Palavras Domesticadas

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segunda-feira, 8 de agosto de 2016

Matéria Antológica - Revista Veja (1975) - 4ª Parte

"Com uma dezena de músicas gravadas por cantores famosos, Fagner em muito pouco se assemelha ao mineiro Sirlan Antônio de Jesus, de 24 anos. Autor de quase uma centena de composições, só conseguiu gravar um compacto simples. De um lado, 'Viva Zapátria', classificada no Festival Internacional da Canção de 1972. De outro, 'Super-Herois', laureada no Festival de Cataguases, Minas Gerais. Não se trata de um caso de pouca inspiração. Nem de mais um compositor que brilha e desaparece pra sempre. Os privilegiados que conhecem a imensa produção de Sirlan atestam a lucidez e o alto nível de seu trabalho. E, pelo menos nesse caso, o tão comum pouco interesse das gravadoras também também não é responsável pela reduzida discografia do jovem mineiro. 'Parei de tentar divulgar meu trabalho porque descobri que era o mesmo que levar gato pra nadar - não ia adiantar.' Até nova tentativa, portanto, Sirlan continuará inédito. apenas vislumbrando em suas palavras: 'Eu acho que canto Minas, aquela opressão, o clima fechado, o fato de você ter que sair de lá para fazer as coisas. Uma música parada, marcada pelos órgãos das igrejas mineiras'.
Um clima em tudo diferente do criado pelo pernambucano Alceu Valença, de 29 anos. Embora não tenha passado pelas mesmas vicissitudes de Sirlan, desesperou-se um dia com a rala plateia (cinco pessoas) de seu show 'Vou Danado pra Catende', no Teatro Thereza Raquel do Rio. Armou-se de um megafone e saiu pelas ruas conclamando o povo a ver seu espetáculo. Com uma figura, ao mesmo tempo, de rockeiro e de cantador nordestino, viu sua tenacidade recompensada. As poltronas foram ocupadas por um público delirante, fascinado com a força do som e da presença cênica do artista, amadurecido num trabalho conjunto, inicialmente com Geraldo Azevedo, e hoje com Zé Ramalho da Paraíba. De casas lotadas, terminou a temporada. E outra, imediatamente - fato raríssimo na vida musical carioca -, foi inaugurada, desta vez no Teatro Casa Grande, onde o show fica em cartaz até o dia 28.
Mais conhecidos, os Novos Baianos não precisam se valer de métodos tão desesperados para conseguir audiência. Agora, por exemplo, excursionaram pelo Brasil, numa prolongada turnê que vai de Porto Alegre ao Nordeste. Reunidos numa alegre, e, graças à cantora Baby Consuelo, sempre grávida comunidade, o sítio Cantinho do Vovô, em Jacarepaguá, viviam fazendo música e jogando futebol. 'O que sustentava a gente eram os direitos autorais', lembra o meramente Galvão, líder do grupo. 'Mas um dia a situação ficou difícil e a gente que trabalhar muito, de novo.'  Afinal, são quinze pessoas, com as crianças, ainda vivendo comunitariamente, agora numa casa do bairro Brooklin, em São Paulo. 'Nós não somos a favor nem do rock nem do samba. Somos tudo, um som que passa pela nossa cabeça.'
Surgidos em 1969, com cinco LPs gravados, estrearam num festival inimigo, por força de estatutos, da guitarra. 'Queremos ver os Beatles pelas costas', era o lema do certame.
Aquela época, aliás, marcou também o surgimento de dois autores que pacientemente batalhavam nas ante-salas das gravadoras e nas coxias dos teatros. A rigor, os cariocas Jards Macalé e Jorge Mautner, ambos com mais de 30 anos e esporádicas aparições ainda nos anos 60, não poderiam se incluir entre os novíssimos  da música brasileira. Macalé todavia, gravou seu primeiro disco só em 1971. Mautner, embora escritor conhecido e atuante em São Paulo, surgiu em LP no ano seguinte. E foi um desastre. Pois a gravadora o colocou numa série mais barata ('Discos Pirata') e saiu impresso na capa o preço do disco. Para surpresa apenas dos que desconhecem a estrutura viciosa do mercado musical brasileiro, as lojas boicotaram seu trabalho.
Assim, enfrentando o que o zagueiro Fagner chamaria de marcação cerrada, os, perdão, novos compositores vão tentando forçar seu caminho, fitando oponentes e estoicamente tocando a bola pra frente. Um teatro lotado hoje, um disco estourado amanhã, quem sabe um dia eles ganhem o mando de  campo? 'Eu não me sinto por baixo', Fagner explica. 'Nem por cima por cima. De ninguém. Não estou fazendo nada contra ou a favor de ninguém. Estou no meu lugar.' Raul Seixas transforma sua esperança em versos: 'Na curva do futuro/ Muito carro capotou./ Talvez por causa disso/ E estrada ali parou/ Porém, atrás da curva perigosa/ Eu sei que existe alguma coisa nova/ Mais brilhante/ Menos triste'. Não depende quase nada dos artistas, insiste Raul. 'Você só pode ver o novo se tiver olho novo.' "

(continua)

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