Palavras Domesticadas

Palavras Domesticadas

segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

Gal, anos 70


"Quando eu me deparo com um público legal, um público quente, o show sempre é mais quente, porque eu geralmente me comunico muito com o público. Quando eu tô entrando no palco eu olho para as pessoas, eu sorrio para elas, eu olho pra elas e rio mesmo, como se tivesse conversando, olho diretamente para a cara de cada um. Agora quando eu me deparo com um público antipático, às vezes eu fico agressiva. Eu já cantei num lugar um dia, acho que foi em Petrópolis ou Teresópolis. Eu entrei no palco, de repente só tinha assim aquelas pessoas idosas, aquela gente toda, aquelas senhoras rindo, cá-cá-cá, conversando, com certeza dizendo:"Olha a roupa dela que engraçada, aquele cabelão, e não sei o que, menina, parece uma boneca, uma bicha", falando coisas desse tipo. Pô, você tá cantando, você tá olhando as pessoas falando tchi-tchi-tchi e rindo. É insuportável. Eu cantei Detalhes de uma maneira inteiramente agressiva. Eu não canto desse jeito, e nesse dia eu cantei Detalhes agredindo o público.


No Festival da Record, eu cantei Divino Maravilhoso. Anunciaram Caetano Veloso e Gilberto Gil (autores da música) e já começaram a vaia. Aí entro eu, a vaia dobrou. Eu vi a raiva e consegui entender. Quando eu passei pra frente do palco as pessoas que estavam vaiando acabaram aplaudindo, era impressionante. Eu me lembro que tinha uma menina assim uhuhuhuhu, me vaiando, no meio de algumas pessoas que estavam aplaudindo, com raiva, eu fiquei com tanta raiva que eu parei assim, olhei pra ela e fiz: "é,é,é,é preciso estar atento" - e fui direto no olho dela, olhando assim pra cara dela, mas com uma violência tão grande que, eu não tô exagerando, a menina parou e sentou na cadeira, eu fiquei impressionada. Era um acontecimento muito forte também, era uma coisa muito verdadeira, pô, tava acontecendo aquela coisa nova pra mim, eu tava dizendo com toda vontade, eu acreditava e era verdade.
Depois de tudo aquilo que aconteceu, a prisão de Caetano e Gil, eu fazia o meu show pensando neles. Eu não podia fazer nada, o que eu podia fazer era gritar, cantar. Então eu cantava por eles, cantava pensando neles, cantava de uma maneira muito violenta. Era como se eu tivesse lutando por eles. Eu tava lá, junto com eles, eu tava ali. Era o que eu podia fazer, era cantar, cantar, cantar."

Nenhum comentário:

Postar um comentário