Palavras Domesticadas

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quarta-feira, 7 de setembro de 2016

Os 50 Anos de Caetano Veloso - Revista Visão (1992) - 2ª Parte

"A falta de comemoração pode ser compensada pelos seus 30 discos que permanecem em catálogo, especialmente pelo mais recente, Circuladô, gravado em Nova York com produção de Arto Lindsay, que está entre os melhores de sua carreira. Suas músicas, mesmo as mais antigas, fazem sucesso. Melhor prova disso é 'Alegria, Alegria', que o lançou num festival de música da TV Record em 1967, e hoje é tema da minissérie Anos Rebeldes, em exibição na Rede Globo.
O curioso em Caetano Veloso é que, embora seus discos não tenham sido grandes sucessos de vendagem - ele só alcançou as 100 mil cópias do disco de ouro a partir de Velô, em 1984 -, suas canções nunca deixaram de cair no gosto popular. Ele mesmo se surpreende: 'Aquele disco Muito, por exemplo, tinha as faixas 'Terra' e 'Sampa'. O disco não vendeu nada, a crítica esculhambou e todo mundo sabe cantar as músicas. 'Terra' nunca tocou no rádio, porque diziam que era muito longa. E, no entanto, todo mundo canta'. Ele poderia citar inúmeras outras músicas e outros discos e, mesmo quando não toca, canta ou compõe, é capaz de provocar frissons. Há algum tempo, surpreendia-se com a repercussão de suas declarações. 'Não vendo tanto disco para que ouçam com tanta atenção o que eu falo', dizia na época do lançamento de Estrangeiro, seu disco anterior.
A disposição tranquila em correr riscos, desafiar dogmas, empurrar delicadamente a inteligência para o terreno da inspiração confere à personalidade de Caetano Veloso um enquadramento como fora de série.  Ele inverte alguns conceitos intelectuais. Ao contrário de ser um exemplo de como as conquistas da modernidade vieram a se banalizar na cultura de massas, ele é a comprovação da assimilação profunda do que os grandes artistas de vanguarda fizeram. Basta um olhar atento no comportamento, na moda, na linguagem. Caetano Veloso não criou rótulos nem definiu modismos. Fez música e poesia antenadas com seu tempo. E, mesmo assim,  soube criar obras atemporais. 'Por mais sofisticada que a música popular seja, ela trabalha com os restos do que a música já fez, com lixo musical do passado e do presente. De repente, uma coisa que é feita numa área superbanal termina informando áreas mais densas.  O interesse musical intelectualmente mais exigente pode buscar no banal o que os artistas pop procuram nos quadrinhos, nas latas de sopa para aumentar o repertório das artes sérias', observa.
Caetano assume tranquilamente os seus 50 anos, deixando os cabelos grisalhos, mas não se furtando a uma nudez de segundos no clip de Fora da Ordem. Contradição? Só para quem ainda não se acostumou com suas surpresas nesses mais de 25 anos de careira em que ele eletrificou a música brasileira, cantou e compôs canções clássicas, elogiou e impulsionou carreiras de iniciantes - quem não se lembra dos elogios rasgados ao Barão Vermelho, ainda com Cazuza, há dez anos? Acompanhou atento o trabalho de outros músicos, fez cinema como ator (Nem tudo é verdade, de Rogério Sganzerla, e Tabu, de Júlio Bressane) e diretor (Cinema falado), brigou por um comportamento mais livre, onde não faltaram drogas e bissexualidade, e pela liberdade de expressão. Sempre através da música e da poesia. 'Eu nunca me aproximei de uma maneira ambiciosa da poesia. A poesia é uma coisa que acena com uma grandeza que eu não sei se tive o impulso e a coragem de encarar. Porque, ao ler poesia dos poetas, ao ouvir a poesia dos poetas, eu reencontro essa capacidade de ser livre neles, assegura.
Nana Caymmi em 1976
 A primeira a entrar no clube dos cinquentões foi Nana Caymmi, no dia 29 de abril passado. 'Não vejo nenhuma diferença', diz. 'Se minha vida tivesse sido muito fácil, talvez eu até sentisse, mas eu continuo trabalhando, cantando, cuidando de minha casa e de meus filhos, fazendo os meus shows sempre com muito público. 'Filha única de Dorival Caymmi (*), Nana primeiro foi dona de casa e teve três filhos, ainda na década de 60, de seu primeiro casamento com um médico venezuelano. Só em 1966, aos 25 anos, começou a sua carreira como cantora.
'E desde então não tenho parado', acrescenta. Tanto que a comemoração de seu aniversário teve, no lugar de festa, uma temporada no Jazzmania carioca. Nana garante que não para para pensar no que foi sua vida. 'Não tive tempo. Nunca planejei nada, nunca almejei uma carreira assim ou assado, nem segui modismos. sempre quis cantar o que é bom e consegui', observa.
Aos 50 anos, Nana até ri de quem lhe pergunta sobre uma possível parada, ou aposentadoria, para usar uma palavra menos gentil. 'Meu público é cada vez mais jovem e eu gosto assim, quanto mais jovem melhor', diz. O cinquentenário trouxe para Nana apenas a tranquilidade de que tudo se resolve. 'Se aos 26 anos eu tivesse ficado sem gravadora, eu me desesperaria, mas hoje eu sei que não é um problema muito grande. Sem gravadora, eu tenho que investir sozinha em mim, mas isso não quer dizer que eu deixe de cantar, de gravar e de vender'. Tanto que já tem um disco com os compositores que fazem 50 anos.
 O projeto ainda está engrenando, mas tem tudo para acontecer até o final do ano. A proposta foi da própria Nana a Roberto Menescal. 'É uma data legal de comemorar', diz ele. 'E a Nana seria o elo entre os compositores, que cantarão com ela. Difícil vai ser escolher o repertório para um só disco, pois todos eles têm uma obra enorme e importante e mostram hoje a mesma vitalidade de quando começaram', completa. "

(*) Quem escreveu com certeza quis dizer que Nana é a única mulher dos três filhos de Caymmi. Da forma como foi escrito dá a entender que foi ignorada a existência dos irmãos Dori e Danilo

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