Em sua coluna no jornal O Globo, de 28/08/75, o crítico Nelson Motta falava de Alceu Valença, um talento em ascensão na época. Projetado no Festival Abertura, da Globo, acontecido naquele mesmo ano, Alceu já era uma promessa de nossa música, fato que se concretizou ao longo de sua carreira. A matéria fala também de Zé Ramalho, que na época ainda era conhecido como Zé Ramalho da Paraíba. A matéria é intitulada "Alceu Valença: a descoberta (tardia) do danado de Catende", referindo-se a música "Vou Danado pra Catende", que Alceu defendeu no citado festival. Segue a matéria:
"Há muitos anos que Alceu Valença vem amadurecendo seu talento nos gostos amargos dos desinteresses, acomodações, fraudes e incompreensões. Agora o seu fruto começa a amadurecer, a ser notado pelo que Tárik de Souza chama com propriedade 'valor alimentício'. Também começa a tornar-se dourado, o que de certa forma também está atraindo os, digamos, 'fruticultores'. E até os vendedores de frutas. E está começando a chegar com seus sabores doces e amargos ao paladar das pessoas. No Teatro Tereza Raquel, ao lado de uma banda notável.
O primeiro impacto que me provocou Alceu Valença foi seu disco, lançado praticamente em segredo em novembro de 74. Depois, mesmo algumas opiniões respeitáveis que não viram importância em 'Abertura', reconheceram em Alceu uma personalidade original e poderosa. Seu 'Vou Danado pra Catende' representou o maior e mais instigante impacto numa mostra que contou com trabalhos expressivos de criadores da qualidade de Jards Macalé, Walter Franco, Ednardo e Jorge Mautner.
Por misteriosas caridades, Alceu foi (como ele diz) 'agraciado' com um 'Prêmio Especial do Júri', graças ao entusiasmo que despertou em um homem de agudo senso popular como J.B. de Oliveira Sobrinho.
Algumas vezes, depois de 'Abertura', alguns artistas me falaram com muito entusiasmo em relação ao trabalho de Alceu: Caetano Veloso, Gilberto Gil, Rita Lee, o próprio supracitado e ex-concorrente Jards Macalé.
Algumas vezes, depois de 'Abertura', alguns artistas me falaram com muito entusiasmo em relação ao trabalho de Alceu: Caetano Veloso, Gilberto Gil, Rita Lee, o próprio supracitado e ex-concorrente Jards Macalé.
Alceu conseguiu a loucura de unir os mais vivos e sanguinios sons dos cantadores de feira, dos cantos mouros e dos ritmos nordestinos às explosivas estruturas tecnológicas do rock. Em sua forma de se apresentar estão as posturas dos stars do rock, da mesma forma que as sonoridades e comportamentos musicais de sua banda.
A banda de Alceu Valença é um capítulo à parte. Mas dentro desse capítulo à parte, existe um dado muito especial: o violeiro Zé Ramalho da Paraíba - uma figura impressionante, um músico extraordinário.
Os que veem em Alceu as forças vitais que impulsionam loucuras em gente como Mick Jagger, certamente ouvirão o trabalho de Zé Ramalho com a devoção que Dylan inspira.
Calma. Não estou comparando Alceu e Zé Ramalho a Dylan e Jagger - o que horrorizaria os memorialistas da colônia. Alceu e Zé ainda estão no levantar do voo e a aproximação com os stars é para mostrar uma personalidade artística sanguínea e instintiva ao lado de reflexiva e emocionada. Então usa-se modelos conhecidos, reconhecidos e autenticados...
N.R.: Mas comparar a poesia de Caetano Veloso com a de Bob Dylan faria Dylan igualmente feliz. Dylan escreveu numa contracapa sua que seu sonho era um dia cantar como João Gilberto. Daí... as pessoas aqui ainda se escandalizam... Mick Jagger acha Gilberto Gil um barato. E diz. E adoraria cantar com ele...
Numa época em que se discute frequentemente a mistura de rock feita no Brasil por um lado e opondo a isto o compromisso incondicional com o brasileiro, o que vem de fontes autenticamente populares, Alceu Valença começou a ser notado: o que vinha tentando em desespero desde 1968.
Passada a maldição dos sete anos (provavelmente um espelho quebrado...) Alceu volta ao Rio para uma temporada regular no Teatro Tereza Raquel. Por desinteresse e falta de informação (o que não é culpa só das pessoas), a primeira semana de Alceu foi desastrosa. Por duas vezes teve que suspender o espetáculo por falta de público.
Mas os poucos que assistiram se encarregaram de espalhar o poderoso e novo som que veio de Recife. E por sorte de Alceu, alguns dos poucos eram algumas das pessoas que mais influem na formação de uma opinião musical na cidade.
Contra a expectativa inquietante de pouco mais de mil cópias vendidas de seu LP, o diretor artístico da Sigla, Guto Graça Mello, investiu ainda mais na incerteza do talvez demorado mas inevitável sucesso de Alceu Valença.
Já na segunda semana o teatro recebeu bom público: tão bom que o empresário Benil Santos decidiu esticar a temporada por mais duas semanas. Ao mesmo tempo, a melhor imprensa musical - os de elogios mais econômicos - revelou ao público que finalmente, depois de uma espera relativamente longa, um som poderosamente novo se oferecia aos ouvidos e cabeças gerais. E há sempre um grande entusiasmo na plateia de Alceu Valença e seu grupo. Já tem até groupies o cabra...
O trabalho de Zé Ramalho da Paraíba é um inacreditável blending dos blues arrastados de Dylan com as linguagens de cordel dos cantadores de feira, dos contadores de estórias sem nome e sem lugar, dos observadores da vida e das pessoas. Tudo envolvido por uma contida inquietação.
(Walter Franco diz que há certos artistas que são como o cisne: quem vê nadando parece a paz flutuante, mas se a gente olha por baixo da água vê os pezinhos a mil...)
Zé Ramalho é meio isto. Intimista, intenso, um músico que está entre a fala e o canto, que no entanto corre em volta, entre as pausas e espantos.
O flautista de Alceu, por exemplo, chama-se Zé da Flauta. E tira do seu instrumento uma sonoridade agressiva e raramente ouvida em palcos cariocas. A não ser quando Yom Muniz está na banda, é claro. São os sons maravilhosamente mal acabados dos flautistas de ruas, mesclados aos sons novos e 'sujos' de Ian Anderson, por exemplo. Zé da Flauta não toca aquela flauta comportada de fundinho. Toca uma flauta ativa, nervosa, mal comportada, vigorosamente popular. Apesar de ser uma banda realmente de exceção (que leva ainda mais longe a proposta dos instrumentistas dos Novos Baianos) há dois buracos importantes a serem referidos: a ausência de Lula Côrtes e seu tricórdio, instrumento de loucura que nas mãos de Lula grita os fraseados poderosamente originais. E outra é o volume do som, que dentro das possibilidades técnicas do equipamento, deve ser levado à confundência dos sons do rock, tornando assim, ainda mais forte a proposta de Alceu and Band.
Como dizia Emersom Fittipaldo na televisão...'eu recomendo.'... "
Zé Ramalho |
(Walter Franco diz que há certos artistas que são como o cisne: quem vê nadando parece a paz flutuante, mas se a gente olha por baixo da água vê os pezinhos a mil...)
Zé Ramalho é meio isto. Intimista, intenso, um músico que está entre a fala e o canto, que no entanto corre em volta, entre as pausas e espantos.
O flautista de Alceu, por exemplo, chama-se Zé da Flauta. E tira do seu instrumento uma sonoridade agressiva e raramente ouvida em palcos cariocas. A não ser quando Yom Muniz está na banda, é claro. São os sons maravilhosamente mal acabados dos flautistas de ruas, mesclados aos sons novos e 'sujos' de Ian Anderson, por exemplo. Zé da Flauta não toca aquela flauta comportada de fundinho. Toca uma flauta ativa, nervosa, mal comportada, vigorosamente popular. Apesar de ser uma banda realmente de exceção (que leva ainda mais longe a proposta dos instrumentistas dos Novos Baianos) há dois buracos importantes a serem referidos: a ausência de Lula Côrtes e seu tricórdio, instrumento de loucura que nas mãos de Lula grita os fraseados poderosamente originais. E outra é o volume do som, que dentro das possibilidades técnicas do equipamento, deve ser levado à confundência dos sons do rock, tornando assim, ainda mais forte a proposta de Alceu and Band.
Como dizia Emersom Fittipaldo na televisão...'eu recomendo.'... "
'Alceu and Band'... Eu também recomendo.
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