Gil-Scot Heron foi um músico inovador, considerado precursor do rap, por já usar na década de 70 letras longas, com mensagens de conscientização, num canto quase falado em muitas de suas músicas. Gil foi um expoente do movimento negro pelos direitos civis ao lado de tantos outros que lutavam através de sua arte contra o apertheid social da América segregacionista. Gil nunca chegou na ser um artista de grande popularidade, e um grande vendedor de discos, mas deixou sua marca no mundo da música negra. Além de compositor e músico também era escritor. Em 1994 Gill lançava mais um disco, Spirits, e ganhou uma resenha assinada pelo jornalista e fotógrafo Carlos Albuquerque em O Globo. Gil faleceu em 27/05/11, aos 45 anos. Abaixo a matéria, intitulada "A Volta do Poeta da Meia-Noite":
"Ice Cub, Snoopy Doggy, Ice-T e todos os mal-encarados 'militantes' do gangsta rap parecem crianças desbocadas perto de Gil Scott-Heron. De volta às ruas com o disco Spirits , depois de longa e sentida ausência, o poeta número um da música negra americana faz rimas ricas em um meio que anda pobre de sutilezas.
- Eu já perdi a conta de quantas vezes me perguntaram como eu definiria minha música. Em princípio eu chamaria de 'minha'. Mas poderia dizer também 'midnight music', 'third world music' ou 'bluesology'. Minha definição preferida, contudo é 'black music' - diz ele no encarte do disco, lançado pela mindependente TVT Records.
Sua fina ironia em relação aos rótulos faz sentido. Desde que foi visto e ouvido pela primeira vez em ação, em 1970 com o disco 'Small talk at 125th and Lenox', Gil-Scott Heron tem sido um artista duro de enquadrar, graças da Deus.
Nascido em Chicago em um dia consagrado à mentira - 1º de abril de 1949 - Heron cresceu vendo a verdade de perto. Transplantado para o meio da selva do Bronx nova-iorquino, ele tinha tudo para ser mais um rebelde sem causa.
Felizmente, nosso heroi preferiu fazer outro tipo de arte. Contaminado pela escrita de LeRoi Jones e Langston Highes, pelo lamento sofrido de do blues, e pelo jazz de miles Davis e John Coltrane, Heron passou a enxergar mais longe que os garotos da sua rua.
Deu no que deu. Seus primeiros textos, suas primeiras poesias, tinham tamanha qualidade que o levaram de uma escola pública a uma particular, e de lá a uma universidade.
Seu primeiro disco nasceu da necessidade de juntar duas grandes paixões: poesia e música. Como havia fumaça no ar, com a luta pelos direitos civis queimando a América, Heron debutou com um clássico que atravessaria décadas: 'The revolution will not be televised'. A letra: "A revolução não vai ter sex-appeal/ A televisão não vai poder dizer o vencedor no jornal das oito/ As mulheres não vão se preocupar se Dick vai ficar com Jane na novela/ Porque os negros estarão na rua lutando por um dia melhor/ A revolução não será televisionada/ A revolução não terá replay/ a revolução será ao vivo, brother'.
Não só isso. Ao longo dos anos em escassos lançamentos, Heron antecipou a chegada do rap (na música 'No knock'), rechaçou o apartheid antes que ele fosse pauta da ONU (em 'Johannesburg') e mostrou que o canto falado combinadva com com a roupagem jazzística. Jazz-rap, como se diz hoje.
'Spirits' é, portanto, um acontecimento que deve ser saudado com fogos de artifício. Porque Gil-Scott Heron continua o mesmo. Cool, elegante e multíssimo bem acompanhado por um comboio jazzístico (incluindo o inseparável parceiro, o pinista Brian Jackson) e com a participação especial de Ali Shaheed Muhammed, do A Tribe Called Quest.
De novo, as letras: 'Isso é música negra, e é poesia/ Mas não é antibranco ou anticoisa alguma/ Eu sou antiguerra e antiódio/ Antirealidade de vidas sacrificadas por aqueles que não têm alma e espírito'. Pode ter certeza: Snoopy Doggy, Ice-T e Ice Cube vão ouvir esse disco em casa com muita atenção. E respeito também."
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