Palavras Domesticadas

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segunda-feira, 22 de janeiro de 2018

É Proibido Fumar - Roberto Carlos (Discoteca Básica - Revista Bizz 1990)

O rock brasileiro estava começando a ganhar uma cara, uma personalidade própria no início dos anos 60, quando a nascente Jovem Guarda, que viraria um fenômeno de renovação e popularidade na juventude brasileira, começava a nascer e se firmar. Em 1964 e era dos grandes festivais, que viria a revolucionar e chacoalhar a MPB, ainda não havia acontecido, e a música jovem, com guitarras elétricas e um novo jeito de contar histórias e falar de amor nas letras, representava a grande novidade musical do período. E Roberto Carlos era o maior porta-voz daquele movimento. Seu disco É Proibido Fumar, representou um estopim para a afirmação do rock brasileiro, e pode ser considerado um verdadeiro clássico atemporal.
Em sua edição de agosto de 1990, a revista Bizz em sua sessão Discoteca Básica fazia uma análise desse disco, num texto escrito por Celso Masson:
"Na história da música brasileira não há nada tão pitoresco. Aos seis anos de idade, um garoto pobre de Cachoeiro do Itapemirim é colhido por um trem e perde a perna direita. Quem o socorre é um madeireiro , que o leva para o hospital local após ter improvisado um garrote com seu próprio terno. É o madeireiro quem arca com as despesas do hospital - mais tarde ele seria homenageado pelo garoto com um convite para ser seu padrinho de batismo. Mais uma peculiaridade: até os vinte anos, Roberto Carlos ainda não tinha sido batizado.
No final dos anos 50, Roberto inicia sua carreira, tocando violão e cantando músicas de bossa nova na boate Plaza, no Rio de Janeiro. Em 61, grava seu primeiro LP, Louco por Você. Sem sucesso imediato, algumas de suas canções começam a ser executadas em programas como Peça Bis Pelo Telefone e Hoje É Dia de Rock.  Surgem os primeiros convites para apresentações, mas até aí nada de excepcional.
Os primeiros sucessos vêm com seu segundo LP, lançado em 63, que traz 'Parei Na Contramão' e 'Splish Splash'. Com estas músicas, Roberto Carlos começa a ser conhecido em todo o Brasil, via programas de TV. O grande estouro e a 'coroação' já se esboçam, mas só chegam de fato após o álbum Roberto Carlos Canta Para A Juventude (65). Motivada pela explosão mundial da beatlemania, a TV Record cria um programa de auditório voltado exclusivamente para o público jovem, convocando Roberto Carlos para comandá-lo - ao lado de Erasmo Carlos e Wanderléa. A Jovem Guarda rapidamente vira uma febre. Bate todos os recordes de audiência. Gírias como 'é uma brasa, mora?', 'bicho' e 'carango' são incorporadas ao linguajar dos aficionados pelo programa que também usam roupas e adereços à maneira do ídolo. A coisa rola como uma bola de neve. O cineasta Roberto Faria transforma o LP Em Ritmo de Aventura (67) num filme que vira paixão nacional. Em 68, na Itália, o 'rei' vence o festival de San Remo. A coroa está definitivamente conquistada.
A história mais recente, dos anos 70 pra cá, dispensa comentários. Mas nada disso teria acontecido se, em 64, a frase fixada em ônibus, trens e elevadores não tivesse parado na capa de um LP: É Proibido Fumar, obra-prima que deu à música brasileira moderna seu maior mito.
O disco estava em sintonia com a música jovem do mundo todo e contou com vários colaboradores. Rossini Pinto, o tradutor dos grandes sucessos internacionais (inclusive 'Hey Jude'), gravada por Kiko Zambianki) contribuiu com uma canção de seu próprio punho, 'Um Leão Está Solto Nas Ruas'. Roberto verteu sucessos: 'Unchain My Heart' (originalmente gravada por Ray Charles) que virou 'Desamarre o Meu Coração', e 'Amapola', de Lacalle, continuou com o título original. Erasmo, mais dois: 'Born To Cry', de Dion DiMucci ('Nasci Pra Chorar'), e aquela que marcaria para sempre a carreira de Roberto, 'O Calhambeque' ('Road Hog'), de Gwen e John Loudermilk. A dupla Roberto e Erasmo compôs, além da faixa-título e 'Louco Não Estou Mais', a primeira surf music destas praias: 'O Broto do Jacaré'. A vertente romântica também aparece em É Proibido Fumar nas músicas 'Rosinha' (Oswaldo Audi e Athayde Julio), 'Jura-me' (Jovenil Santos), 'Meu Grande Bem' (Helena dos Santos) e 'Minha História de Amor' (José Messias). É curioso que a maior parte do repertório não seja de Roberto (ou Erasmo). Como intérprete ele também não é nenhum 'rei da voz'. Mas é o 'rei'. Para entender as razões que lhe garantiram o trono, ouça É Proibido Fumar.

2 comentários:

  1. O Roberto Carlos foi o rei da jovem guarda,e continua sendo o rei da música-popular-romântica.Dizer que ele é o maior mito da música brasileira moderna não corresponde à verdade.

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  2. Não sei como o Roberto Carlos não processou o Celso Masson por ter falado sobre o acidente na infância,parece que quem o socorreu foi um bancário e não madeireiro,sei lá.

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