Palavras Domesticadas

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terça-feira, 23 de janeiro de 2018

Caetano Veloso Fala de Seu Disco de 1969

Em 2012, quando completou 70 anos, Caetano Veloso foi homenageado com uma coleção de fascículos que eram vendidos em bancas de jornais, chamada Coleção Caetano Veloso 70 Anos. Os volumes traziam um CD de um disco do artista, onde o pesquisador Marcelo Fróes escrevia um texto, e o próprio Caetano comentava o disco destacado. Foram 20 de volumes, que após colecionados, eram acondicionados em uma caixa especial que era vendida separadamente. Trata-se de um ótimo documento sobre a vida e carreira de Caetano, oferecendo um excelente material de pesquisa. Em seu volume 7 a coleção destaca e traz encartado o disco de 1969, aquele de capa totalmente branca, com apenas a assinatura do artista ilustrando o trabalho gráfico. Trata-se de um disco gravado em um período complicado na vida de Caetano, entre sua prisão (e de Gilberto Gil) e o exílio londrino. Segue abaixo a transcrição do texto do fascículo:
“O ano tropicalista de 1968 foi o primeiro grande momento na carreira de Caetano Veloso, badalado no festival de MPB do finalzinho de 1967 com ‘Alegria Alegria’ – canção executada e gravada com acompanhamento da banda de iê iê iê Beat Boys. Seu primeiro LP solo, intitulado ‘Caetano Veloso’, saíra no final de 67 e na virada do ano Caetano já mergulhava de cabeça no conceito tropicalista – ao lado de Gilberto Gil e dos demais mentores do movimento musical e cultural: Mutantes, Rogério Duprat, Tom Zé, Gal Costa, Torquato Neto e até a bossanovista Nara Leão. Toda repercussão de tudo de bom que aconteceu em 1967, ano em que fora contratado pela Philips, inicialmente para dividir um LP intitulado ‘Domingo’ com a amiga Gal, foi repercutir em 1968.
Caetano no último show no Brasil, antes de embarcar para o exílio
 No final de 1968, após o lançamento do álbum coletivo ‘Tropicália ou Panis et Circensis’, Caetano compôs ‘Divino Maravilhoso’ com Gilberto Gil, para que Gal concorresse ao 4º  Festival da Música Popular Brasileira. A música ficou em 3º lugar e virou tema de um programa televisivo dos tropicalistas na TV Tupi, exibido durante apenas dois meses. Na época, Caetano – que causara frisson mas fracassara com sua ‘É Proibido Proibir’, gravada com os Mutantes para o FIC – acabou indo parar na lista negra dos militares, sem ter muita noção do que estava acontecendo.
O programa da TV Tupi foi curiosamente suspenso pela emissora pouco antes da decretação do AI-5 e às vésperas da prisão de Gil e Caetano em São Paulo no dia 27 de dezembro de 1968. ‘Gil tinha uma visão mais problematizada do Tropicalismo. Ele achava que aquilo tinha o risco de causar problemas pra nós, e eu não via assim. Não imaginava. Ele tinha sofrido muito antes, eu não sofria e na prisão eu sofri muito mais que ele’, lembra Caetano 42 anos depois. Presos no quartel do Exército de Marechal Deodoro, na Zona Norte carioca, até a quarta-feira de cinzas de 1969, Caetano e Gil foram soltos para que seguissem para uma prisão domiciliar em Salvador.
‘A prisão domiciliar pode dar a impressão de que a gente não podia sair de cassa, mas na verdade a gente só não podia sair da cidade de Salvador’, informa Caetano, que continua: ‘Os militares tinham o termo técnico pra isso: confinamento. Prisão foi o que nós tivemos antes, quando passamos dois meses na cadeia. Os quatro meses em Salvador foram chamados de confinamento, e eu não podia ir nem a Santo Amaro’, historia.
 A Philips sugeriu que os rapazes aproveitassem o tal confinamento para produzir repertório para os novos discos. ‘Eu acho que o próprio Rogério Duprat estimulava a gente a fazer, Gil tinha composto ‘Aquele Abraço’ e eu tinha feito ‘Irene’. Gil tinha violão na prisão, e eu não tinha. Eu fiz sem tocar, e quem harmonizou ‘Irene’ pra tocar no rádio foi o Gil. Ele ficava estimulando a gente e eu continuei compondo, e eles ficaram falando pra gente fazer o disco. Eu acabei fazendo, mas não tenho uma lembrança muito clara como um projeto meu. Fiz as canções que eu tinha na época, e também com as quais eu queria gravar – como ‘Carolina’, por exemplo – que eu vira na TV em Salvador, uma menina cantando num programa de auditório. Era o cúmulo da tristeza, por isso gravei com o sotaque baiano... embora Gil tenha dado uma suingada no violão. Se eu tivesse gravado com meu violão, teria ficado realmente triste.’, lembra.
‘A gente não podia vir gravar no Rio, e lá em Salvador existia um estúdio de 2 canais. Eu ainda não podia tocar violão nos meus discos, porque eu toco mal, e era preciso tocar de uma maneira que fosse como um violonista mais profissional. Então Gil, que sempre tocou muito bem, acabou fazendo o violão. Eu fiz as bases de voz e violão com ele, em 2 canais em Salvador, e mandamos pro Rogério Duprat finalizar.’, historia Caetano.
Mas nada disso era muita novidade, naquele tempo. ‘O produtor Manoel Berenbein, um sujeito maravilhoso, era muito carinhoso com a gente – embora viesse a trabalhar pela gravadora naquela época. O esquema era bem diferente, eu me lembro que a gente não via a mixagem, ao artista não era permitido assistir a mixagem e muito menos a masterização. Ia tudo ‘pro laboratório’ e a masterização era chamada de ‘corte’, e isso ninguém via... nem o produtor!’, lembra Caetano, rindo. ‘Mas foi bacana...’  


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