Publicado no “Jornal do Disco”, que vinha encartado na
revista Som Três, nos anos 80. Depoimentos dados ao jornalista Antonio Carlos
Miguel
“Eu fui um moleque de morro, essa
foi a minha infância. A minha família até que tinha um certo conforto, se
comparada com a situação de outros
barracos do São Carlos, mas eu cresci no meio da garotada. Curtindo o morro e
os asfalto, passeava pelo bairro do Estácio, ia à praia no Calabouço, ali no Flamengo,
e jogava futebol na ‘barreira’, um campo que tinha mais barro do que grama. E
foi na adolescência que eu peguei o violão do seu Oswaldo Melodia, e acabei
ficando com o instrumento e o apelido do velho”
“Eu aceito o lance das fãs e até
gosto, mas o que eu não curto é aquele tumulto, aquela coisa pegajosa demais,
tem horas que fica terrível. Mas eu sei que é o meu trabalho que causa isso, as
fãs são uma conseqüência da luz que lanço no ar. Durante o Projeto Pixinguinha
(com Zezé Mota e Marina) eu consegui mostrar pras pessoas, em muitas cidades,
que eu não sou somente aquilo que elas imaginam, não sou só a imagem que deve
ser consumida, mas um cara comum. Eu sou uma pessoa como as outras e tento
mostrar esse meu lado a toda gente. Isso de eu estar em qualquer lugar, de me
misturar ao povo, grila muitos amigos, eles dizem que assim eu vou acabar com o
mistério, quebrar o encanto... Só que não estou nem aí pra isso, quero
continuar curtindo a vida normalmente..”
Melodia com Zezé Mota, no Projeto Pixinguinha |
“Quando conheci Salvador eu
fiquei louco, desbundei com a cidade, me senti em casa, muito livre. É a cidade
com o maior número de negros no Brasil, o lance todo da África bate muito
forte. Aqui no Rio as diferenças são bem marcadas: é o morro ou a Zona Sul. É
uma falsa moral, as meninas são mais arredias, é uma coisa muito mentirosa,
muito tensa. Em Salvador não há esse problema, me sinto mais aberto. Então, é
por isso que de vez em quando eu dou umas fugidas e me escondo por lá, fico em
Itaparica bebendo água de coco...”
“A crítica sempre implicou
comigo, nunca me aceitou como sou. No início eles queriam que eu fizesse samba,
não entendiam como um moleque do morro de São Carlos fizesse aquele tipo
estranho de música. A partir do segundo disco eles passaram a não se conformar
com as minhas letras. Não entenderam nada.
O que eu falo é a linguagem do
meu tempo, da minha geração e do que eu vivi, desde o morro até o asfalto. O
que eu canto não tem uma sequência muito rígida, não é uma historinha com
princípio, meio e fim, são montagens onde eu vou associando as idéias. E tem
tudo a ver... esta é a poesia.”
“E por falar em poesia, tem dois
poetas que foram muito importantes para o meu início, Torquato Neto e Waly
Salomão. Torquato foi a primeira pessoa a me entrevistar e falar sobre o meu
trabalho, numa coluna que ele tinha na Última
Hora, a Geleia Geral. E Waly foi
quem levou Pérola Negra, meu primeiro
sucesso, para a Gal. Conheci o Waly lá, no São Carlos. Morro é muito parecido
com o interior, onde todas as pessoas se conhecem. Então, o Waly aparecia lá
para visitar uma amiga, a Tineca, até que um dia eu, que também estava por lá,
toquei umas músicas e ficamos amigos. Na época, 1971, eu já estava ligado à
música, tendo, inclusive, participado do programa de Jair de Taumaturgo, com
meu parceiro na época, o Volmir Lucena. Quer dizer, eu já havia feito a opção,
só faltava um entrosamento maior.”
“A inspiração está sempre aí, em
todos os momentos. ‘Juventude Transviada’ eu fiz para uma pessoa que eu conhecia
na época, mas a letra tem abertura pra falar com todo mundo, tem momentos que
eu tô falando pra toda essa juventude. Não há um só caminho, uma só leitura, as
coisas são sempre mais amplas. Já ‘Pérola Negra’ foi surgindo aos poucos, eu já
tinha a música mas não estava acabada, então pintou uma menina que foi muito
importante e eu completei. Ela foi composta em 1970 mas acho que tem a ver com
80, é uma linguagem muito forte e que ainda está em cima...”
“Já aconteceu de, numa blitz no
Baixo Leblon, os homens chegarem e invocarem comigo por eu ser um artista.
Então, nessa noite, os caras me levaram preso por eu ser o Luiz Melodia. Os
caras me olharam dos pés à cabeça, me agrediam com coisas imbecis, tentando me
humilhar, mas de repente eu senti que aquilo era uma espécie de amor, era a
forma de comunicação deles, era o único meio que eles tinham de chegar até ao
‘Melodia’. Eles me odiavam ao mesmo tempo em que me adoravam. Mas mesmo
sentindo isso, eu temo eles, pois a maioria dos caras é muito burra e burrice é
uma coisa perigosa, que eu não admito.”
“Eu nunca tive muitos problemas
com a minha voz, nem me preocupo com isso, apenas abro a goela e mando brasa.
Na excursão do Projeto Pixinguinha, por exemplo, a Marina passava os intervalos
todos gargarejando, não tomava nada gelado, cheia de cuidados e mil lances e
enquanto isso eu só lá na Brahma. Quando chegava a hora de entrar no palco eu
mandava ver e cantava. A única vez que tive grilos foi uns anos atrás em
Brasília quando deu um branco total e a voz sumiu. O clima do Planalto Central
é muito seco e deve ter dado alguma alteração no metabolismo. Foi nesse lance
que surgiu a frase ‘Eu quero é mel’, na música Questão de Posse.”
“Eu nunca desisti de bater as
minhas peladas e, quando pintou um torneio no campo do Chico Buarque, eu
resolvi formar um time com a rapazida do morro, o Estácio Holy Futebol Clube. Então eu chamei o Nelson, o Carlinhos,
Coutinho, Roberto, Tadeu, todo um pessoal que cresceu jogando bola comigo. Eu
sabia que com essa patota nós estaríamos na final com certeza. Os outros times
eram integrados na maioria por artistas e músicos, então eu deixava o pessoal
do Estácio dilatar o placar pra depois botar em campo as estrelas musicais, eu,
o parceiro Ricardo Augusto, o Macalé, que às vezes aparecia... Assim chegamos
ao vice-campeonato, só perdendo a última partida...”
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