Em 1977, a edição nº 23 da revista Música trazia uma matéria com Jorge Mautner, na qual ele desabafa sobre sua insatisfação com relação a um suposto boicote a seu trabalho, considerado de difícil assimilação. Sua fama de "maldito" o perseguia e trazia prejuízos a sua carreira. Abaixo, a transcrição da matéria, assinada pelo jornalista Luiz Antônio S. Chagas:
"Os estudantes que subiam a rua Joaquim Eugênio de Lima, em São Paulo, rumo ao Colégio Objetivo, nunca iriam imaginar que Jorge Mautner estava hospedado naquele casarão antigo e bagunçado, cheio de quadros enormes e coloridíssimos nas paredes. Discutindo com seu empresário, caminhando pela casa de tanga ou brincando com a filha Amora, Mautner conserva seu indefectível ar de profeta e louco poeta.
Mautner, que acabava de apresentar o show 'Coração, Coração, Coração', no teatro Cenarte, está enfrentando uma nova onda de incompreensão, desta vez caracterizada pelo boicote, segundo ele, ideológico. Havia uma proposta de se juntar Mautner e Gil para o 'Projeto Pixinguinha', feita pelo diretor Kleber Santos, mas as respostas foram evasivas. No festival Abertura havia uma linha contrária, nitidamente apriorística, no sentido de barrar 'Bem te vi, Bem te viu', que apresentou ao lado do maestro Júlio Medaglia. No final do ano passado houve uma nova proposta de dupla, desta vez com Adoniran Barbosa, mas este foi levado a desistir na última hora sob a alegação de que Mautner 'não tem nada a ver com ele'.
Com os cabelos mais curtos, partindo para um trabalho de autoprodução e sobrevivendo 'graças a três horas de kung-fu' por dia, Mautner declarou-se 'em guerra aberta e plena, da qual só sairá morto, jurando perseguir seus inimigos até o fim da vida'.
Jorge Mautner nasceu no dia 17 de janeiro de 1941. Natural do Rio, mas criado em São Paulo, Jorge aprendeu violino dos sete aos quatorze anos com seu padrasto, violinista do Teatro Municipal. Aos quinze já tinha feito o 'Movimento do Kaos' e, em 62, lançava o livro 'Deus da Chuva e da Morte', em cima de um piano, no extinto 'João Sebastião Bar', cantando a música 'Olhar Bestial', incluída no elepê 'Para Iluminar a Cidade' (1972). Logo passou para o bandolim por ser mais popular e ter a mesma afinação em quintas (sol-ré-lá-mi). Em 63 lançou 'Kaos' e, em 65, 'Narciso em Tarde Cinza' e 'Vigarista Jorge', além de um compacto com as músicas 'Rádio Atividade' e 'Não, Não, Não'. Jorge relembra que na época 'até Nara Leão' comentou que a bomba atômica não tinha nada a ver com a realidade nacional, mas hoje ela está pra gravar umas músicas minhas.'
Nessa época (65), Jorge lançou os Mutantes em um show que fez no restaurante 'Urso Branco', em São Paulo. Em seguida, foi para os Estados Unidos, onde ficou sete anos viajando muito, mas sediado em Nova Iorque.
Já no Brasil, em 1972, fez um show no Teatro Opinião do Rio, gravado e lançado sob o título 'Para Iluminar a Cidade', cuja novidade era o preço: Cr$ 15,00 (na época e média era de Cr$ 25,00). As lojas não concordaram e o disco virou peça de colecionador. Desse disco saiu 'Quero Ser Locomotiva', gravada por Wanderléa, e "Agora Você', por Beth Faria, já com arranjos de Nelson Jacobina, seu parceiro, músico e amigo até hoje. Seguiram-se a Phono 73 ('Rock da Barata', lançado em compacto) e a gravação de músicas suas por Marília Pera ('Samba dos Animais'), Edy Star ('Olhos e Raposas'), Gil ('Maracatu Atômico', 'O Heroi das Estrelas, 'O Relógio Quebrou' e 'Rouxinol', entre outras). Em 1974, saiu o elepê 'Jorge Mautner' pela Phonogram, com arranjos de Gil e, em 1976, o 'Mil e Uma Noites de Bagdá', que segundo Mautner, 'colidiu com o lançamento de Balchior'.
O Festival Abertura foi sua última aparição naquilo que chama de 'grande mídia'. 'Fragmentos de Sabonete' o último livro esgotado nos shows, 'Negro Blues' seu último show antes de 'Coração, Coração, Coração'. Norton (do Burmah) e Sérgio Kera são os integrantes de sua última banda. Jorge tem material para um elepê e um novo livro, 'Panfletos da Nova Era', com artigos sobre 'a guerra cultural dos baianos', Sérgio Cabral, Einstein, Marx e Luiz Melodia.
'Coração, Coração, Coração' é uma música romântica, como o é também 'O Samba da Suzete', que conta um assassinato, sendo música chinesa, ritmo afro, bossa-nova, soul, discotheque e muito blues. Mautner tem ainda uma música de 120 versos 'O Filho Predileto de Xangô' (cuja versão integral aparecerá no 'Panfletos'), muito ligada a Jorge Ben e Gil que, por sinal, é filho de Xangô.
Apesar de toda a sua disposição e o kung-fu diário, Mautner está um pouco desiludido com o ECAD e a situação legal do músico brasileiro. Já chegou a procurar Macalé para ver o que está acontecendo e desabafar: 'Todas as mercadorias brasileiras têm benefício de lei, menos artistas que parecem ser os inimigos. Ao invés de apoio, recebem anti-apoio. A caução adiantada paga aos teatros é contra o artista, principalmente o novo. Antigamente, o que era pago era uma porcentagem da renda. A MPB hoje está ótima porque reflete toda essa bagunça."
Nenhum comentário:
Postar um comentário