Nos anos 90 surgiu uma banda que trazia em seu som todo aquele clima dos anos 70. Um rock que trazia em seu DNA a marca incontestável de bandas que surgiram ainda nos anos 60, e se estabeleceram na cena do rock nos anos 70. O Black Crowes conseguiu agradar a muitos fãs saudosistas daquela fase mais rica do panorama do rock, mesmo assim, alguns puristas viam em seu estilo algo de oportunista ou uma cópia mal feita. Mas a verdade é que havia ali uma autenticidade e um envolvimento com aquela atmosfera setentista, que leva muitas bandas que fazem covers de bandas dos anos 70, incluírem em seu repertório algo do Black Crowes - Remedy, principalmente.
Abaixo transcrevo uma matéria publicada no sessão "Rio Fanzine", que saía aos domingos no jornal O Globo, assinada por Carlos Albuquerque, no 26/07/92:
"Culpa demais escurece o raciocínio. Tome 'Atração Fatal' como exemplo. Trata-se de um filme conservador? Sem dúvida. Do começo ao fim ele é tradição, família e propriedade. É um filme cínico, não é? Claro (afinal.como esquecer a cena final com um close no porta-retrato da família unida e feliz... depois de tudo aquilo!). É um filme previsível? É, é previsível sim. É isso tudo. - conservador, cínico e previsível. E é muito legal também, se você não se preocupar tanto com essas coisas e quiser apenas se divertir e levar um susto aqui e outro ali. Afinal, não custa lembrar, aquela brincadeira do 'politicamente correto' já saiu de moda até mesmo nos Estados Unidos.
Com o Black Crowes acontece a mesma coisa. Desde o lançamento do seu primeiro disco, 'Shake Your Money Maker' (4 milhões de cópias vendidas, só nos EUA), o grupo dos irmãos Robinson (Chris, o vocalista, e Rich, o guitarrista) tem ouvido poucas e boas. Que são uma cópia de quase tudo que se fez (de bom) nos anos 70. Que são uma xerox bem definida de Faces, Stones, Humble Pie, Bad Company e até mesmo Led Zeppelin. Que Chris Robinson imita descaradamente Rod Stewaart e Mick Jagger. Que isso e aquilo. Estaríamos dessa forma, diante de um Frankstein de bom coração.
E quer saber? Essa turma toda está certa. Os Sherlock Holmes do pop (ou seriam Matraca Trica e Fofoquinha?) descobriram mesmo todos os crimes do grupo. O Black Crowes - cujo segundo disco, 'The Southern Harmony and Musical Confort', acaba de sair aqui via PolyGram - é mesmo um saladão de referências, um painel de recordações do passado. Legal. O próximo passo qual é? Prendê-los? Processá-los? Não. O próximo passo é ouvir o disco. Porque aí todos os crimes (e culpas) serão perdoados. É que o Black Crowes é muito, muito bom. E, convenhamos, é isso o que interessas no final das contas.
'The Southern Harmony and Musical Confort' é o melhor disco dos anos 70 lançado nos anos 90. O clip de 'Remedy' - a música de trabalho - é emblemático. Nada de 'viagens', fantasias cinematográficas ou espetaculares efeitos especiais. Apenas a banda tocando. E aí fica claro a paixão de Robinson por Jagger e Stewart. Magro, longos cabelos, usando calça de veludo boca de sino e colares pendurados no peito, ele rebola e dança exatamente como Jagger fazia quando era jovem. Um sample de carne e osso. E ótima voz.
E antes que alguém diga que é preferível ouvir o original do que uma cópia, por melhor que ela seja, é bom lembrar que os Black Crowes estão em situação privilegiada. Como não beberam na fonte de apenas um grupo, eles se beneficiam da variedade de sons absorvidos (repare bem, absorvidos e não copiados). A sua originalidade se dá exatamente na habilidade em costurar todas essas influências em benefício do conjunto. Afinal, não é chegando na clínica de um cirurgião plástico e pedindo os olhos dec Sharon Stone, aboca de Isadora Ribeiro e o nariz de Madonna que uma mulher vai se transformar numa deusa.
Os Black Crowes evitaram essa cirurgia musical e se deram bem. A formação da banda é clássica e ajuda: vocal, duas guitarras (uma solo, outra base), baixo, teclados (de Ed Hawrysch, resgatando timbres e sonoridades que pareciam perdidos no tempo) e bateria. Completam o time - e dão o imprescindível acento soul - duas vocalistas (Barbara e Icy) resgatadas de um coro gospel de uma igreja de Georgia (terra dos Crowes).
Gravado sem maiores frescuras em apenas oito dias, 'The Southern...' tem 10 faixas que valem o quanto pesam. De 'Sting Me' (uma declaração de amor ao Facces) à releitura acústica de 'Time Will Tell' (de Bob Marley), o rock aparece na sua melhor cartilha - pesado, musculoso e bem tocado (há quanto tempo isso não era importante?). Lá estão temas pesados que se transformam em baladas e baladas que se transformam em temas pesados. Lá estão solos de guitarra precisos e pouco exibicionistas . Lá está, enfim, o rock and roll - esse garotão de 40 e poucos anos - se olhando no espelho e descobrindo que o seu passado é motivo de orgulho. E não de vergonha."
Nenhum comentário:
Postar um comentário