Palavras Domesticadas

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quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

Os Mestres e as Criaturas Novas - Jim Morrison


Jim Morrison foi uma das figuras mais marcantes e conturbadas da história do rock. Dono de uma personalidade ímpar, uma inteligência e uma cultura mordazes, aliadas a uma vida pessoal marcada por ínumeros acontecimentos que marcaram sua biografia extramusical, Morrison foi antes de tudo um grande poeta. Não apenas o letrista, mas o poeta mesmo, que escrevia versos inpirados, carregados de dor, angústia, ironia e todos os sentimentos que percorriam sua mente inquieta. À frente de sua banda, The Doors, Morrison também se tornaria um dos mais carismáticos e cultuados astros que o rock produziu.
A editora portuguesa Assírio & Alvin, nos anos 80 editou uma coleção chamada Rei Lagarto, por sinal, uma forma com que que Morrison era denominado. Essa coleção trazia biografias e antologias poéticas de várias figuras marcantes no mundo do rock e do jazz, como por exemplo, o baixista Charles Mingus, Ian Curtis (Joy Division), Patti Smith, Neil Young, Frank Zappa, Leonard Cohen, David Bowie, e claro, Jim Morrison.
O livro nº 14 dessa coleção traz textos não musicados de Jim Morrison, chamado "Os Mestres e as Criaturas Novas". Assim o livro é apresentado, por Paulo da Costa Domingos:
"James Douglas Morrison, que se notabilizou como Jim Morrison, nasceu em Melbourne (Flórida) a 8 de dezembro de 1943. Carreira fulminante, da escola de cinema (a U.C.L.A., de Los Angeles, onde foi companheiro de Coppola) aos palcos como cantor de música popular.
Dizem que a morte apazigua. Sabe-se que o sacrifício aplaca a ira... dos deuses?... do homem? Jim Morrison representava o ódio ao Poder amerikkkano(sic), o ódio à cruzada contra o Vietname. A sua morte 'acidental', em Paris, a 3 de julho de 1971, consagra a vitória de uma batalha química sobre aquilo que as maiorias silenciosas designam por 'inimigo de dentro'.
Os livros de poemas The Lord e The New Criatures, ambos de 1969, referem zonas do conhecimento translúcido, solucionáveis, na tradução, unicamente pelo afastamento dos lexemas. Tentamos reconstituir esse clima, onde a fidelidade não reside em traduzir 'Lords' por 'Senhores'."
Abaixo alguns textos de Morrison, que selecionei:


Saunas, bares, piscinas interiores. O nosso chefe ferido
jaz sobre os azulejos. Hálito e longos cabelos
de cloro. Inválido, seu ágil corpo
de pugilista. Ao lado
um jornalista creditado, confidente. Gosta de sentir-se
entre homens com profundo sentido de vida. Mas a maioria
na imprensa são abutres sobrevoando a cena
à cata de curiosa arrogância americana. Câmeras
dentro do esquife entrevistam germes.

Só o genocídio revolveria a terra
expondo os vermes escondidos. Revelando
a vida dos nossos insatisfeitos loucos

Por dentro do sonho floresce o sono vestindo o teu corpo
como uma luva. Afinal liberto do espaço e do tempo. Apto a dissolver-se no verão que corre

Noite após noite o sono mergulha-nos num sub-oceano.
Pela manhã, acordamos molhados, arquejantes, com os olhos
a arder

Já não temos dançarinos, os possessos.
A clivagem dos homens em atores e espectadores
é o fato crucial do nosso tempo. Obcecam-nos
herois que por nós vivem e nós punimos
Ah! se todas as rádios e televisões fossem
desligadas, e todos os livros e quadros
queimados já, todas as salas de espetáculos encerradas...
essas artes de viver por procuração...
Contentamo-nos com ofertas, na nossa procura de
sensações. Deu-se a matamorfose do corpo enlouquecido
pela dança nas colinas num par de olhos
rasgando a treva

Em teoria o nascimento é provocado
pelo desejo da criança abandonar o útero
Mas na fotografia o pescoço
de um cavalo nascituro
apesar das pernas já de fora, luta por reentrar.
E isto diz tudo:
Sorvemos o leite do seio
até não haver mais leite.
Atulhamo-nos em riqueza
até transbordar.
Ele sorve a semente, orgulhoso
até que, boca pálida, foge
chupa ela a raiz, mundo
arrepiante devorando a criança.
Não me engolirá a terra
quando eu morrer, ou o mar
se for o mar a minha morte?

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