Palavras Domesticadas

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sábado, 29 de abril de 2017

Roberto Carlos e Eliana Pitman - Revista Intervalo (1966)

Em sua edição nº 250, de outubro de 1966, a revista semanal Intervalo trazia uma matéria com um bate-papo entre Roberto Carlos e a cantora Eliana Pitman. A matéria começa com uma introdução que diz:
"Eles falam de beijo, de amor, das fãs e de um quilo de coisas mais. Eliana pergunta e Roberto Carlos responde. Mas como pergunta essa menina! Vocês precisam ler para acreditar, porque ninguém - ninguém mesmo - arrancou tantas confissões do Brasa. O que ela perguntou, o que ele respondeu, vai tudo nas páginas seguintes. Um bate-papo que é uma brasa, mora!"
Abaixo, a reprodução da matéria:
"EP - Você se lembra quando ia lá em casa? Você era um menino...
RC - Você também era garotinha.
EP - Você se lembra de quando trabalhava no Plaza, com papai Booker? Ele dizia que você tinha muito talento.
RC - Muito obrigado. De vez em quando ele me dava uma colher de chá e eu cantava um rock. Mas comecei mesmo foi cantando bossa-nova.
EP - Papai contava que as meninas davam em cima de você. Você ficava apavorado. 
RC - Bidu... Mas eu não ficava apavorado, não. Às vezes eu estava cantando e, de repente, aparecia um bilhetinho na minha mão.
EP - Papai disse que você era muito tímido naquele tempo, seu cara de anjo...
RC - Eu era tímido aparentemente. Negócio de cara de anjo é outro problema.
EP - Acho que você não é anjo nada. Você tem cara de santinho disfarçado...
RC - Mas isto não é muito bom, não: eu não vivo a fim de enganar ninguém. Você não quer dizer que eu sou enganador, né?
EP - Não, você sabe que não é, mas tua cara assim, vou te contar, Roberto... Escute: outro dia, no programa da Maysa, ela lhe perguntou qual foi sua primeira namorada. Você não se lembrava, parece...
RC - Tive duas primeiras namoradas: uma da infância, outra da juventude. A primeira, aos 11 anos, mora! A segunda, aos 14.
EP - Você só teve duas namoradas durante esse tempo?
RC - Eu disse as duas primeiras.
EP - A maioria dos homens não se lembra das primeiras namoradas.
RC - Eu sou muito correto, eu me lembro...
EP - E as garotas sabem que você é romântico?
RC - Bom, não sei se elas sabem. Eu sei que sou... Olha, não conta isso, não.
EP - O que? Que você é romântico?
RC - É. Não é um negócio que eu mesmo possa julgar.
EP - Deixa pra lá. Que é que você sente quando beija uma garota que você gosta?
RC - Que é que sinto? Acho que é o que todo mundo sente. Dependo do beijo...
EP - E essas garotas que pegam você e agarram?
RC - Bom, eu fico tão surpreso, entende? Depois, eu eu vejo que é uma demonstração de carinho, um impulso muito bonito também, muito... Ah, não sei, não! Dizer o que a gente sente com um beijo é difícil às pampas. Quando a gente dá o beijo, aí já é mais fácil.: você dá um beijo com amor, dá um beijo com carinho, dá um beijo com calor. Já o beijo que a gente recebe é difícil dizer o que ele traz. Agora, quando a gente tem vontade e, de repente, se vê beijado por aquele alguém, aí fica de boca aberta, sem saber o que pensar, porque talvez esperava, naquele exato momento, não é?
EP - Pois é, eu vi, outro dia... você ficou feliz? Que sorte bárbara, rapaz!...
RC - Fiquei. Você não tem sido beijada por quem você quer que a beije?...
EP - Teeenho! Pelo amor de Deus, olhe esse negócio...
RC - Como é o nome dele mesmo?
EP - Ah, não vou dizer. Todo mundo sabe.
RC - Eu não vou apanhar por estar batendo papo com você? Ele é ciumento, não?
EP - Humm! Ele acha você formidável, ele gosta de você.
RC - Bom, também não seria fácil apanhar...
EP - Por que? Você é forte?
RC - Não, forte é ele... Eu corro bem (gargalhada). Olhe, esse negócio que eu corro bem é papo, entende? Para fazer piada. Eu corro bem mas é de carro...
EP - Como é que você se sentiu na festa da Glamour, no Copacabana Palace?
RC - O caso de eu ter sido convidado para participar do júri é um negócio inédito na minha vida. Fiquei contentíssimo, de certo modo, até emocionado. Eu me senti homenageado. O convite me fez sentir assim importante, entende?
EP - Você é importante, Roberto. Há muitos e muitos anos não tínhamos um cara assim como você no Brasil. Sabe que eu fico boba, vejo até senhoras casadas usando o anel calhambeque! Meus primos me enchem, eles querem que eu compre o anel calhambeque de Roberto Carlos. Outro dia gastei quatro mil cruzeiros comprando anéis para a meninada da vizinhança. Esses, você está me devendo.
RC - Depois te pago, tá? Não tem problema, sou bom pagador.
EP - Agora, eu acho que de todo esse pessoal, quem vai ficar pra sempre, pra sempre mesmo, é você.
RC - Obrigado, querida. Por esta você merece um beijo...
EP - Não, não! Não me beija não senão as meninas vão me agarrar na rua. Nossa, pelo amor de Deus!
RC - (Beijando mesmo Eliana e sorrindo) Pois eu é que vou te agarrar, mora!
EP - Imagine! Agora não vou poder mais sair à rua!...
RC - Bobagem, todo mundo sabe que entre nós há uma amizade de irmãos, Eliana. Inclusive seu pai foi um grande incentivador meu e eu tenho obrigação de sentir você como uma irmã.
EP - Ele gosta muito de você e do que você faz, Roberto. Mas me diga, é verdade que você vai viajar?
 RC - Vou. Aos Estados Unidos, eu vou. Mas creio que vou primeiro à Europa, participar do Festival de San Remo. Agora em dezembro, vou, gravo a música e volto.
EP - Você vai gravar em português?
RC - Não. É uma imposição, entende?
EP - Mas é bom. Assim você tem mais penetração. Ainda mais que a língua é tão linda! E você tem um som bárbaro na sua guitarra. Em Nova York...
RC - Escute, como é que é lá? Como é que um artista faz para agradar?
EP - Bom, a concorrência é tremenda, mas ninguém se preocupa, se você está por cima. É diferente daqui: há lugar para todos e, para fazer um subir não se pensa em derrubar ninguém. Se você tem talento, sabe o que está fazendo, você chega a qualquer lugar. Papai acha O Calhambeque, um pouco mais trabalhado ao gosto americano, é sucesso na certa.
RC - E você acha que lá a gente tem que cantar em inglês, português...
EP - O americano não aplaude o que não entende. Você pode intercalar, digamos, três músicas em português, no seu repertório. Mas tem de cantar muita coisa em inglês. Eu fazia assim. Sabe de um grande programa que você poderia fazer lá? O Hullabaloo, que é fabuloso: tem um balé que é uma coisa e cada semana apresenta um artista famoso, com Dean Martin, Sammy Davis Jr...
RC - O que é Hullaballo?
EP - É... uma bagunça simpática, entende? É o iê-iê-iê.
RC - É coast to coast?
EP - É. E você, com essa cara, tenho certeza de que vai fazer sucesso.
RC - (Tira o cachimbo do bolso)
EP - Desde quando vc pegou cachimbo?
RC - Eu fumava cachimbo há muito tempo, mas não era fiel a ele.
EP - Os médicos aconselham o cachimbo a quem quer deixar de fumar. Mas sabe que engorda?
RC - Ah, é? Então preciso parar de fumar cachimbo. Mas vá ver o que o cara engorda justamente porque deixa de fumar o cigarro. É o cigarro que emagrece.
EP - É chato conversar com você, Roberto. Você sempre ganha. Ah, quem acendeu meu cigarro na América? Eu não fumo, mas peguei cigarro só pra esnobar. Estava numa boate e veio de lá - imagine quem? - Harry Belafonte e - troc! acendeu o isqueiro para mim.
RC - Nooossa! Aí, você - pimba! - desmaiou...
EP - Eu estava com um vestido bárbaro, assim como estava no Copacabana Palace.
RC - Muito chique, eu vi. Bárbara, sinceramente. Não é badalada. EP - (Esnobando) Aliás, eu estava com medo deles me darem um título de glamour hors concours.
RC - O que é hors concours?
EP - É... um negócio que não faz parte do concurso, mas merece ganhar. Oh, Roberto, você não pode casar, não.
RC - Por que não posso casar?
EP - Ora, porque as garotas são gamadas. Sabe, na América casam escondidos: se as garotas sabem, dá o maior bolo. Eles casam, têm 10 mil filhos e ninguém sabe. Aqui, as garotas estão sempre sonhando em casar com Roberto Carlos. Se você casa, as garotas não vão poder mais sonhar, né?
RC - Eu ainda nem penso em casar.
EP - Oh, que bom para as garotas. Elas ainda podem ter esperanças, hein?
Escute, você não se sente sozinho em seu apartamento?
RC - Não, minha casa me abraça muito, entende?
EP - Estou com fome. Vamos comer um sanduíche? Outro dia comi três dúzias de ostras, menino!
RC - Boa ideia. Vamos lá. Que tal um sanduíche de ostras para você..."


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