Palavras Domesticadas

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quinta-feira, 12 de fevereiro de 2015

O Pasquim Entrevista os Novos Baianos - (1969) - 1ª Parte

Em 1969 o jornal carioca O Pasquim realizou uma entrevista com os Novos Baianos, uma banda que havia gravado um disco no ano anterior (Ferro na Boneca), e que já chamava a atenção do pessoal mais ligado num novo som. A banda ainda não havia feito a revolucionária fusão samba-rock-chorinho, deflagrada a partir do disco Acabou Chorare (1972), mas seu primeiro disco já havia causado um alvoroço suficiente para merecer uma boa entrevista, que contou com Glauber Rocha e Luiz Carlos Maciel e Sérgio Cabral com Galvão, Moraes, Paulinho e Baby. Segue abaixo a entrevista:

Glauber Rocha - Os Novos Baianos e Baby Consuelo lançaram um disco, no ano passado, que o pessoal ligado em música ouviu, mas parece que o disco não aconteceu por causa das transas da música popular brasileira. Agora lançaram um show, Os Novos Baianos no Final do Juízo, e eu acho que é legal. Eles estão aqui: Baby, Paulinho Boca de Cantor, Moraes e Galvão. Eles passaram um período lá na Bahia e estão pintando aqui no Rio.

Glauber - Como é que foi o negócio do Delegado Gutemberg com você lá na Bahia, Paulinho?
Paulinho - Olha, bicho, eu não me lembro direito não. Eu tava sentado na balaustrada e o pessoal tava todo ligado em nós. A gente tinha chegado lá na Bahia, sacumé, né? Os Novos Baianos botando pra quebrar aqui no sul e tal. Tava todo mundo lá na porta do hotel: quando eu vi, foi o cara dizendo; 'se não entrar, leva bolacha". Mas aí eu me esqueci disso também na hora, eu acho que não sabia o que estava acontecendo, não. Eu sei que eu fui até lá, fiquei pouco tempo, mas nem me lembro de perguntar nada, não.
Glauber - Foi uma transa incrível, né? Mas o Gutemberg já caiu. O negócio do show como é que é?
Galvão - O show é meio mágico, sacumé? Com as coisas bonitas assim, e loucura, que é coisa bonita mesmo. Não tem nada demais não. Tudo bem simples mesmo. Coisas assim bem bestas: chuva, sol nascendo, fogo saindo das pernas de Paulinho, arco-iris, relâmpago. Essas coisas que a gente não vê toda hora, sacumé?
Sérgio Cabral - A Baby uma vez me disse que ia fazer um show com  aquele negócio que nasce pelo no braço e fica igual um macaco. Você vai fazer esse troço?
Baby Consuelo - Não, aquilo já passou. Era naquele tempo, agora é outro. Agora o negócio é No Final do Juízo, tá sabendo?
Luiz Carlos Maciel - Baby, esse show é aquele que você me falou que queria fazer ou é outro?
Baby - Esse é o que eu qyero fazer mesmo. Só tem esse aí e os próximos.
Maciel - Como é que estão as músicas?
Paulinho - O som tá todo em cima. Agora mesmo nós fizemos um conjunto novo aí, que é A Cor do Som e o som tá em cima mesmo. Vai ser da pesada.
Maciel - Tem muita coisa nova?
Paulinho - Tem. Só tem quatro músicas gravadas no show, o resto é tudo novo.
Sérgio - Quantas músicas tem no show?
Paulinho - 21.
Maciel - Galvão, você não acha que um show assim meio0 mágico, com muita luz, pode prejudicar o som?
Galvão - Eu acho que não. O show, como eu estava falando, é mágico, mas tem som por detrás, aliás, na frente. O som tá na frente, uma hora bem forte e outra bem mole. O som é a vida mesmo. Por exemplo, o figurino nosso é a Bíblia, sacumé? Nós pegamos aquelas roupas da Bíblia. Nós vimos aqueles pintores legais. Os santos tinham umas roupas bem bacanas e eram pobres, não tinham dinheiro, mas tinham uma roupa legal. Então nós achamos que a gente também podia ter essas roupas. E aí, com uma roupa legal, com um som legal, a iluminação só vai dar mais vida. Ao mesmo tempo, não vai parar nada pra acontecer, as coisas tão acontecendo todas ao mesmo tempo. O sujeito vai ver hoje e vai ver amanhã, porque ele vê, porque ele vê e não viu direito. Nós queremos que ele sinta vontade de ver novamente. Eu acredito e tenho certeza, aliás, que o cara vai gostar de várias coisas. Tem um cara que gosta de som, mas tem um cara que vai assistir ao show e diz: "ah, só tinha um cara cantando lá, não teve nada'. Esse cara não vai ter o que dizer depois, ele vai ter que dizer outras coisas novas, outras falhas novas, mas as velhas ele não vai encontrar.
Maciel - Baby, eu soube que você foi a grande estrela de Guarapari. Como eu não fui lá, eu queria que você contasse como é que foi?
Baby- Foi o seguinte: um dia eu tava no escritório do Chacrinha e ele estava sendo contratado pro festival de Guarapari. Aí, ele pegou, forçou uma barras pros caras me contratarem também e conseguiu. Aí, chamei os meninos e encontramos com o cara para ir todo mundo, mas ele disse que não ia contratar os meninos, porque nós tínhamos sido presos e íamos marginalizar o festival. Mas no dia do festival nós fomos assim mesmo, estávamos a fim  de ir, o negócio da gente é som. Onde tem som que tá um, tão os outros. Não tem essa. Quando nós chegamos lá, aconteceu que o festival começou a cair, sacumequié? A grana começou a sumir, todo mundo louco, a polícia na porta: 'vou prender, vou prender". Como é que fica? E nós, cabeludos, como quê, umas figuras incríveis, dentro do hotel. Na última hora ninguém queria mesmo fazer por causa da grana, todo mundo amarrado em som, sacumequié? Aí chegaram pra gente e falaram assim: "cumequié, vocês vão ou não vão fazer? Se vocês não forem fazer nós miremos prender os caras." Aí, nós fizemos. Primeiro, porque o negócio da gente é fazer um som e depois porque eu jamais vou deixar um cara ser preso por minha causa. Nós não termos nada com isso, o cara não ia ser preso por causa da gente. Então nós dissemos; "é claro, amigo, estamos aí, o negócio é esse mesmo." Aí, estava cantando um monte de gente, até Ângela Maria, que disse que eu fiquei mostrando as pernas pra tirar o público dela, mil lances. Quando nós entramos no palco e a Cor do Som atacou uma música lá de Santana, nego começou a ficar louco, mandando abrir os portões pra descerem os hippies, aí desceu todo mundo e a moçada desbundou mesmo, sacumé? No outro dia de manhã, nós estávamos lá num quarto de hotel conversando, todo mundo rindo paca, daqui a pouco batem na porta e entram dois caras: "Baby Consuelo e os Novos Baianos, cadê a moçada? O prefeito quer falar com vocês." Aí chegou o prefeito: "Vocês são maravilhosos, são incríveis, paz! (fez um "v" da vitória, logo). Vocês salvaram o festival, Guarapari agradece a vocês' - maior loucura.
Abriu mais um hotel pra gente, comida, pagou tudo, carro. Nós podíamos até andar de cabeça  pra baixo na cidade que não tinha grilo, sacumé? Maior limpeza. Maravilhoso. Eu só sei que no último dia, ninguém tinha ganhado um tostão. Só os artistas mais famosos, que iam botar alguma coisa na Justiça, ganharam. Onde tinha grana, deram. Nós fizemos o negócio pra salvar o pessoal, pra não deixar ninguém  ir preso. Os caras que iam presos eram os que tinham dito que a gente era marginal, sacumequié? Eu só sei que o prefeito de Guarapari deu um terreno pra mim, um terreno pra Paulinho, duas casas na praia, grana, passagem, e ainda ficou dizendo que eu era a dama, a noiva dele. Maravilhoso, maior limpeza. Foi incrível.

(continua)


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