Palavras Domesticadas

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sexta-feira, 9 de setembro de 2016

John Coltrane Lança A Love Supreme - 1965

John Coltrane (1926-1967), foi um dos maiores saxofonistas de jazz. Músico refinado e dono de grande técnica, Coltrane não tardou a se tornar um músico reconhecido e dos mais requisitados no circuito de jazz. Deixou uma discografia brilhante, como A Love Supreme, lançado em fevereiro de 1965, e sempre citado entre as grandes obras-primas do jazz. O livro "1965 - O Ano Mais Revolucionário da Música" ( Andrew Grant Jackson - 2015 - Leya) destaca o disco entre as grandes obras lançadas naquele ano. Segue abaixo o texto:
"Quando o saxofonista John Coltrane voltou a se viciar em heroína, em 1957, Miles Davis o demitiu do primeiro Great Quintet, a banda de jazz norte-americana formada por Davis dois anos antes. Coltrane tocou com o pianista Thelonius Monk por um ano, depois teve uma epifania espiritual e ficou limpo. Ele não queria acabar nas chamas como o pioneiro do sax do bebop Charlie Parker, morto aos 34 anos em 1955, vítima de cirrose avançada e ataque cardíaco. Foi com Monk que Coltrane inventou seu estilo de tocar, conhecido como 'sheets of sound' (assim chamado pelo crítico Ira Gitler, da Down Beat, em 1958). Coltrane tocava arpejos e temas que mudavam muito rápido da nota mais baixa para a mais alta, usava vários acordes ao mesmo tempo, depois uma nota em cada um. Era um estilo tão novo que até os franceses o vaiaram e, quando ele tornou a se juntar a Davis em turnê pelo país em 1959.
Coltrane passava o dia inteiro ensaiando, tocando escalas sem parar em seu quarto, depois praticava ao vivo por horas, alcançando um estado de êxtase. Ele chegava a tocar com o próprio quarteto até 45 semanas por ano, seis noites por semana, de três a quatro sets por noite, atravessando os Estados Unidos em uma van Chrysler. Ele começou a estudar diversas formas de música de várias partes do mundo - compositores como Stravinsky e Debussy, ragas indianos, ritmos africanos - e disso tirou elementos para as suas composições.
Após o nascimento de seu filho, Trane, como era conhecido, tirou uma folga da turnê e passou cinco dias em seu quarto meditando. Lá compôs A Love Supreme, uma suíte dividida em quatro movimentos que simbolizavam o caminho para alcançar a iluminação espiritual; 'Acknowledgement' (reconhecer o desejo de iluminação), 'Resolution' (decidir alcançá-la), 'Persuance' (lutar por isso) e 'Psalm' (alcançá-la de fato).
Em 9 de dezembro, com sua banda (McCoy Tyner no piano, Jimmy Garrison no baixo acústico e Elvin Jones na bateria), ele gravou o álbum em uma sessão que foi das 20h à meia-noite, no estúdio do engenheiro Rudy van Gelder, em Nova Jersey. O local era um pouco parecido com uma igreja, com teto de mais de dez metros formado por dois grandes arcos de madeira e paredes com tijolos aparentes. A majestade do álbum deve muito ao equilíbrio espacial do som de Gelder: os músicos tocavam próximos, o baterista não ficava separado em uma área isolada acusticamente e a iluminação era amena para criar um clima.
A banda não sabia o que Coltrane planejava para eles fazerem, mas tocados se comunicavam de forma quase telepática depois de anos tocando juntos ao vivo. Quando um raro erro era cometido, Coltrane pedia desculpas com delicadeza e eles recomeçavam.
'Acknowledgement' abre com a batida benevolente de um gongo e o toque delicado de pratos, depois o baixo entra com um tema de quatro notas que ecoam as palavras 'a love supreme'. Com cinco minutos de música, Coltrane toca 37 vezes o tema com seus sax em todos os doze acordes, depois o entoa como se fosse um mantra e, pela primeira vez, sua voz é ouvida em disco.
Para a peça final, 'Psalm', os tímpanos e pratos de Jones evocam a grandiosidade das ondas do oceano quebrando nas montanhas, enquanto o sax de Trane soa pelo espaço. Coltrane 'toca' as palavras de um poema de 69 versos que escreveu (e incluiu no texto de capa), constituindo um chamado para buscar Deus todos os dias e pedir que Ele ajude a 'pacificar nossos medos e fraquezas' (vídeos feitos por fãs no You Tube tocam música enquanto exibem os versos do poema, e Coltrane segue as palavras de forma quase exata). Ele agradece e enaltece as maravilhas do universo. 'One thought can produce millions of vibrations' (Um pensamento pode produzir milhões de vibrações), escreve/canta ele. 'Tought waves, heat waves...and they all go back to Gold... and He cleanses all (Ondas de pensamento, ondas de calor... e todas voltam para Deus... e Ele limpa tudo). O movimento chega ao clímax com 'Elation. Elegance. Exaltation. All from God. Thank you God. Amen' (Elevação. Elegância. Exaltação. Tudo vem de Deus. Obrigado, Deus. Amém).
Sobre em que tipo de Deus Coltrane acreditava, no texto de capa de seu álbum Meditations, ele escreve: 'Acredito em todas as religiões.' Seus dois avôs eram pastores da igreja African Methodist Episcopal Zion, e ele estudou a Bíblia. Sua primeira esposa, Juanita, converteu-se ao Islã, o que o levou a entender melhor o Corão. Ele também estudou o Bhagavad Gita hindu, o Livro Tibetano dos Mortos budista, Zen, Cabala, filosofia grega e astrologia.
A gravadora Impulse! Records lançou o álbum de 33 minutos em fevereiro, que se tornou a obra mais popular de Coltrane. Normalmente, seus LPs vendiam cerca de trinta mil cópias, mas esse alcançou a marca de meio milhão. Phil Lesh, do Grateful Dead, lembrou que com frequência ele ouvia o disco pelas janelas das casas enquanto caminhava por Haight-Ashbury. Coltrane, porém, só tocou A Love Supreme ao vivo uma vez, no Festival Mondial du Jazz Antibes, na França, em 26 de julho. Seu palco habitual eram os clubes noturnos, onde o público estava bêbado e distraído, a atmosfera inadequada para seu hino de devoção."


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