sua Moto, tocada no programa.
Time de locutoras da Fluminense FM
Além dos Paralamas do Sucesso, outros grupos tiveram vez no Rock Alive, como Legião Urbana, Capital Inicial, Plebe Rude, Picassos Falsos entre outros. Módulo Especial era um bloco de meia hora em que só se tocava um artista. Guitarras era dedicado ao punk e ao heavy metal. Espaço Aberto trazia o rock nacional e MPB. Rush era mais suave, hora de ouvir rock progressivo. Com uma programação variada, a Maldita iniciava uma revolução no meio radiofônico e não tardou para conquistar um número expressivo de ouvintes.
Outro fato que marcou a vida da Fluminense FM foi a parceria entre a emissora e o Circo Voador, que abria espaço para os jovens músicos do efervescente rock tupiniquim. A mistura era perfeita: o Circo abria seu espaço para as novas bandas se apresentarem ao vivo e a Fluminense oferecia suas ondas para que esses mesmos grupos pudessem ser ouvidos no rádio. O fruto da união foi lançado em 1983, pela WEA, que procurava alguém para rivalizar com a Blitz, da concorrente EMI. Era o disco Rock Voador, uma coletânea das fitas demo que eram recebidas pela Fluminense.
O destaque do disco foi o Kid Abelha e Os Abóboras Selvagens, com  as canções Distração e Vida de Cachorro É Chata Pra Cachorro. Também faziam parte da coletânea Sangue da Cidade (Brilhar a  Minha Estrela e Feito Louco), Malu Vianna (Saio do Ar e Vê Se Me Esquece), Celso Blues Boy (Brilho na Noite e Caminhando), Papel de Mil (Numa Noite Qualquer e Novo Amor) e Maurício Mello e Cia Mágica (Grão de Poeira e Tenho Que Viver).
A Fluminense FM também foi uma das primeiras rádios a levar a sério a comunicação com o ouvinte. A tal interatividade, tão usada hoje pelos diversos meios de comunicação, já era uma marca da emissora, isso em tempos em que internet era apenas uma tecnologia que engatinhava. As promoções da Fluminense eram uma das suas marcas registradas, pela criatividade e pela resposta dos ouvintes. Numa delas a rádio prometeu que daria camisetas da banda Adam and The Ants. Para levar o brinde, a pessoa teria de ir  até o Arpoador levando... formigas! Isso mesmo, formigas. Quem apostava no fracasso da promoção se deu mal. Centenas de ouvintes chegavam com potes de vidro com formigas dentro. Até o Ibama apareceu na praia para multar os desalmados capturadores do inseto.
Numa outra, sem o que sortear, um funcionário teve a brilhante ideia de entregar a prêmio o macaco do seu carro. Essa proximidade da emissora com seus ouvintes rendeu muitas histórias. Uma das mais saborosas aconteceu numa madrugada. Um sujeito ligou para a Fluminense querendo recitar uma poesia. Sem saber que atitude tomar, o operador de serviço ligou para a casa de Luiz Antonio Mello, que autorizou a entrada do ouvinte no ar. Uma hora depois o sujeito terminou a recita. Era ninguém menos que Renato Russo o autor da façanha, mas só ficaria famoso algum tempo depois. Mas a maior contribuição dos ouvintes da Fluminense FM aconteceu em 1984, quando Roberto Medina, o idealizador do Rock in Rio, pediu à rádio que fizesse uma pesquisa com a audiência para saber que bandas deveriam estar no evento, que aconteceria no ano seguinte. A lista tinha AC/DC, Queen, Yes, Iron Maiden e Scorpions, todas contratadas.
Ingresso para o show de 10 anos da Fluminense
Em 1985, com a saída de Luiz Antonio Mello e a concorrência da outras rádios, que começaram a incluir o rock em suas programações, a Fluminense começa a decair. Mesmo com a debandada de ouvintes, seguiu tocando rock até o início dos anos 90. Em 1990 abandona o estilo e começa a incluir na programação músicas com apelo mais popular, coisas como New Kids On The Block, banda de adolescentes americanos que fazia música pop. A reação dos ouvintes fieis é enorme e no ano seguinte, 1991, retoma a audiência que a havia colocado no topo e volta a tocar rock. Mas a essa altura, muita gente boa tinha deixado a rádio, inclusive seu criador, Luiz Fernando Mello, que havia voltado para tentar reerguer a emissora. Em 1994, a emissora paulista Jovem Pan assume o controle da Fluminense FM e decreta o fim do rock na 'Maldita', passando a tocar dance music. "

3 comentários:

  1. Uma rádio que até hoje é lembrada com uma renovadora

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  2. Maravilhoso poder ler a historia da rádio q marcou a minha adolescência. Assisti ao filme hoje.

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