"Naquela época existiam líderes como o Glauber, o Caetano. Hoje nós não temos mais isso, hoje não há mais um referencial...
Mas hoje você ainda têm o Caetano, ainda tem o Zé Celso, só não tem o Glauber porque ele morreu. Eu acho que é ainda muito cedo para essa renovação acontecer. Esses líderes foram líderes na juventude deles. Hoje em dia eles estão na maturidade. Então esse ciclo tem que se completar. Você não pode dizer que havia Caetano. Caetano taí, tá compondo, tá fazendo música, tá dando palpite, tá fazendo filho, tá ficando pelado na peça do Zé Celso (risos). Eles estão aí, aprontando as coisas deles. A transformação, a mutação radical da que veio depois. Mas uma mutação radical exige uma certa passagem de tempo, que você não pode prever. Então, é certo que vai ter um momento em que vão acontecer coisas até mais agitadas talvez, e, certamente, mais surpreendente do que as que houve em nossa juventude. A gente só não sabe o que e quando vai ser.
No caso do Brasil, na época vocês tinham um inimigo comum, que era a ditadura militar. Hoje, a coisa está mais diluída, mais mascarada. Os jovens dos anos 90 não sabem pelo que brigar. Como você vê essa questão?
É. Ficou mais difícil para vocês (risos). A gente lutava de uma maneira mais geral contra uma coisa que pode ser chamada de 'o Sistema'. Era uma coisa meio abstrata, que não era só a ditadura militar, era aquilo que a ditadura estava representando no poder. Então o 'sistema', um termo típico dos anos 60, aprendeu com aquela experiência. Ele ficou mais sutil, ele é mais inteligente, mais esperto. É um sistema de dominação, dominação essa que é exercida hoje de maneira menos bruta, menos palpável, menos evidente. Portanto, muito mais eficiente.
Mas você não acha que vocês eram muito ingênuos em acreditar que poderiam mudar alguma coisa?
Pelo menos tanto quanto vocês são de acreditar que não podem mudar nada (risos).
(Risos) Puxa, agora derrubou a nossa geração inteira. E o que você acha desse famoso 'neo-liberalismo globalizante', que hoje em dia, tanto se fala? Alguns falam do neo-liberalismo e da globalização como coisas positivas e inevitáveis. Você concorda com essa opinião?
Não, isso é uma arte do sistema. Isso é um instrumento de manipulação e controle social, isso é uma ideologia. Numa conferência do linguista Noam Chomsky, que é um cara dos anos 60, disseram: 'Tudo tem que ser privatizado, tem que desestatizar tudo porque o Estado não funciona'. Pois é, mas na Suíça funciona. Lá o Estado funciona. É o país mais eficiente do mundo e é tudo estatal. O que dizer?
Não é tão simples assim, né?
Exatamente, não é tão simples como parece. Todas essas ideias são formulações ideológicas. Eu não quero dizer que essas mazelas estatais não existam. A burocracia é uma coisa terrível, acabou com União Soviética, é uma coisa que você não pode negar. Mas não é essa coisa simplista de dizer: 'Privatiza tudo que dá certo'. Privatiza-se tudo, faz-se uma economia radicalmente liberal... A visão econômica neoliberal é mais radical do que a visão liberal tradicional. Então, um radicalismo destes não tem necessariamente nenhuma garantia de que vá funcionar do mesmo jeito que um extremismo estatal, do tipo socialista. Não há como acharmos que a solução para os problemas da sociedade seja uma dessas formas radicais.
Como era conviver com pessoas tão articuladas e interessantes como as citadas no livro 'Geração em Transe', no caso Glauber Rocha, José Celso Martinez Correa e Caetano Veloso?
Não sei, talvez eu fosse tão interessante quanto eles (risos). Nunca achei que fossem casos excepcionais, eu achava que eles não faziam mais nada do que a obrigação em serem interessantes e articulados. Na verdade, quando conheci o Glauber, o Caetano, eu não podia prever que eles seriam tão famosos e tão considerados como são hoje. Eu conhecia eles como eu conheço você, é a mesma coisa. Eram meus amigos, a gente falava sobre as coisas, discutia e tal, quer dizer, eram pessoas normais, não tinham esta áurea mítica que depois o talento e o trabalho deles conquistaram.
Você acha que houve uma supervalorização destas pessoas?
Não sei, só se vocês estão supervalorizando de alguma maneira porque, por exemplo, no caso desses dois, do Glauber e do Caetano, eu acho que é natural valorizar porque que cineasta apareceu no Brasil que tenha tido uma obra tão audaciosa, que mexeu no cinema do jeito que o Glauber mexeu? Que compositor tem a inspiraçãso do Caetano como poeta lirico e tudo mais? Quer dizer, são artistas realmente talentosos que com justiça se destacaram durante todos esses anos. Mas não precisa haver endeusamento, agora a admiração é natural.
Você lutou tanto pela contracultura e hoje está na Globo. O Caetano hoje está mais clean, hoje é 'Fina Estampa'. O Zé Celso, por outro lado, que mantém a postura dos anos 60, faz um teatro, dizem, muito datado, que já não tem muita razão de ser. Como é isso? Pode-se dizer que vocês, você e o Caetano, no caso, aderiram ao sistema?
(Risos) Não sei. Eu não aderi ao sistema, eu trabalho na Globo para ganhar a vida. Eu já estive em alguns debates onde disseram: '... antes do Maciel se vender pra a Globo'. Se eu não me vender para a Globo, eu vou ter que me vender para alguém. Eu sou de origem pobre, classe média e tive que trabalhar a minha vida inteira, se eu não trabalhar eu morro de fome, não vou ter onde morar. Eu gosto de morar bem, gosto de morar no Leblon, gosto de comprar meus CDs, gosto de pegar meus vídeos na locadora, preciso de um dinheirinho, não é pecado (risos). Isso não quer dizer que você se vendeu para o sistema. Eu tenho que ser hippie e morar embaixo da ponte? Você tem que se adaptar aos tempos. O Caetano era um jovem artista rebelde, agora ele é um grande senhor da Música Popular Brasileira. O Zé Celso é que parece que quer ficar garoto pra sempre, forever (risos). Ele não quer abandonar a juventude, ele quer aquela coisa sempre. Eu acho válido. Hoje, umas das experiências que tenho na minha vida, particularmente, como indivíduo, é a de você respeitar a liberdade dos outros e as escolhas que eles fazem de como eles querem viver suas vidas. Em 'If 6 was 9', Jimi Hendrix diz: "eu sou aquele que vai morrer portanto me deixe viver como eu quero'. Você vai morrer, por que você vai viver como os outros querem? Você tem que viver como você quer. Então, se o Caetano quer viver 'clean', que viva 'clean'. Se o Zé Celso quer viver como um desbundado até hoje, ótimo, que viva. As pessoas não precisam ter padrão de comportamento. A originalidade de cada um é diferente do outro.
Mas se vocês que eram referenciais estão onde estão...
Ah, então acho ótimo porque você não pode pegar este referencial para repetir esse referencial. Eu sempre acho muito esquisito quando dizem que tem um grupo de neo-hippies. Não é para ser neo-hippie porque esse negócio de hippie já foi feito na minha geração, vocês vão fazer de novo? Que falta de imaginação! Que falta de criatividade! Vocês têm que fazer uma coisa diferente, original. Tem que se fazer sempre um gesto surpreendente. O zen diz: 'A cada momento, um novo momento'. Você tem que estar sempre criando e este é o grande segredo da vida, da existência, é esta criação permanente. Tem uma estória do mestre Zen que diz que todas as perguntas que faziam para ele, ele espetava o dedo para o céu. E ele tinha um discípulo que começou a imitar ele. Quando perguntavam alguma coisa ele fazia o mesmo gesto, apontando para o céu. Aí, o mestre chamou o discípulo para dar-lhe uma lição. Ao lhe fazer uma pergunta, o discípulo espetou o dedo pra cima. O mestre tinha uma faca nas costas e tchum!, cortou fora o dedo do discípulo. Aí o mestre lhe fez outra pergunta e o discípulo foi espetar o dedo mas não pôde porque, agora, só tinha um toco. A estória nos diz que quando ele levantou o dedo, teve uma luz. Ele entendeu que, desta forma, tinha feito um gesto original. Um gesto que o mestre nunca tinha feito, que era levantar um cotoco de dedo (risos).
Então qual seria a mensagem para esses jovens de fim de milênio?
Há um momento em que vocês vão encontrar o que não foi feito como minha geração encontrou. Não sei como se passa porque nós não fizemos nada pra isso, cai do céu. Você só tem que reconhecer que aconteceu e é uma experiência fantástica. Eu acho que é uma experiência fundamental da vida você descobrir a originalidade da sua vocação e a originalidade da sua presença.
Você já identifica algum movimento surgindo por aí?
Não, prefiro terminar falando de forma generalizada sem me comprometer com nenhuma manifestação em particular (risos)."
Mas você não acha que vocês eram muito ingênuos em acreditar que poderiam mudar alguma coisa?
Pelo menos tanto quanto vocês são de acreditar que não podem mudar nada (risos).
(Risos) Puxa, agora derrubou a nossa geração inteira. E o que você acha desse famoso 'neo-liberalismo globalizante', que hoje em dia, tanto se fala? Alguns falam do neo-liberalismo e da globalização como coisas positivas e inevitáveis. Você concorda com essa opinião?
Não, isso é uma arte do sistema. Isso é um instrumento de manipulação e controle social, isso é uma ideologia. Numa conferência do linguista Noam Chomsky, que é um cara dos anos 60, disseram: 'Tudo tem que ser privatizado, tem que desestatizar tudo porque o Estado não funciona'. Pois é, mas na Suíça funciona. Lá o Estado funciona. É o país mais eficiente do mundo e é tudo estatal. O que dizer?
Não é tão simples assim, né?
Exatamente, não é tão simples como parece. Todas essas ideias são formulações ideológicas. Eu não quero dizer que essas mazelas estatais não existam. A burocracia é uma coisa terrível, acabou com União Soviética, é uma coisa que você não pode negar. Mas não é essa coisa simplista de dizer: 'Privatiza tudo que dá certo'. Privatiza-se tudo, faz-se uma economia radicalmente liberal... A visão econômica neoliberal é mais radical do que a visão liberal tradicional. Então, um radicalismo destes não tem necessariamente nenhuma garantia de que vá funcionar do mesmo jeito que um extremismo estatal, do tipo socialista. Não há como acharmos que a solução para os problemas da sociedade seja uma dessas formas radicais.
Como era conviver com pessoas tão articuladas e interessantes como as citadas no livro 'Geração em Transe', no caso Glauber Rocha, José Celso Martinez Correa e Caetano Veloso?
Não sei, talvez eu fosse tão interessante quanto eles (risos). Nunca achei que fossem casos excepcionais, eu achava que eles não faziam mais nada do que a obrigação em serem interessantes e articulados. Na verdade, quando conheci o Glauber, o Caetano, eu não podia prever que eles seriam tão famosos e tão considerados como são hoje. Eu conhecia eles como eu conheço você, é a mesma coisa. Eram meus amigos, a gente falava sobre as coisas, discutia e tal, quer dizer, eram pessoas normais, não tinham esta áurea mítica que depois o talento e o trabalho deles conquistaram.
Você acha que houve uma supervalorização destas pessoas?
Não sei, só se vocês estão supervalorizando de alguma maneira porque, por exemplo, no caso desses dois, do Glauber e do Caetano, eu acho que é natural valorizar porque que cineasta apareceu no Brasil que tenha tido uma obra tão audaciosa, que mexeu no cinema do jeito que o Glauber mexeu? Que compositor tem a inspiraçãso do Caetano como poeta lirico e tudo mais? Quer dizer, são artistas realmente talentosos que com justiça se destacaram durante todos esses anos. Mas não precisa haver endeusamento, agora a admiração é natural.
Você lutou tanto pela contracultura e hoje está na Globo. O Caetano hoje está mais clean, hoje é 'Fina Estampa'. O Zé Celso, por outro lado, que mantém a postura dos anos 60, faz um teatro, dizem, muito datado, que já não tem muita razão de ser. Como é isso? Pode-se dizer que vocês, você e o Caetano, no caso, aderiram ao sistema?
(Risos) Não sei. Eu não aderi ao sistema, eu trabalho na Globo para ganhar a vida. Eu já estive em alguns debates onde disseram: '... antes do Maciel se vender pra a Globo'. Se eu não me vender para a Globo, eu vou ter que me vender para alguém. Eu sou de origem pobre, classe média e tive que trabalhar a minha vida inteira, se eu não trabalhar eu morro de fome, não vou ter onde morar. Eu gosto de morar bem, gosto de morar no Leblon, gosto de comprar meus CDs, gosto de pegar meus vídeos na locadora, preciso de um dinheirinho, não é pecado (risos). Isso não quer dizer que você se vendeu para o sistema. Eu tenho que ser hippie e morar embaixo da ponte? Você tem que se adaptar aos tempos. O Caetano era um jovem artista rebelde, agora ele é um grande senhor da Música Popular Brasileira. O Zé Celso é que parece que quer ficar garoto pra sempre, forever (risos). Ele não quer abandonar a juventude, ele quer aquela coisa sempre. Eu acho válido. Hoje, umas das experiências que tenho na minha vida, particularmente, como indivíduo, é a de você respeitar a liberdade dos outros e as escolhas que eles fazem de como eles querem viver suas vidas. Em 'If 6 was 9', Jimi Hendrix diz: "eu sou aquele que vai morrer portanto me deixe viver como eu quero'. Você vai morrer, por que você vai viver como os outros querem? Você tem que viver como você quer. Então, se o Caetano quer viver 'clean', que viva 'clean'. Se o Zé Celso quer viver como um desbundado até hoje, ótimo, que viva. As pessoas não precisam ter padrão de comportamento. A originalidade de cada um é diferente do outro.
Mas se vocês que eram referenciais estão onde estão...
Ah, então acho ótimo porque você não pode pegar este referencial para repetir esse referencial. Eu sempre acho muito esquisito quando dizem que tem um grupo de neo-hippies. Não é para ser neo-hippie porque esse negócio de hippie já foi feito na minha geração, vocês vão fazer de novo? Que falta de imaginação! Que falta de criatividade! Vocês têm que fazer uma coisa diferente, original. Tem que se fazer sempre um gesto surpreendente. O zen diz: 'A cada momento, um novo momento'. Você tem que estar sempre criando e este é o grande segredo da vida, da existência, é esta criação permanente. Tem uma estória do mestre Zen que diz que todas as perguntas que faziam para ele, ele espetava o dedo para o céu. E ele tinha um discípulo que começou a imitar ele. Quando perguntavam alguma coisa ele fazia o mesmo gesto, apontando para o céu. Aí, o mestre chamou o discípulo para dar-lhe uma lição. Ao lhe fazer uma pergunta, o discípulo espetou o dedo pra cima. O mestre tinha uma faca nas costas e tchum!, cortou fora o dedo do discípulo. Aí o mestre lhe fez outra pergunta e o discípulo foi espetar o dedo mas não pôde porque, agora, só tinha um toco. A estória nos diz que quando ele levantou o dedo, teve uma luz. Ele entendeu que, desta forma, tinha feito um gesto original. Um gesto que o mestre nunca tinha feito, que era levantar um cotoco de dedo (risos).
Então qual seria a mensagem para esses jovens de fim de milênio?
Há um momento em que vocês vão encontrar o que não foi feito como minha geração encontrou. Não sei como se passa porque nós não fizemos nada pra isso, cai do céu. Você só tem que reconhecer que aconteceu e é uma experiência fantástica. Eu acho que é uma experiência fundamental da vida você descobrir a originalidade da sua vocação e a originalidade da sua presença.
Você já identifica algum movimento surgindo por aí?
Não, prefiro terminar falando de forma generalizada sem me comprometer com nenhuma manifestação em particular (risos)."
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