A revista MPB Especial, que circulou no fim dos anos 70 e início dos 80 publicou um número especial com Maria Bethânia, contando sua vida e carreira. A revista, que foi às bancas em 1980, trazia um depoimento de Caetano, falando do início da carreira da irmã, e sua vinda para o Rio de Janeiro para substituir Nara Leão no espetáculo Opinião. Caetano fala de uma época em que Bethânia era ainda muito menina, e já estava envolvida com música, assim como o próprio Caetano e um grupo de amigos, que mais tarde iriam criar o Tropicalismo, e ganhar o Brasil. Eis o depoimento de Caetano:
"Aconteceu uma coisa impressionante comigo em 1964. É uma história que talvez revele muito do que são as verdadeiras relações entre minha grande irmã Maria Bethânia e eu. Nesse ano de 64 nós ainda éramos estudantes e tínhamos feito alguns espetáculos semi-profissionais no Teatro Vila Velha, em Salvador. No final daquela ano, um amigo meu, Pedrinho Nóvis, me convidou pra passar as férias de verão numa fazenda que os pais dele têm no recôncavo da Bahia, e eu fui com ele. A fazenda era linda, era um lugar lindo, a gente andava a cavalo... Pedrinho era lindo, eu não tinha nenhuma razão para querer sair de lá. Mas dez dias depois de quando eu tinha chegado, senti como que uma necessidade muito forte dentro de mim de voltar pra Salvador. Primeiro por causa de Maria Bethânia. Contei pra Pedrinho e ele falou que eu estava ficando louco, mas eu sentia como se Bethânia estivesse me chamando.
Mas pra eu sair daquele lugar eu ia precisar de uma condução e não havia. Quer dizer, a condução que havia ali, que era dos pais de Pedrinho, apenas tinha chegado. Ninguém estava com planos de voltar pra Salvador. A estrada ficava longe da fazenda e a fazenda também ficava longe de Salvador. Eu não tinha um meio de sair dali. De repente apareceu um pessoal, uns parentes do pai de Pedrinho, vindos não sei de onde, para pernoitar ali e ir para Salvador no dia seguinte pela manhã. Eles estavam numa caminhonete. Aí eu falei pra Pedrinho; 'Eu vou nessa caminhonete', e Pedrinho disse: 'Eu fico de mal com você se você for'. Ele achava que eu estava inventando um pretexto, mas não era. Eu sentia aquilo muito forte. O fato é que ele era muito cético, me convenceu, e eu não fui.
No dia seguinte, de manhã bem cedo, a caminhonete partiu, ficou aquela poeira, e eu fiquei angustiado e com a certeza absoluta de que Bethânia precisava de mim. Mas a única condução que tinha pintado, eu tinha deixado dançar, não via perspectiva de ir a Salvador. Quando de noite na hora do jantar o pai de Pedrinho chegou e disse assim: 'Estou me sentindo febril, não sei a razão, e vou precisar ir pra Salvador amanhã cedo para consultar um médico', eu nem passei pelo filtro de Pedrinho, já fui direto ao pai: 'Dr. Renato, eu vou com o senhor'. Ele estranhou porque a princípio eu havia dito que ficaria um mês. Pedrinho me olhou assim meio com raiva do outro lado da mesa, mas eu fui com o pai dele.
A gente saiu de carro pela manhã. E pra ir dessa fazenda pra Salvador, passa-se por Santo Amaro da Purificação, nossa cidade, e quando o carro passou por lá, minha cabeça virou. Eu disse pra mim mesmo: 'Pô, Pedrinho tem razão. Como é que eu estou saindo de um lugar que eu estou adorando e indo pra Salvador, quando não tem nada de concreto me chamando lá? É tudo dentro da minha cabeça... isso é loucura mesmo. Sabe o que eu vou fazer? Vou saltar aqui mesmo em Santo Amaro, vou pra casa de Mabel (Mabel é nossa irmã mais velha, que ainda morava em Santo Amaro a essa altura) fico lá uns dias, depois eu vou pra Salvador.
Aí falei com o pai de Pedrinho, ele ficou um pouco surpreso, mas parou, eu saltei e fui andando pra casa de Mabel. Quando eu cheguei na porta de sua casa, minha cabeça virou de novo. Eu pensei, 'não pode ser loucura, só uma razão me faria saltar em Santo Amaro, na casa de Mabel'. Bati na porta, Mabel me atendeu alegre, surpresa, e eu fui logo perguntando por Bethânia. Ela disse que não, que Bethânia não havia combinado nada de ir pra Santo Amaro. Estava em Salvador mesmo. Foi quando achei que era loucura; que tinha de tirar aquilo da cabeça, mas não conseguia.
Perto da hora do almoço, alguém bateu na porta, Mabel abriu, era Bethânia! Aí eu olhei pra ela assim com os olhos cheios de interrogação e ela 'Oi? que é que há?', normal, me deu um beijo. Achei impossível que tudo coincidisse e não fosse nada. Mas durante o almoço, o telefone tocou. Era uma chamada de Salvador, de Nilda Spencer, trazendo um recado dos produtores do espetáculo Opinião, do Rio de Janeiro, convidando Bethânia para substituir Nara Leão naquele show. É engraçado a força que as coisas parecem ter, quando elas precisam acontecer. "
capa de revista |
Aí falei com o pai de Pedrinho, ele ficou um pouco surpreso, mas parou, eu saltei e fui andando pra casa de Mabel. Quando eu cheguei na porta de sua casa, minha cabeça virou de novo. Eu pensei, 'não pode ser loucura, só uma razão me faria saltar em Santo Amaro, na casa de Mabel'. Bati na porta, Mabel me atendeu alegre, surpresa, e eu fui logo perguntando por Bethânia. Ela disse que não, que Bethânia não havia combinado nada de ir pra Santo Amaro. Estava em Salvador mesmo. Foi quando achei que era loucura; que tinha de tirar aquilo da cabeça, mas não conseguia.
Perto da hora do almoço, alguém bateu na porta, Mabel abriu, era Bethânia! Aí eu olhei pra ela assim com os olhos cheios de interrogação e ela 'Oi? que é que há?', normal, me deu um beijo. Achei impossível que tudo coincidisse e não fosse nada. Mas durante o almoço, o telefone tocou. Era uma chamada de Salvador, de Nilda Spencer, trazendo um recado dos produtores do espetáculo Opinião, do Rio de Janeiro, convidando Bethânia para substituir Nara Leão naquele show. É engraçado a força que as coisas parecem ter, quando elas precisam acontecer. "
O Caetano Veloso é o ateu mais místico que eu conheço.Parece que o budismo de seu filho mais velho tem mexido com sua cabeça ultimamente,vai acabar se convertendo.
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