Palavras Domesticadas

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quinta-feira, 1 de setembro de 2016

Sérgio Dias e os Mutantes - Jornal Hit Pop (1976)

Em 1976 os Mutantes completavam dez anos de estrada. Na ocasião a banda estava muito mudada em relação a sua formação original. Sérgio Dias, que sempre esteve a frente das várias formações da banda, falou sobre as mudanças que a banda vinha experimentando e as novas propostas e desafios que os Mutantes vinham experimentando na época. A matéria destacava os dez anos da banda da seguinte forma, numa frase em destaque; "Mutantes: dez anos de rock e de briga -  Há dez anos, os Mutantes estão na estrada. E só conseguiram sobreviver nessa base, mudando conforme a barra do tempo e das circunstâncias. como mutantes de verdade...". Abaixo, a matéria:
" 'Chegou uma época em que eu já não aguentava mais. No final do ano passado, cheguei com uma pá de músicas no ensaio. E ninguém estava a fim de tocar. Não deu mais...'
Quem adivinha o autor do desabafo? Não fosse agora, a confissão poderia ser atribuída a Arnaldo Batista. Ou, numa época mais remota, à própria Rita Lee. Que os Mutantes, desde sua formação original, viveram barras pesadas de todos os lados. Talvez isso explique a própria sobrevivência da banda. E talvez explique a seriedade com que Sérgio Dias, guitarrista, comete o desabafo, manifestando sua profunda ligação com os Mutantes, grupo de rock mas, acima de tudo, grupo de gente.
Depois da crise de 75, os Mutantes vêm com nova formação. E novas energias, no dizer de Sérgio Dias. Ele próprio conta o desenlace:
'Pois é. Chegou num ponto que não deu mais, e teve gente que espirrou. O Túlio deixou os teclados - ele que a gente criou aqui dentro mesmo. O Pedro largou o baixo - ele que entrou nos Mutantes por força das circunstâncias. Ambos foram um pouco medrosos, podes crer.'
Em lugar de Túlio Mourão, entrou Luciano, 21 anos, itinerante por vários grupos do Rio, disposto a se fixar na banda. Paul de Castro, que formou no complicadíssimo Veludo, além de tocar com O Bando e Zé Rodrix, trocou a guitarra pelo baixo e, aos 27 anos pega seu lugar entre os Mutantes. No vocal, inconfundível, Serginho, cantando agora com mais garra e intuição. Isto é, mais ritmo e menos elaboração, o oposto do perturbadíssimo cantor de meses atrás. Serginho e a nova fase: 
'Está uma segurança total. Nós somos parecidos, temos as mesmas influências. Fizemos os mesmos improvisos e, o que é mais importante, temos a mesma cabeça. Nosso último show, quando as pessoas pediram pra gente voltar ao palco, foi emocionante. Voltamos e improvisamos tudo, sem repetir nenhuma música. Foi gostoso demais. E isso não foi na primeira vez. Imagine só o que vem por aí...' 
Uma das várias formações da banda nos anos 70
De acordo com os informes do líder do grupo, a situação financeira andou bem ruça, nos tempos em que eram empresados por Líbero e Sérgio Pavão. 'Tivemos, só em um dos meses de maior faturamento, um prejuízo de quase 90 mil cruzeiros'. Foi uma dureza total. E isso ocorreu - como causa ou reflexo - no instante em que seus componentes se desentendiam, como amigos e como artistas. Antes, porém, que o pior acontecesse, Sérgio virou a mesa. Pois, pra ele, não há coisa que importe mais que os Mutantes:
'É isso aí. Mutantes tem um passado bem glorioso, que aquece o coração de muita gente. O nome tem força e eu respeito. O dia em que os Mutantes acabarem, acho que saio do Brasil. Vou confessar um negócio: amo os Mutantes mais do que a mim mesmo. Quando as pessoas vêm com esse papo de que somos parecidos com o Yes, Emerson, Lake & Palmer - ou sei lá quem, é porque não sacam nada de nada. A gente faz uma coisa nossa, feita aqui mesmo. Quer dizer: eu não toco igual ao Steve Howe, não tem nada a ver. Os Mutantes estão aí, como sempre. E o público sabe disso.'
Com a voz arranhada e os olhos brilhando, entusiasmado, Serginho se agita no sofá. Que não tem outra: desde o início, ele foi o cara responsável pela autêntica batalha que foi manter o grupo, com a formação que fosse. Assim, quando Rita pulou fora muita gente pensou que a banda estava liquidada, ele tratou de buscar músicos novos, aumentando ou diminuindo a composição dos Mutantes, de acordo com as circunstâncias.
E é essa paixão - ou obsessão? - que talvez explique a tumultuada trajetória do grupo. Ele não tem uma imaginação ou um gênero a definir, pois a transação é um nível estritamente de integração dos músicos. Atualmente como quarteto (Sérgio Dias Batista, guitarra líder; Luciano, teclados; Paul de Castro, baixo e pedaleiras; Rui, bateria), os Mutantes se preparam para gravar um LP, sem início programado. Eles aguardam a inauguração de um estúdio (Level, Rio de Janeiro), prevista para estes dias. Só então é que darão o arremate final no repertório.
Algumas músicas já estão escolhidas. Exemplos: Sagitarius (história de uma briga entre Serginho e sua mulher), Benvindos, Mistério, Esquizofrenia, Dia de Hoje, Ó Voz Vinda a Mim. Além dessas, os rapazes prosseguem compondo, fazendo rolar a inspiração.
Renovando contrato com a Som Livre por mais dois anos, os Mutantes estão aparentemente tranquilos. Sérgio dá o recado geral a respeito:
'A respeito do disco, é impossível antecipar como será. A gente está aberto demais. Tem essas músicas que eu citei, outras estão no forno. O que eu posso dizer é que será um disco rápido e leve. Nós queremos que o nosso trabalho alcance um objetivo. Isto é, que, através dele, o público enxergue um caminho dentro da nossa música.'
A rigor, essa sempre foi a preocupação de Sérgio Dias Batista. Pouco ligado em questões financeiras, ele não consegue administrar os negócios. É um talento que, pelo contrário, pinta violentamente na área da criação musical. Por sinal, foi quando pegou os Mutantes na base da cara e da raça, que o grupo se transformou numa usina de rock progressivo nativo. A tal ponto que muito carinha, ligadão no som dos Mutantes, diz que levam, à sua maneira original, tanta energia quanto qualquer superbanda famosa. Quem adivinha o autor-líder dessa usina? "

4 comentários:

  1. Grande cruzada do Sérgio nos anos 70, mantendo a chama dos Mutantes acesa, muitas vezes num contexto desfavorável.

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  2. Verdade. Sérgio nunca desistiu dos mutantes

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    Respostas
    1. Esta matéria é importantíssima e será oportuna até o final dos tempos.
      O compromisso de Serginho com Os Mutantes, da maneira que for.

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