Em sua edição nº 23, de 1977, a revista Música trazia uma matéria com Tim Maia, assinada por Júlio Barroso. Na matéria, Júlio, que mais tarde ingressaria diretamente no mundo da música como membro fundador da Gang 90 & as Absurdetes, um dos grupos mais criativos do rock brazuca dos anos 80, fala da trajetória de Tim Maia, como o grande pioneiro da black music feita no Brasil, e sua carreira. Segue abaixo a transcrição da matéria:
"Sebastião Rodrigues Maia, Tim Maia, o primeiro 'Don' de nosso cenário do swing afro-americano.
Mas quem é Tim Maia? Em 1957, na época em que os russos lançaram o Sputnik, ele lançava a sua réplica à conquista espacial, a banda 'iê-iê-iê' The Sputniks, grupo profissional da rapaziada da Praça da Bandeira. Tim cantava e Roberto Carlos era um dos integrantes da banda. Aos dezesseis anos foi para Nova Iorque, tinha estudado até o terceiro ano ginasial, moleque criado no Rio, malandro, esperto, pois sentia não haver mais lugar pra ele aqui.
Chegou lá na cara de pau. Fez um curso de americanização em seis meses, cursou dois anos de High School, depois frequentou um período sem crédito universitário na New York University. Durante essa época educacional Tim já havia formado um grupo vocal. Ele é um dos nossos mais intensos vocalizadores, íntimo dos arranjos de voz. Com este grupo, Tim gravou dois discos simples. Fora isso, fez muito back vocals em sessões de estúdio.
Mas Tim Maia não trabalhou apenas como músico nos Estados Unidos. Limpou neve e trabalhou em um asilo para velhos. Foram cinco anos de Estados Unidos, o tempo que Don Maia transou diretamente com o cenário soul, sentindo de perto o calor do ritmo, o feeling do blues, a fusão com o gospell, o sentimento da voz negra. Período em que reuniu informação, tecnologia e transmissão, o que lhe deu a base internacional de sua obra. Foi aí também que o cantor assentou por completo os seus conhecimentos fundamentais do mundo de voz, o falsete, a improvisação, o howl (urro) e o diafragma.
A volta ao Brasil foi um recomeço para o som de Tim. Ele foi o eixo central de todo um universo sonoro. Criticado duramente pela ala revisionista da MPB, contemporâneo de um período onde o vácuo deixado pela ausência dos fluidos revolucionários de Gil e Caetano era sentido duramente, o chamado vazio do pós-tropicalismo. Foi numa época assim, confusa e difícil, que Tim foi criando a sua turma em Copacabana, a rapaziada que se reunia na boate 'Quincy', o templo do swing. Lá estavam Genival Cassiano e seu grupo 'Os Diagonais' (Camarão, Amaro e Max); Don Charles, o fabuloso arranjador e tecladista; Mita e tantos outros que formavam o time pioneiro do balanço zona sul-soul.
Os primeiros discos de Tim são pontilhados por um cordão de hits fulminantes: 'Primavera' (de Cassiano); 'Coroné Antônio Bento' (de Vanderlei e João do Valle); 'Festa dos Santos Reis' (de Branco); 'Padre Cícero';' Azul da Cor do Mar' e 'Cristina' (todos dele mesmo). O estilo de Tim foi se solidificando disco após disco, e seus colaboradores foram seguindo seus próprios rumos. A MPB daquela época já apresentava sinais de mudança e renovações, a persistência de Rita Lee após o fim dos Mutantes, a fase áurea dos Novos Baianos, a profética modernização do choro por Paulinho da Viola e a permanência mágica do poeta Jorge Ben são dados contemporâneos ao surgimento da escola negra de Tim Maia, o grande band-leader, respeitado por todos seus camaradas. Ele possui um toque!
Por suas bandas passaram e continuam passando excelentes arranjadores, instrumentistas, cantores e compositores. Através dessas duas décadas e criação musical, ele teve ao seu lado Robson Jorge, Hyldon, Carlos Dafé, Rubão Sabino, Jamil Joanes, Paulinho Guitarra, Pedrinho Dinamite, Mita e tantos outros, que hoje seguem suas carreiras individuais.
Atualmente, a grande expectativa é o novo álbum de Tim. Lendário pela perfeição que imprime na confecção de seus elepês ele encontrou agora as condições ideais de trabalho: liberdade total de movimento e exigências técnicas cumpridas. Enfim, dados que compõem o apoio tecnológico necessário.
No disco Tim passou horas a fio preparando bases fulminantes, assessorado por Jamil, no baixo; Paulinho Braga, na bateria; Robson Jorge, nos teclados; Hyldon, Ary e Piau, nas guitarras; Cidinho, nas percussões, e o apoio vocal dos Diagonais e do coral São Paulo. Ele próprio realizou várias partes de percussão, guitarra e efeitos e, finalmente encaixou a sua voz enorme, de feeling profundo. Quando ouvi os primeiros teipes fiquei surpreso com o nível de produção, o resultado final e a qualidade industrial do trabalho. Exatamente o que faltava para glorificar o sentimento e a criatividade que pontificam em toda a obra gravada de Tim.
Segundo o cantor, o acabamento industrial é um dos componentes fundamentais para que uma obra possa ser transposta para a negra massa de vinil e toda a carga de sensibilidade e criação possa ser captada pela gravação. Ele detesta o que chama de mentira musical: o resultado pobre e ridicularizador da música de um artista, provocada por um acabamento técnico medíocre.
Eu acredito que o elepê de Tim Maia (assim como 'Babilônia' de Rita Lee) seja um grande passo na direção de uma sonoridade internacional a nível de música popular, e neste sentido Tim é um grande pioneiro.
Em seu novo disco existem momentos de rara beleza, a canção 'Murmúrios', de Cassiano; 'Pais e Filhos', de Piau e Arnaud; e 'Sossego', um balanço ultrafunk de sua própria autoria. O cantor/compositor preparou também uma superbanda pra atacar ao vivo, logo que seu novo álbum esteja nas lojas. É preciso ver para crer, ouvir para sentir a música do mulato Tim, que com seu som segue a tradição de inquietação criativa de grandes nomes como Ismael Silva, Geraldo Pereira, Jorge Ben, Gilberto Gil e Luiz Melodia, todos os blacks que entornaram o caldo da cultura europeia, colonizadora e castrativa, driblada pela força dos filhos da África, de maneira genial, mesmo com nossas pernas tortas (recursos subdesenvolvidos), de geniais garrinchas. "
Por suas bandas passaram e continuam passando excelentes arranjadores, instrumentistas, cantores e compositores. Através dessas duas décadas e criação musical, ele teve ao seu lado Robson Jorge, Hyldon, Carlos Dafé, Rubão Sabino, Jamil Joanes, Paulinho Guitarra, Pedrinho Dinamite, Mita e tantos outros, que hoje seguem suas carreiras individuais.
Atualmente, a grande expectativa é o novo álbum de Tim. Lendário pela perfeição que imprime na confecção de seus elepês ele encontrou agora as condições ideais de trabalho: liberdade total de movimento e exigências técnicas cumpridas. Enfim, dados que compõem o apoio tecnológico necessário.
No disco Tim passou horas a fio preparando bases fulminantes, assessorado por Jamil, no baixo; Paulinho Braga, na bateria; Robson Jorge, nos teclados; Hyldon, Ary e Piau, nas guitarras; Cidinho, nas percussões, e o apoio vocal dos Diagonais e do coral São Paulo. Ele próprio realizou várias partes de percussão, guitarra e efeitos e, finalmente encaixou a sua voz enorme, de feeling profundo. Quando ouvi os primeiros teipes fiquei surpreso com o nível de produção, o resultado final e a qualidade industrial do trabalho. Exatamente o que faltava para glorificar o sentimento e a criatividade que pontificam em toda a obra gravada de Tim.
Segundo o cantor, o acabamento industrial é um dos componentes fundamentais para que uma obra possa ser transposta para a negra massa de vinil e toda a carga de sensibilidade e criação possa ser captada pela gravação. Ele detesta o que chama de mentira musical: o resultado pobre e ridicularizador da música de um artista, provocada por um acabamento técnico medíocre.
Eu acredito que o elepê de Tim Maia (assim como 'Babilônia' de Rita Lee) seja um grande passo na direção de uma sonoridade internacional a nível de música popular, e neste sentido Tim é um grande pioneiro.
Em seu novo disco existem momentos de rara beleza, a canção 'Murmúrios', de Cassiano; 'Pais e Filhos', de Piau e Arnaud; e 'Sossego', um balanço ultrafunk de sua própria autoria. O cantor/compositor preparou também uma superbanda pra atacar ao vivo, logo que seu novo álbum esteja nas lojas. É preciso ver para crer, ouvir para sentir a música do mulato Tim, que com seu som segue a tradição de inquietação criativa de grandes nomes como Ismael Silva, Geraldo Pereira, Jorge Ben, Gilberto Gil e Luiz Melodia, todos os blacks que entornaram o caldo da cultura europeia, colonizadora e castrativa, driblada pela força dos filhos da África, de maneira genial, mesmo com nossas pernas tortas (recursos subdesenvolvidos), de geniais garrinchas. "
Genial!
ResponderExcluirValeu
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